terça-feira, 6 de maio de 2014


Paulo Francis tinha razão

Ivan Maciel de Andrade
Advogado

Paulo Francis ocupa um dos primeiros lugares numa relação que se faça dos mais cultos e brilhantes jornalistas brasileiros de todos os tempos. Decepcionou-se com o comunismo stalinista e tornou-se um reacionário intolerante e radical. A partir daí, sua irreverência criou muitos inimigos, que ele enfrentou em polêmicas cheias de sarcasmo e de violência verbal. Ele merece respeito, acima de tudo, por sua fulgurante inteligência. Mas também por sua dignidade como profissional e pela independência e coragem com que defendia suas opiniões. Por essas qualidades é que Paulo Francis faz uma grande falta hoje ao nosso país. O “Diário da corte” testemunha o que existe de melhor em sua intensa atividade jornalística, pautada pelo desafio a mitos, tabus e convenções sacralizadas.

Morreu Paulo Francis em 1997 de um infarto em Nova York. A causa do ataque cardíaco é conhecida: ele fez acusações de irregularidades à direção da Petrobras no programa “Manhattan Connection’’. A Petrobras moveu, então, uma ação contra Francis, perante a Justiça dos Estados Unidos, pedindo uma milionária indenização por danos morais. Francis, como não dispunha de provas concretas de irregularidades praticadas por dirigentes da Petrobras (que somente agora foram divulgadas pela mídia nacional e internacional), ficou profundamente receoso, diante do rigor da Justiça norte-americana, de vir a sofrer uma condenação que representaria a sua ruína financeira e patrimonial. A ironia de tudo isso é que, a esta altura, chegou-se à conclusão de que Paulo Francis, um jornalista excepcionalmente bem informado, tinha mesmo razão. O que significa dizer, em última análise, que Francis morreu vítima de suas “informações privilegiadas”: um fim de muita angústia!

Essa história envolvendo as denúncias de Francis contra dirigentes da Petrobras me lembra um conto de Machado de Assis com o título de “Suje-se gordo!”. Dois amigos conversavam no intervalo do segundo para o terceiro ato de uma peça teatral que versava sobre o tribunal do júri. Um dos amigos se confessou “contrário ao júri”, “não pela instituição em si”, que considerava liberal, mas porque lhe repugnava “condenar alguém”. Contou que, mesmo assim, “serviu duas vezes”. Na primeira, um moço era “acusado de haver furtado certa quantia, não grande, antes pequena” (esse tipo de crime estava, à época, sujeito a julgamento pelo júri). Machado conta que os debates entre acusação e defesa foram brilhantes. Mas a prova justificava plenamente a condenação e, por isso, não foi outro o resultado.

Chamou sua atenção, no entanto, a insistência com que determinado jurado se esforçava para que se condenasse o réu, logo, de imediato, sem maiores discussões. O que o revoltava era que fora “tudo por uma miséria”. E afirmava: “Quer sujar-se? Suje-se gordo!”. O narrador não entendeu de imediato o sentido dessa expressão. Só depois percebeu o seu (sutil) significado: “Suje-se gordo! era como se dissesse que o condenado era mais que ladrão, era um ladrão reles, um ladrão de nada”.

O erro de Francis foi meter-se num imbróglio em que os protagonistas seguiram à risca a recomendação do personagem machadiano: as negociatas ultrapassariam um bilhão de dólares.

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