(*) Gutenberg Costa.
Em mansão
de rico quando se toma umas e outras e bate aquele papo intelectual, ás vezes
nem tanto, senta-se em cadeiras luxuosas, mesas mais luxuosas ainda e o que se
vê é geralmente o que eu tanto ouvia quando criança lá na cidade de
Pendências/RN: “Muita farofa é sinal de pouca carne!”. Bem, vou contar uma
história verdadeira que presenciei em minha vida anos passados, quando fui
convidado para prestigiar um badalado enlace matrimonial de uma filha de um
rico aqui em Natal. A dita festança da filha do rico deu-se num desses salões
de recepções com muito requinte e decoração cinematográfica. Inúmeros
fotógrafos, cinegrafistas e seguranças. Mesas ornamentadas e violonistas
acompanhando a bela noiva na triunfal entrada da festa. Muitas fotos, abraços e
comida que era bom para a ocasião – nada! Fiquei esperando vendo o glamour
ambiental dos ricaços e com muita fome tive que chamar um elegante garçom e
suplicar-lhe algo que aliviasse a miséria na barriga. Este educadamente desculpou-se
e tentou explicar-me que só a partir das 22 horas era que iam chegar às mesas
as coxinhas e pastéis, devido aos rituais do então casamento. O jantar mesmo só
ás 23 horas. O mesmo observando minha insistência, ainda trouxe-me, mesmo escondido
uma dose de uísque e uma coxinha no bolso. Contrariado com tanta demora
gastronômica, tomei a bebida em um só gole e muito ligeiro e desconfiado ‘capei
o gato’, em disparada para casa em procura de jantar algo típico sertanejo e
bem nutritivo. Lá em casa graças a Deus, a garrafa de café está sempre cheia e
não falta mistura pronta para uma visita seja que hora for. Algum tempo, ‘fujo’
como o diabo da cruz de certos ambientes luxuosos, traumatizado com a espera e
a fome que passei na festa do casamento da filha do tal rico. E não adianta os
amigos insistirem, que o milagre eu conto-os, mas esconderei os nomes dos
santos até a morte!
Certa
feita, estando na pequena e acolhedora cidade de Serra Caiada em uma pesquisa
de campo, eis que fui convidado ás pressas para uma festinha de casamento da
filha de um pobre agricultor da região. Chegando a referida festa, o pai da
jovem filha recém casada, muito preocupado com minha presença, foi logo me
dizendo em cima da bucha: “Dotô, me adesculpe a mesa que só tem três pernas,
mas encostada na parede não cai não senhô. E me perdoe o senhor se assentar num
tamborete velho”. Me vendo tranquilo e alegre com a sincera recepção, foi logo
tratando de me apresentar o casal feliz de nubentes. O pai da moça pobre não
arredando da minha mesa, começou indagando-me: “O dotô quer celveja, vinho,
uísque, cachaça, rum montila, conhaque e batida de maracujá?”... “E o quê o dotô
vai querê pra fazê a parede?” E emendou sem perder tempo o velho pai que de
pobre não tinha nada: “A gente tem perparado nas panela: guiné, galinha
caipira, poico, carne assada, picado de carnêro e de poico, pato, farofa,
arroz, macarrão, feijão verde e feijoada!”. Fartura que só em tempo de eleição
nas fazendas dos antigos coronéis nordestinos aos eleitores encabrestados!
Como
estava na frente da casinha ainda deu para ouvir o bom ‘forró pé de serra’
animando os convidados do casamento pobre lá no terreiro do fundo do quintal. Não
seria correto chamar essa festa de pobre. Pois pobre é o cão! Já dizia uma
velha máxima tão ouvida na feira do meu Alecrim. E ainda acrescentaria agora
aos leitores: Pobre é a miséria, que é encontrada em meio á tanta riqueza de certos
bestas viventes que dizem morar ‘trepados’ em apartamentos! Rico mesmo, era
como dizia minha saudosa e sábia mãe, dona Estela: “Meu filho, rico de verdade é
aquele que tem saúde e não deve a ninguém!”.
Hoje
vivo feito gato ‘escaldado’ com ‘medo de água fria’, de certos convites
luxuosos impressos que me chegam, bem como também a certas festas do tipo
‘vips’,‘chiques’ ou mesmo como se dizia antigamente - muito ‘granfinas’. A cada
festa de ‘arromba’, parece que o filme agora contado volta-me à cachola de
folclorista. Confesso que já vi quase tudo nesse mundão esquisito e perigoso
como diria o falante ‘Riobaldo’, da clássica obra de Guimarães Rosa, mas juro
que ainda não tinha parado para comparar a festa do pobre e com a do rico. Aí
pensei: na beira da piscina do rico um garçom bem vestido serve aos convivas:
coxinha, pastel, azeitona, salsicha cortada em rodela, palito, água mineral e
guardanapo. Tudo isso no centro de uma mesa bem florida e decorada. E lá no
quintal do pobre cheio de sombra e água fresca a gente mesmo é quem bota a mão
na cumbuca: tamborete, mesa velha, simplicidade, alegria, bate papo sem
interesse financeiro e diga-se - muita fartura em comida e bebida. Festa de
causar inveja a muita gente, principalmente aqueles, que se acham endinheirados
e além de tudo – famosos em colunas sociais e ostentadores dos face books...
(*)
É presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore.
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