sexta-feira, 9 de maio de 2014


NÃO SOU MACACO

Por: Gileno Guanabara, advogado

            A curiosidade me tomou de assalto não pelo fato de um atleta profissional de futebol apanhar uma banana no verde do gramado, onde disputava uma partida e,  como se tomado de um reflexo condicionado, desfazer-se da casca da fruta e se deliciar sob o foco das televisões amigas. O mundo todo se comoveu, a partir de celebridades ou de oportunistas de plantão que se expuseram uns a posar artisticamente com uma banana, outros pondo-se a comê-la televisivamente.

As consequências daí decorrentes são inúmeras. A primeira interpretação que me ocorreu foi em o autor da pantomima aproximativa de agressão - atirar algo contra outrem, sem que tenha atingido o alvo - portanto mera tentativa, ter sido imediatamente identificado na pessoa de um torcedor do clube adversário ávido para desestabilizar o zagueiro do time contrário, no momento da cobrança de um escanteio, o qual foi, mesmo assim, cobrado sem maiores consequências no placar, contra as barras do goleiro adverso. Portanto, o delito cometido foi mera tentativa de atingir alguém, por motivo até aquele momento desconhecido, atirando-lhe uma banana comestível. Não atirou uma banana de explosivo, nem um vaso sanitário feminino capaz de cair sobre a cabeça da vítima indefesa em pleno asfalto.

Outra consequência foi a descoberta por jornais televisivos do mundo, céleres de notícias vãs, de que a ação teria um fundo xenofóbico. O autor seria um racista que teria se encaminhado à plateia do estádio, pondo-se num lugar privilegiado - próximo ao canto da bandeira de “corner” – em dia de jogo de grande expectativa e, em determinado momento, praticou o ato, atirando uma banana, molestando o zagueiro adversário, havendo-o como animal comedor de banana e não um espécime rara de jogador de futebol. Lógico que anterior à prática do ato molestuoso que praticou, o autor certamente desconhecia a reação da vítima e da aldeia futebolística. Iria ela, a vítima, imediatamente comer a arma da agressão, e o faria costumeiramente mais uma vez, haja vista que já o fizera tantas vezes, quando de sua infância medonha, desconhecida para tantos fanáticos torcedores e também para os tresloucados atiradores de banana em campo de futebol.

Não mais que de repente, um estrategista de ideias pautou nas redes sociais e clamou ao mundo a frase lapidar, comovente, capaz da sensibilizar o subconsciente animal de milhões de partidários do esporte bretão. É que os humanos naturalmente guardam incluso no DNA, consignado desde as eras dos primevos “australopithecus afarensis”, vários estigmas, como exemplo o de se catar em público, o de fazer auto-amor sem alvará de licença; de atirar pedras, como também o de subir nos galhos das árvores. Portanto não é inédito o fato de comer banana.  E o profeta jagunço da internet proclamou para a aldeia global a maior das descobertas: “Somos Todos Macacos”. O mundo descobriu, de um momento para outro, a verdade: nós somos macacos. Não sei exatamente se pelo fato de haver sido atirada a banana; ou se pelo atleta havê-la comido; ou se por ser exatamente aquela banana que lhe foi atirada; ou se, pelo mero reflexo condicionado de sua reação, não se contendo e à risca apanhar e comer a sucosa polpa da fruta, sem reclamar, nem achar ruim, sob os aplausos da galera.

Houve uma gloriosa época, precisamente nos meados de 1950, em que o domínio da comunicação se dava através das transmissões radiofônicas. A carência de dotes de realeza sentida nos umbrais das elites nativas, supria-nos a sublimação de reis criados, quer fossem o rei da voz, o rei do futebol, o rei momo, rei da besteira, rainha do rádio, e muitos outros que serviam para simplificação das nossas carências nobrelescas. A porta voz do rádio musicado, a “Pequena Notável” como era fantasiada, engalanou-se com um cacho de banana, em forma de chapéu, montada sobre sapatos de plataforma, para crescer aos olhos dos seus fãs, cheia de barangandãs, saiu por aí cantarolando a música “Xiquita Bacana”. Carmen Miranda sabia que o sucesso de suas extravagâncias decorriam não das bananas que a enfeitavam na forma de símbolo fálico diante do público nacional que a acolheu. A música dizia de uma vedeta da Martinica que se mostrava nua, vestida com a singela casca de uma banana nanica.

Naquele tempo, reinava a política da “boa vizinhança” dos gringos do Norte para com os caboclos da América abaixo do Equador. Tudo nos conforme, sob pena de baixar o “the big stick” (o grande cassetete), que a todos enquadrava como “republiquetas de bananas”. Carmem Miranda sentiu o clima e foi para Hollywood em busca da fama, ao ritmo do sucesso e das coreografias bananeiras. Sua dança sensual, as bananas enfatiotadas, suas músicas e letras patrioteiras e os filmes cantarolados de que participou, despertaram Walt Disney a vir ao Rio de Janeiro, trazendo consigo o papagaio malandro “Zé Carioca”, seus calungas musicados, os filmes de desenho animados e as revistas de quadrinhos. Um dos personagens desses tempos de Walt Disney era o bombado Popeye, o marujo que ensinava maus modos ao comer e provocou indigestão no público americano pelo consumo imoderado do espinafre enlatado. Popeye desapareceu de cena com os músculos deformados, iguais a propaganda enganosa de seus idealizadores. Não conseguiu ao menos convencer sua noiva, a magricela Olívia Palito, de consumir o alimento que poderia ter-lhe encorpado os seios, a voz e a bunda. Dos filmes de que se utilizou para convencer o público cita-se “O Marinheiro Popeye e o Bebê que comia Espinafre”. Carmem Miranda faleceu precocemente. Seus fãs jamais reclamaram de que lhe tenham sido atiradas, nem que tenha comido, bananas nos palcos durante as suas performances.

O atleta Daniel Alves pareceu pouco incomodado com o ato que se atribuiu racista. O corte elegante de sua fatiota e os seus olhos verdes da cor do mar miram com espanto a repercussão mundial do gesto de ter jogado contra si uma banana no campo de futebol. Sem outra profissão por enquanto, Daniel vai continuar a jogar e a comer banana, independentemente do preço da fruta ter disparado, ou do espertinho, oportuno da causa, que jogou no mercado milhões de camisetas com a estampa de uma banana e a marca registrada: “Somos Todos Macacos”. Seus lucros serão astronômicos. Sou de comer banana, mas não sou macaco, nem idiota.

 

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