terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS – Parte III 

(ORMUZ BARBALHO SIMONETTI)



          Desfilavam pelas ruas da velha cidade outros 
saudosos pregoeiros. A velhinha da carimã, uma 
espécie de broa feita de massa azeda de 
mandioca, muito utilizada na confecção de 
bolos e biscoitos. Andava sempre com um porrete 
na mão, para se defender dos cachorros vadios, 
mas também pra correr atrás dos garotos 
traquinos que mexiam com ela gritando 
“carimã podre!”.
       
       O vendedor de alfenim, um simpático 
velhinho que usava uma velha sandália de rabicho 
feita de sola e caminhava lentamente com paços 
miúdos e cadenciados, trazia em seu 
tabuleiro torrões de açúcar transformados 
em miniaturas de bois, vacas, cachorros, 
galinhas e cavalos, tudo cuidadosamente 
pintados com cores vivas e atraentes.
         
       A vendedora de mangabas, negra alta e 
esbelta, equilibrava na cabeça com graça e 
desenvoltura, um alguidar de barro cheio 
dessas frutinhas genuinamente nordestinas.  
A venda era feita por litro e também em 
pequenas caixolas feitas com folhas de 
“cajueiro brabo” - uma espécie que existe 
em áreas de tabuleiros e que tem folhas 
grandes e espessas - e costuradas com 
palitos de coqueiro. As frutas eram colhidas 
nas dunas que circulam nossa cidade pelo 
lado do nascente.
       
      Outro pregoeiro, que ainda hoje 
pode ser visto pela cidade, é o vendedor 
de geleia de coco. Conduzindo o tabuleiro 
na cabeça, anunciava o produto batendo 
seguidamente com uma espátula, que utilizava 
no corte das poções, em uma das pernas do 
tabuleiro que produzia um som metálico. 
Os preços variavam de acordo com o 
tamanho da porção. Ao lado do tabuleiro, 
presos por um arame, pedaços de papéis 
de diversas cores serviam para acondicionar 
a guloseima. Pessoas que por ventura 
utilizassem próteses dentárias, por motivos 
óbvios, evitavam seu consumo.
        
       O vendedor de pirulitos – do tipo 
guarda-chuva -,  garoto franzino e saltitante, 
vez por outra encostava a tábua recheada 
com as deliciosas iguarias no muro de 
alguma residência, pra jogar bola de meia 
ou de gude, com os garotos da rua. 
Não raro, quando apanhava a tábua 
novamente, alguns pirulitos havia 
desparecido misteriosamente. Mesmo assim, 
sempre estava por ali batendo uma bolinha.
        
      Lembro do vendedor de raivas, que 
trazia o produto em um depósito cilíndrico 
dentro de um saco e o conduzia preso as 
costas segurando-o com uma das mãos. 
Havia ainda o vendedor de cocadas; o de 
tapioca e beijus no coco além dos 
conhecidos grudes de Extremoz, que 
passava propositalmente sempre no 
início das manhãs ou no final das tardes, 
horário que antecede as refeições; o 
vendedor do famoso “cuscuz da Mata”,
 caminhava equilibrando o tabuleiro 
na cabeça, com andar ligeiro e cadenciado 
como se disputasse uma macha atlética. 
Com os primeiros raios do sol, partia 
para sua maratona que começava na 
Avenida Um, no bairro do Alecrim, 
onde se localizava a fábrica, só 
retornando no dia seguinte, após novo 
carregamento.
          
     O pipoqueiro, presença constante 
nas portas das escolas ou onde houvesse 
aglomeração de crianças, também realçava 
o cenário das ruas da velha cidade. 
O vendedor de cavaco chinês, que apesar 
da modernidade, ainda insiste em sobreviver, 
não utilizava nenhum pregão
Era reconhecido apenas pelo frenético 
tilitar de seu triângulo, em obediência 
um encadeamento bem conhecido, 
principalmente pela criançada.
        
        E continuava o desfile dos pregoeiros 
matinais. Aparecia o vendedor de peixe, 
que os trazia pendurados em uma peça 
de madeira apoiada em cima de seu ombro. 
Na mão, um porrete de madeira e na 
cintura uma peixeira “12 polegadas”, 
para tratar o pescado, ou dividi-los 
em postas de acordo com o desejo 
da dona de casa. O vendedor de 
caranguejos-uçá e gordos goiamuns, 
vendidos amarrados em cordas de 
10 e 12 unidades, pendurados em 
um pau de galão. O vendedor de 
camarões torrado, vendidos em litros, 
atraia os fregueses anunciando que sua 
medida era “cheia no capricho” e 
sempre tinha um agrado de 4 a 5 camarões 
que colocava depois.
      
      Um dos pregoeiros mais famoso 
daquela época foi o jornaleiro Cambraia. 
Conheci-o muito bem, pois, diariamente, 
passava em frente a minha casa anunciando 
com um vozeirão arrebatador: 
“ôlelê, ôlelê, jorná de natá”. 
Negro alto, de brancos cabelos pixains 
que mais pareciam pipocas, tinha 
feições marcadas pelo tempo. Andava 
sempre de pés descalços, calças arregaçadas 
na altura dos joelhos e camisa entreaberta. 
Trazia os jornais, em baixo do braço 
protegidos por uma espécie de papelão.

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