O Primeiro Clarim Parte I
Ciro José Tavares
“Hoje eu não quero sofrer,
hoje
eu não quero chorar,
deixei
a tristeza lá fora,
mandei
a saudade esperar.”
Esses
quatro versos abrem a música de klécius Caldas, O Primeiro Clarim, que dá
título aos comentários sobre antigos carnavais de Natal, incluídos no livro
Sagrados Quarteirões, onde renovo minhas lembranças da cidade que fugiu num
tempo que deixou de existir e jamais voltará.
Sexta-feira,
véspera do sábado do Zé Pereira, era o dia dos arremates num encontro na casa
do Ugo Paiva. Ali estávamos Marcos Massena, Fernando Paiva, Valmir Ferreira
Márcio Pacheco, Sidney Gurgel, Carlos Alberto Silva Gomes, Nei e Nélio Silveira
Dias, Túlio Fernandes, Eimar Villar, Oriane Guedes, José Gondim, Ilo e Jarbas
Ramalho, José Evaldo, Reginaldo Feijó, João Bosco Ferreira e eu. Definíamos os
horários de saída, as casas comprometidas com os assaltos, acertávamos com
“Maribondo”, um corneteiro da Polícia que nos acompanhava, comandando a parte
musical.
Na
Rua Felipe Camarão, esquina da Rua João Pessoa, ao lado da casa de Reginaldo
Feijó, o caminhão que nos transportaria durante os três dias, recebia os
últimos retoques da alegoria. Reginaldo era um artista nato e deixávamos que
ele cuidasse dessa parte, pois sabia fazer e fazia com carinho. O nome PLEBE eu
pesquei de um comentário azedo do irmão Adauto Aguiar, meu professor de latim e
inglês no Colégio Marista. Ele fez uma dura crítica às diferenças sociais concluindo
ao final que elas, como na Roma antiga, eram responsáveis pelo surgimento das
classes menos privilegiadas, a plebe rude e sem futuro. Fomos Ugo, a irmã Ize,
a mãe deles, dona Carminha Paiva, e eu que fechamos com o nome. D. Carminha
comprometeu-se em pedir ao compositor Hianto de Almeida a marcha hino do bloco
que nascia sem estatuto, sem regulamento, sem diretoria. Todos falavam e davam
sugestões, mas havia ordem porque todos queriam brincar um bom carnaval. Um
bloco feito na base da amizade, um amigo chamando outro, o nome submetido aos
demais e quando aprovado passava a integrar o grupo como novo plebeu.
Nosso
carnaval começava na noite dos KARFAJESTES, na antiga sede do ABC, na Avenida
Afonso Pena com a Rua Potengi. O bloco reunia um grupo da pesada, empresários e
profissionais liberais, todos bem encaminhados na vida, entre eles Jair
Navarro, Valdemar Matoso, Rubélio Lins Bahia, Moacir Maia, Wellington Lucena,
José Gosson e Walter Tavares. A festa era animada, todos embalados na abertura
oficial do tríduo momesco, uma chuva de confete e serpentinas, o agradável
cheiro dos lança-perfumes, as músicas cantadas com entusiasmo, pois sabíamos
suas letras, principalmente aquelas que falavam de amor: “Se você não me queria
não devia me procurar; não devia me iludir, nem deixar eu me apaixonar.”
Como na música de klécius
Caldas estávamos todos imbuídos de um único projeto:
“Quero me afogar em
serpentinas,
quando ouvir o primeiro
clarim tocar;
Quero ver milhões de
colombinas
a cantar;a cantar;
quero me perder de mão em
mão,
quero ser ninguém na
multidão.”
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