quarta-feira, 25 de julho de 2012



"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - (XXII) - Dra. Lúcia Capanema ______________

RIO DE JANEIRO, VILA AUTÓDROMO: UM BAIRRO MARCADO PARA VIVER

A Vila Autódromo é uma comunidade nascida como vila de pescadores, à beira da Lagoa de Jacarepaguá, há mais de 40 anos, quando a região era ainda desprovida de infra-estrutura urbana.

Nos anos seguintes, houve ampliação do número de lotes e moradores. Ao longo dos anos, mudou toda a região e a ocupação das margens da lagoa: aterros e grandes condomínios fechados reconfi guraram a morfologia e ocupação da região. A mais recente intervenção foi o aterro de uma área extensa avançando sobre o leito da Lagoa, inclusive com impermeabilização do solo, para a instalação da Cidade do Rock e realização do megaevento Rock in Rio.

Demarcada em parte como Área de Especial Interesse Social pela Câmara Municipal em 2005, a vila chegou a receber moradores da Comunidade Cardoso Fontes, autorizados a se instalar ali pela prefeitura, após remoção de seu local de origem. Em anos recentes, porém, a prefeitura vem empreendendo
sucessivas tentativas de remoção da Vila Autódromo como parte de projeto de valorização imobiliária da Barra da Tijuca. A comunidade tem resistido através da mobilização social.

A remoção da Vila Autódromo, cuja maioria dos lotes é regular e tem título de Concessão de Direito Real de Uso (considerado instrumento de regularização fundiária pelo Estatuto da Cidade), é apresentada como necessária para a construção do Parque Olímpico, acionando argumentos de preservação ambiental. Tal justifi cativa não se sustenta, uma vez que há condições de permanência dos moradores com qualidade ambiental através de urbanização. Já teve início proposta para a realização de Termo de Ajustamento de Conduta, junto ao Ministério Público, estabelecendo condições para a redução da faixa de APP de 30m para 15m, conforme prevê a Resolução Conama n.º 369/2006.

O relator do Código Florestal na Comissão de Constituição e Justiça do Senado faz menção à Vila Olímpica como caso de “exceção para obras consideradas de interesse público”. O edital de licitação de concessão estimada em R$1,4 bilhão à empresa privada para “implantar, operar e manter o Parque Olímpico” prevê a instalação de equipamentos esportivos em 25% da área do terreno de 1,2 milhão de metros quadrados. Como contrapartida a concessionária “terá o direito de explorar comercialmente as áreas remanescentes, o que inclui a construção de hotéis e prédios comerciais e residenciais” (O Globo, 01/12/2011).

A prefeitura chegou a justifi car a remoção como exigência do Comitê Olímpico Internacional – COI. Como resposta, a comunidade, apoiada pela Defensoria Pública, elaborou uma Notifi cação ao COI com extensa argumentação pela permanência da vila. O próprio projeto para o Parque Olímpico, vencedor de concurso internacional promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB, mantém a Vila Autódromo, e inclui diversas intervenções na faixa de APP (possivelmente justifi cadas pelo “interesse público”).

A prefeitura segue com as tentativas de remoção da Vila Autódromo. Já tentou justifi car com argumentos ambientais, com a necessidade de assegurar segurança para a Vila Olímpica do Pan, com a instalação do Parque Olímpico e, mais recentemente, falam que haverá ali uma alça ligando a Transolímpica à Transcarioca – muito embora os projetos de ambas as vias não mencionem a referida alça.

Como se tudo isso não bastasse, o terreno para o qual se pretende remover os moradores é, segundo o Núcleo de Terras da Defensoria Pública do Estado, área de alto risco no mapa elaborado pela própria prefeitura.

A Associação de Moradores elaborou recentemente o Plano Popular da Vila Autódromo, que comprova a possibilidade de permanência e melhoria das condições de moradia e saneamento com desenvolvimento sócio-econômico. A Vila Autódromo quer viver.

Moradores elaboram Plano Popular para mostrar que urbanização é possível e viável tecnicamente.


=====================


"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - (XXI) - Dra. Lúcia Capanema ______________

5.2 Redução de APPs e alteração de leis urbanísticas sem estudos de impacto.
O Plano Diretor de Porto Alegre (PDDUA) resultou de intenso processo de debates, envolvendo reuniões participativas e audiências públicas ao longo de quatro anos. Aprovado em 22 de julho de 2011, vem sendo descaracterizado e desvirtuado por leis complementares que submetem a cidade aos empreendimentos associados à Copa 2014: elevação de índices de aproveitamento para reformas e ampliações de centros esportivos, clubes, equipamentos administrativos, hospitais, hotéis, centros de eventos, centros comerciais, shopping centers, escolas, universidades e igrejas. Foram realizadas alterações no zoneamento ampliando índices construtivos e reduzindo áreas de APP. O índice construtivo passou de 1,3 para 1,9, e a altura permitida de 18 para 33 metros. A faixa de 500m de APP da orla foi
reduzida para 255m. As concessões e grandes investimentos nos estádios dos dois times rivais “fez com que os movimentos de defesa do direito à cidade e do meio ambiente, que problematizaram as suas conseqüências, fossem calados pelo massivo apoio da população e da grande prensa.” (GUTERRES, 2011, in FÁVARO, 2011). Segundo Raquel Rolnik, relatora da ONU para o direito à moradia adequada, “[o] que acontece em Porto Alegre mostra, na verdade, que a Copa de 2014 está sendo usada como motivo para que se altere o regime urbanístico das cidades brasileiras sem critérios, sem estudos e sem os processos de discussão públicos e participativos necessários.”64
Também em Porto Alegre, a área pública concedida ao Jockey Club passa por processo de liberação para privatização e concessão, que permitirá a construção de torres residenciais e comerciais a serem alugadas. Há denúncias de que a região não tem condições de absorver o impacto urbanístico e não foram ainda apresentados estudos ambientais.

Alterações de índices urbanísticos vêm sendo observadas também no Rio de Janeiro e em Salvador sem que tenham sido realizados Estudos de Impacto de Vizinhança ou Estudos de Impacto Ambiental. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou, sem consulta prévia aos órgãos técnicos da prefeitura, emendas apresentadas pela Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (ABIH) liberando a construção de empreendimentos na praia da Joatinga 63 e em ruas internas da Barra da Tijuca. Foi também incluída emenda para a conversão, em área residencial, de prédio de uso residencial em hotel. Apesar de manifestações contrárias da associação de moradores do Flamengo – Flama, a vereadora e autora da emenda Patrícia Amorim (PSDB) justifica, utilizando-se do consenso em torno dos jogos: “Se o Flamengo for beneficiado pela emenda não há conflito, mas convergência de interesses. O bairro é uma região sob influência dos Jogos Olímpicos. As competições de vela serão realizadas na Baía de Guanabara, e o aterro será cenário da maratona e das provas de ciclismo”.65

Em Salvador, mesmo sem haver consenso no setor hoteleiro quanto à efetiva necessidade, o Prefeito enviou à Câmara Municipal o Projeto de Lei n.º 428/11 para “flexibilizar” o Plano Diretor e autorizar a implantação de equipamentos multiuso nos arredores da Arena Fonte Nova, liberando coeficientes urbanísticos para a atividade hoteleira em diversas áreas da cidade, notadamente na orla. Em nenhum dos casos foram apresentados estudos de impacto e há dados indicando que o setor hoteleiro de Salvador hoje trabalha 65 O Globo, 21/10/2010 com 33% de capacidade ociosa. Foi também enviado à Câmara o Projeto de Lei n.º 432/11, que retira do Conselho da Cidade seu caráter deliberativo, provocando manifestação do Ministério Público que pediu a suspensão da tramitação do projeto.66

Nenhum comentário:

Postar um comentário