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ACESSO A SERVIÇOS E BENS PÚBLICOS E MOBILIDADE
O acesso aos serviços e bens públicos e à mobilidade urbana confi gura-se como direito humano nos tratados internacionais a partir de duas frentes. A primeira diz respeito aos direitos fundamentais do homem, conforme constam da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Enquanto no artigo II busca-se garantir a universalidade dos direitos e liberdades estabelecidos, no artigo XIII defi ne-se a liberdade de locomoção dentro das fronteiras de cada Estado, que em meio urbano pode também ser traduzida como direito de acesso a espaços públicos e direito à locomoção pela cidade. Mais adiante o artigo XXV identifica o direito aos serviços sociais indispensáveis.
A segunda frente decorre do conceito de moradia adequada, ao qual estão necessariamente vinculados os serviços públicos correspondentes e o acesso à própria unidade habitacional, conforme reza o Comentário Geral nº. 4 da Organização das Nações Unidas referente à habitabilidade, quando menciona a “disponibilidade de serviços, materiais, facilidades e infraestrutura, [...] acesso sustentável a recursos naturais e comuns, água apropriada para beber, energia para cozinhar, aquecimento e iluminação, facilidades sanitárias, meios de armazenagem de comida, depósito dos resíduos e de lixo, drenagem do ambiente e serviços de emergência”.
A mobilidade, mais especifi camente, está ainda melhor contemplada no item Localização quando o texto menciona que “A habitação adequada deve estar em uma localização que permita acesso a opções de trabalho, serviços de saúde, escolas, creches e outras facilidades sociais”.
Desta forma, nesta sessão são objeto de exame: 1) o cerceamento ou impedimento do acesso a serviços públicos, tanto ligados às questões da habitabilidade e dos serviços sociais indispensáveis quanto a defesa e assessoria jurídica públicas; 2) o cerceamento do acesso universal a bens públicos como logradouros, praças, parques, etc; 3) a interposição de dificuldades à locomoção e à acessibilidade das unidades habitacionais e à mobilidade urbana.
6.1. Acesso a serviços públicos
Entre as várias estratégias utilizadas pelo Poder Público para pressionar comunidades inteiras ou ainda pior, esfaceladas, divididas, está o corte ou a interposição de difi culdades de acesso aos serviços essenciais à moradia adequada, conforme exposto no capítulo Moradia.
A suspensão de coleta de lixo é prática adotada nacionalmente, enquanto em algunscasos a municipalidade e o estado suspendem também, ou não instalam, a infraestrutura necessária – seja fornecimento de energia, água tratada, esgotamento ou comunicações.
A permanência por tempo indeterminado de escombros resultantes da demolição de unidades habitacionais em áreas de remoção, causando terror, risco de doenças e desabamentos foi praticada sistematicamente na cidade do Rio de Janeiro, como o evidenciam os casos da Restinga, do Metrô Mangueira e da Estradinha, que moveu ação contra o município através do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Em Porto Alegre, a mesma prática ocorreu na Vila Dique e no Bairro Cristal.
Em setembro de 2010, em audiência pública na Câmara dos Vereadores sobre a não prestação de serviços públicos às ocupações, a comunidade Dandara denunciou as Centrais Elétricas de Minas Gerais e os Correios, por se negarem a fornecer o serviço público em área com arruamento e numeração completos, assim como a Companhia de Saneamento de Minas Gerais, por não cumprir acordo segundo o qual disponibilizaria padrões adequados de água e implantaria rede de esgoto. O Corpo de Bombeiros foi acionado por omissão no socorro aos moradores e os postos de saúde da rede municipal o foram por
difi cultarem o atendimento a moradores da comunidade. A suspensão dos serviços ocorreu também nas Vilas Dique e Arroio Cavalhada em Porto Alegre.
Outro aspecto do acesso universal aos serviços públicos concerne o direito de contar com o apoio jurídico, e de ser representado pela defensoria. Este é um caso grave em que até mesmo o direito de defesa foi comprometido em pelo menos duas cidades. No Rio de Janeiro assistiu-se a tentativa de desmantelamento do Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, cuja ação em defesa de populações ameaçadas de remoção passou a ser vista com um mau exemplo e um obstáculo à liberdade
de ação que é desejada pelos que mandam na cidade de exceção. O outro caso foi o da desmontagem e fechamento do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar, que funcionava na Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, em virtude de seu engajamento no apoio jurídico a moradores ameaçados e atingidos pelas obras da Copa de 2014.
O grave, nestes casos é que órgãos públicos destinados à defesa das populações mais pobres e dos direitos humanos passam a ser, eles também, alvos da mesma coalizão de interesses e forças que se abatem sobre aqueles que atendem. Em outras palavras, os defensores das vítimas se transformam, eles também, em vítimas da violência – física ou, no caso particular, institucional.
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