O SISTEMA PÚBLICO DE
SAÚDE E O APOIO UNÂNIME DOS BRASILEIROS - A ambiguidade como prática consagrada na implantação das políticas
públicas.
Geniberto Paiva Campos
- Observatório da Saúde/DF
Existem pontos coincidentes entre a implantação do Sistema
Público de Saúde e a Reforma Agrária no Brasil. Além do fato de ambos
pertencerem ao imaginário reformista dos políticos, dirigentes do setor público
e dos cientistas e ativistas sociais brasileiros.
Os quais emprestam apoio incondicional às políticas de inclusão social e
econômica, que ocupam posições prioritárias em todas as listas de reformas
necessárias para “alavancar o nosso desenvolvimento”. Por que, então, a
permanente impressão de emperramento na evolução natural das políticas de Saúde e Reforma Agrária?
1. Reforma Agrária ganhou relevância e prioridade a partir
do final da década de 1950, quando a emergência das Ligas Camponesas no
Nordeste do país colocou em foco a situação
fundiária da região canavieira, geradora de inaceitáveis desigualdades e
injustiça social. A partir dessa época a necessidade urgente de reformas
estruturais no campo tornou-se um dos
temas mais relevantes da pauta das chamadas Reformas de Base, resultando em polêmicas político-ideológicas, por tocar num
item sagrado, o direito à propriedade da
terra.
Nesse embate ideológico a Reforma Agrária tornou-se “questão
de consciência”, de acordo com o livro de um bispo católico conservador; a
“consciência da questão” quando abordada pela visão mais progressista; reforma
a ser feita “na lei ou na marra” pela ousadia retórica das Ligas Camponesas.
Com a instalação dos governos autoritários do período militar , na vigência da
Guerra Fria, entrou em vigor o Estatuto da Terra, o reconhecimento explícito da
urgência e da prioridade da questão fundiária no Brasil. A partir desse período
a Reforma Agrária ganhou status de
unanimidade entre os problemas nacionais. Ninguém mais seria contra a sua
implantação. Que, entretanto, nunca se concretizava. Até que no período da
Redemocratização surgiu o Movimento dos Sem Terra, o MST, para cobrar do
Governo mudanças efetivas na estrutura agrária do país. O MST continua ativo
até os dias de hoje. E, parece, ainda terá muito trabalho pelos próximos anos.
Até hoje, a Reforma
Agrária persiste como um dos itens sagrados de apoio dos brasileiros. Nenhum
político ou cidadão culto e inteligente ousaria ser contra a reforma no campo.
Com um detalhe: é um processo lento, emperrado . Avança a passos lentos. Quando
não mostra sinais de estagnação. Gerando
impaciências. Por vezes, inconformismo.
2. Em relação à questão da Saúde, o Brasil já foi
considerado um “imenso hospital” no início do século passado. Eram os primórdios
do Movimento Sanitarista, posteriormente assumido por integrantes da Fundação Oswaldo
Cruz/FIOCRUZ , com a adesão de segmentos
ativistas das lutas sociais e outras entidades representativas do Movimento.
Entre outras organizações do setor, o CEBES e a ABRASCO – lograram nos anos 80 , inserir a Saúde na Constituição Brasileira como
direito de cidadania e dever do Estado. O que daria origem ao Sistema Único de
Saúde/SUS, síntese de um processo evolutivo que passou pelas Ações Integradas
de Saúde/AIS, Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde/SUDS. O SUS representou o coroamento de uma luta
política travada de forma brilhante e
incansável pelo Movimento Sanitarista. Tal como a Reforma Agrária, o SUS foi
incorporado pelo imaginário político brasileiro como algo intocável e merecedor
de apoio permanente. Incondicional.
E, no entanto, decorridos cerca de um quarto de século da
vigência do SUS ,a assistência
individual à saúde do povo brasileiro não mostra os mesmos avanços
obtidos na área da saúde coletiva.
Indicadores sensíveis evidenciam avanços inquestionáveis, resultantes da
incorporação de novas tecnologias e do
controle de variáveis dos determinantes sociais da saúde. A mortalidade infantil foi reduzida. Cresceu a
expectativa de vida. A cobertura vacinal atingiu 100% das crianças de todas as
classes sociais. A Malária, a Poliomielite, a Varíola, a Doença de Chagas, a
Esquistossomose e outras doenças transmissíveis foram controladas ou reduzidas.
O Brasil entra no século 21 tendo completado o ciclo da transição demográfica e epidemiológica, adquirindo
nestas áreas o mesmo perfil dos países desenvolvidos.
Resta o desafio permanente do acesso de amplos segmentos
populacionais aos serviços assistenciais eficientes e resolutivos. Incorporando
todos os avanços tecnológicos e científicos da Medicina moderna e atendendo às
melhores evidências disponíveis nas áreas de diagnóstico e tratamento.
3. A que atribuir o retardo injustificável na implantação
efetiva do Sistema Único de Saúde?
Apoiado por amplos segmentos da sociedade e do mundo político
brasileiro? Inserido na Constituição como direito de cidadania?
Os conservadores apontam geralmente problemas de “gestão” no
SUS. Os progressistas retrucam com o “sub financiamento” do sistema. Causas
mais profundas, no entanto, podem estar envolvidas, compondo um vasto elenco de
dificuldades – reais e criadas - de
resto inerentes à evolução das políticas públicas no país. Fruto, talvez, do
jogo ambíguo e cheio de idas e vindas das elites dirigentes brasileiras.
Essas elites, através do seu poder financeiro, conseguem deter o controle do Legislativo, se apropriando,
portanto, da “máquina de fazer leis”(Dowbor,L. 2013). Adaptando
o aparato legal aos seus interesses, e assim, criando uma espécie de “ditadura
republicana”. Em consequência, o sistema de arrecadação de tributos e as normas
que regulam os gastos públicos vão gradativamente tornando-se obstáculos à
plena execução das políticas sociais. Esses, talvez, os dois grandes gargalos externos do Sistema
Único de Saúde.
No próximo artigo, pretendemos tratar desse tema de forma mais
detalhada.
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