sexta-feira, 13 de setembro de 2013


O SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE    E O APOIO UNÂNIME DOS BRASILEIROS -     A ambiguidade como prática  consagrada na implantação das políticas públicas.

Geniberto Paiva Campos  -  Observatório da Saúde/DF

Existem pontos coincidentes entre a implantação do Sistema Público de Saúde e a Reforma Agrária no Brasil. Além do fato de ambos pertencerem ao imaginário reformista dos políticos, dirigentes do setor público e   dos cientistas e ativistas sociais brasileiros. Os quais emprestam apoio incondicional às políticas de inclusão social e econômica, que ocupam posições prioritárias em todas as listas de reformas necessárias para “alavancar o nosso desenvolvimento”. Por que, então, a permanente impressão de emperramento na evolução natural  das políticas de Saúde e Reforma Agrária?
1. Reforma Agrária ganhou relevância e prioridade a partir do final da década de 1950, quando a emergência das Ligas Camponesas no Nordeste do país colocou em foco a  situação fundiária da região canavieira, geradora de inaceitáveis desigualdades e injustiça social. A partir dessa época a necessidade urgente de reformas estruturais no campo tornou-se um  dos temas mais relevantes da pauta das chamadas Reformas de Base, resultando em  polêmicas político-ideológicas, por tocar num item sagrado,  o direito à propriedade da terra.
Nesse embate ideológico a Reforma Agrária tornou-se “questão de consciência”, de acordo com o livro de um bispo católico conservador; a “consciência da questão” quando abordada pela visão mais progressista; reforma a ser feita “na lei ou na marra” pela ousadia retórica das Ligas Camponesas. Com a instalação dos governos autoritários do período militar , na vigência da Guerra Fria, entrou em vigor o Estatuto da Terra, o reconhecimento explícito da urgência e da prioridade da questão fundiária no Brasil. A partir desse período a Reforma Agrária ganhou status  de unanimidade entre os problemas nacionais. Ninguém mais seria contra a sua implantação. Que, entretanto, nunca se concretizava. Até que no período da Redemocratização surgiu o Movimento dos Sem Terra, o MST, para cobrar do Governo mudanças efetivas na estrutura agrária do país. O MST continua ativo até os dias de hoje. E, parece, ainda terá muito trabalho pelos próximos anos.
Até  hoje, a Reforma Agrária persiste como um dos itens sagrados de apoio dos brasileiros. Nenhum político ou cidadão culto e inteligente ousaria ser contra a reforma no campo. Com um detalhe: é um processo lento, emperrado . Avança a passos lentos. Quando não mostra sinais de estagnação.  Gerando impaciências. Por vezes, inconformismo.
2. Em relação à questão da Saúde, o Brasil já foi considerado um “imenso hospital” no início do século passado. Eram os primórdios do Movimento Sanitarista, posteriormente assumido por integrantes da Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ , com a adesão de  segmentos ativistas das lutas  sociais e  outras entidades representativas do Movimento. Entre outras organizações do setor, o CEBES e a  ABRASCO – lograram nos anos 80 , inserir  a Saúde na Constituição Brasileira como direito de cidadania e dever do Estado. O que daria origem ao Sistema Único de Saúde/SUS, síntese de um processo evolutivo que passou pelas Ações Integradas de  Saúde/AIS, Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde/SUDS. O SUS representou o coroamento de uma luta política travada de forma  brilhante e incansável pelo Movimento Sanitarista. Tal como a Reforma Agrária, o SUS foi incorporado pelo imaginário político brasileiro como algo intocável e merecedor de apoio permanente. Incondicional.
E, no entanto, decorridos cerca de um quarto de século da vigência do SUS ,a assistência  individual à saúde do povo brasileiro não mostra os mesmos avanços obtidos na área da saúde coletiva.   Indicadores sensíveis evidenciam avanços inquestionáveis, resultantes da incorporação de novas  tecnologias e do controle de variáveis dos determinantes sociais da saúde.  A mortalidade infantil foi reduzida. Cresceu a expectativa de vida. A cobertura vacinal atingiu 100% das crianças de todas as classes sociais. A Malária, a Poliomielite, a Varíola, a Doença de Chagas, a Esquistossomose e outras doenças transmissíveis foram controladas ou reduzidas. O Brasil entra no século 21 tendo completado o ciclo da transição  demográfica e epidemiológica, adquirindo nestas áreas o mesmo perfil dos países desenvolvidos.
Resta o desafio permanente do acesso de amplos segmentos populacionais aos serviços assistenciais eficientes e resolutivos. Incorporando todos os avanços tecnológicos e científicos da Medicina moderna e atendendo às melhores evidências disponíveis nas áreas de diagnóstico e tratamento.
3. A que atribuir o retardo injustificável na implantação efetiva do Sistema Único de Saúde?  Apoiado por amplos segmentos da sociedade e do mundo político brasileiro?  Inserido na Constituição  como direito de cidadania?
Os conservadores apontam geralmente problemas de “gestão” no SUS. Os progressistas retrucam com o “sub financiamento” do sistema. Causas mais profundas, no entanto, podem estar envolvidas, compondo um vasto elenco de dificuldades – reais e criadas -  de resto inerentes à evolução das políticas públicas no país. Fruto, talvez, do jogo ambíguo e cheio de idas e vindas das elites dirigentes brasileiras.
Essas elites, através do seu poder financeiro,   conseguem deter  o controle do Legislativo, se apropriando, portanto, da “máquina de fazer leis”(Dowbor,L. 2013).  Adaptando  o aparato legal aos seus interesses,  e assim, criando uma espécie de “ditadura republicana”. Em consequência, o sistema de arrecadação de tributos e as normas que regulam os gastos públicos vão gradativamente tornando-se obstáculos à plena execução das políticas sociais. Esses, talvez,  os dois grandes gargalos externos do Sistema Único de Saúde.
No próximo artigo,  pretendemos tratar desse tema de forma mais detalhada.

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