A “CARRANCA” DA
IGREJA
PE.
JOÃO MEDEIROS FILHO
(pe.medeiros@hotmail.com)
Um jornalista de Mato Grosso do Sul referindo-se ao Papa
Francisco, assim se expressou: “Ele
cativa com facilidade, o que vai ser muito bom para a Igreja, que precisa
amenizar a sua carranca e guardar a solenidade para dentro dos templos!”.
A
carranca – de onde provém o termo carrancudo – é uma escultura com forma humana
ou animal, feita de madeira e utilizada a princípio na proa das embarcações que
navegam pelo rio São Francisco. Em certo
momento, a população ribeirinha passou a atribuir-lhe características místicas
de afugentar maus espíritos. Reveste-se igualmente de um significado importante
para as embarcações: ajuda-as a não afundarem, livra-as das tempestades e
atraem peixes.
Chamou nossa atenção a expressão
“carranca” para a Igreja. Certamente, como tantos outros cristãos, o
articulista sentiu-se tocado por Deus, que irrompe nos ambientes onde Francisco
aparece. Se a “carranca” da Igreja corresponde à realidade, devemos reconhecer
que estávamos realmente precisando de um papa que nos lembrasse de uma das
principais razões que levou João XXIII a pensar no Concílio Vaticano II, como
ele mesmo explicou na sua abertura, em 11 de outubro de 1962: “A Igreja Católica quer ser mãe amorosa de
todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade com os filhos que
dela se separaram”. Ou seja, pregou a teologia da ternura, quis mostrar o
rosto materno da Igreja, sacramento temporal de Cristo Jesus.
Quando éramos criança – antes do Concílio – a “linha dura”
prevalecia em toda a parte, inclusive nos seminários onde se preparavam os
sacerdotes. Formavam-nos sob uma disciplina férrea, e acabávamos por adotar um
estilo carrancudo: cara fechada, austera, sisuda, de poucas palavras e raros
sorrisos. Enérgicos e autoritários, mais do que amados, éramos temidos e
mantidos à distância. Contudo, pela solidez dos princípios morais e espirituais
de tantos, pelo seu despojamento e dedicação ao Povo de Deus, muitos
contribuíram para o desenvolvimento das comunidades e a paz dos irmãos. Mas,
não podemos negar, também contribuíram para a “carranca” da Igreja!
O Vaticano II terminou no dia 8 de dezembro de 1965 e,
poucos anos depois, iniciava-se uma revolução cultural na humanidade. Eclodiram
revoltas populares exigindo democracia, mais liberdade e justiça. Na França,
por exemplo, a juventude deu o grito de largada, que se alastrou por inúmeros
países. Na África, o processo de descolonização caminhou a passos gigantes. Na
América Latina, nasceram as Comunidades Eclesiais de Base e a Teologia da
Libertação. Em contato direto com o sofrimento do povo, não poucos padres e
religiosos optaram por ideologias, pois lhes pareciam mais eficazes do que a
doçura, a caridade e a força do Evangelho, na solução dos problemas sociais.
Infelizmente, o radicalismo iracundo de alguns clérigos também colaborou para a
“carranca” da Igreja.
Depois de séculos em que privilegiamos a salvação da alma,
surgiu um período em que a Igreja parecia transformar-se numa “piedosa
ONG” – como disse o Papa Francisco aos cardeais, no dia 14 de março –
destinada a resolver os problemas do povo. Graças a Deus, voltamos a
redescobrir a proposta do Evangelho, fundamentada na fé e na caridade, resumida
nas palavras do apóstolo Tiago: “Se um
irmão não tem o que vestir ou comer, e você lhe diz: “Vá em paz, se aqueça e
coma bastante”, sem lhe dar o necessário, de que adianta isso? Sem obras, a fé
está morta!” (Tg 2,15-17).
O cronista pantaneiro afirma também que devemos reservar a
“solenidade para dentro dos templos”. De nossa parte, pensamos que também ali
devemos ser simples e fraternos, apesar de solenes. Mas, não raro, trocamos o
solene e o sagrado, o litúrgico e o hierático, a beleza, a poesia e a força da
Palavra de Deus, pelo espetáculo, dando a impressão de que o altar é um placo e
o celebrante, um artista.
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