O AMIGO PEDRO VICENTE.
GILENO GUANABARA
Só o tempo e a idade nos fazem
aproximar mais das amizades que cultivamos pela vida. Simpatias ou
idiossincrasias são partes do nosso mundo. Florescem através da convivência,
ainda que por sobre menores diferenças ou vacilações que - se soubéssemos como
evitá-las - não deveriam ocorrer. A vitalidade ou a cura, num caso e no outro,
vem por vias que a idade nos inocula mais facilmente. Sofremos, mas, no fundo,
a nobilíssima razão prevalece, nos aconchega ou redime, nunca será tarde demais.
Aos amigos devemos o amparo da
formação que temos e do que pensamos. Somos todos diferenciados na
quantificação da fórmula indelével que nos marca. Vez por outra uma sentença
nos submete. Resta-nos a humildade em superá-la e resignadamente seguir em frente.
Há pouco visitei o companheiro Pedro
Vicente no leito de um hospital. Seu nome de guerra: “Pedro Virgolino”. Nome advindo
de Macau, via Recife, para Natal, a fim de fugir das perseguições políticas. O
primeiro endereço, a Praça das Cocadas, no Grande Ponto, ano de 1964. O tempo,
porém, era de desconfianças, de repressão e medo.
Os jovens tinham-se organizado no que
chamavam de “pecebezinho”. Era uma célula jovem do Partido Comunista Brasileiro
de que participavam Heber, Franklim, Raulino, Dagmar, Kleiber Calife, dentre
outros, com militância no Atheneu. Baixavam e conviviam na Praça das Cocadas
com secundaristas, ateus, livre-atiradores, simpatizantes afins e religiosos
praticantes. O incentivo era dado por Luiz Maranhão que se destacava no debate político
das teses e organização do partido. O movimento sindical surfava na liberdade da
política nacional. A politização da educação chegara à erradicação do
analfabetismo, na administração de Djalma Maranhão e de Aluísio Alves. O golpe
de abril de 1964 estancara o debate que se estabelecia, com a chegada de João
Goulart à Presidência da República.
Sucediam-se as reuniões clandestinas
nas praias do Meio, Ponta Negra e Redinha. Outros militantes foram-se agregando:
Hermano; o autor dessas notas; Pedro Vicente, Juliano, Gersino, Emanoel Bezerra
e outros. Vulpiano Cavalcanti a todos acolhia, dava assistência e aconselhava,
inclusive por sua condição de médico.
Pedro Vicente submeteu-se a curso
supletivo. Aprovado em vestibular frequentou o Curso de Sociologia e Política
da Fundação José Augusto. Foi enviado pelo partido para curso de formação
política na ex-União Soviética.
De regresso, fez mestrado na USP, em
Ciências Sociais. Nomeado diretor da gráfica da Fundação José Augusto, foi indiciado
pela Polícia Federal, incurso na Lei de Segurança Nacional. Transferiu-se para
Rio Branco, no Acre, onde Integrou a universidade, na condição de professor. Exerceu
uma das diretorias do Serviço Social do Comércio-SESC. Retornou para Natal. Exerceu
o cargo de professor do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal. Foi
Diretor da Gráfica Universitária e exerceu cargos nos colegiados da
Universidade Federal. No Acre, Pedro tomou gosto pelo estudo da culinária
amazônica. Publicou livros sobre as relações de trabalho na Amazônia.
Encontramo-nos em Rio Branco, no ano de 1973. Visitamos as longínquas cidades de Xapuri,
Brasiléia e Rio Branco. Falava dos problemas com a invasão dos “Paulistas”, que
se titulavam proprietários das matas, os “varadouros” dos seringalistas. Apoiou
a arte plástica do acreano Hélio Melo, retrato dos temas com tintas da
floresta. A notícia do “Santo daime”, alucinógeno dos indígenas.
De outra vez, caminhamos nas ruas de
São Paulo. Revisitamos o monumento do Ipiranga; os sítios históricos e suas recordações
da época imperial do Brasil. Sobre eles, Pedro tinha fatos e acontecências
inusitadas. Visitamos a Casa da Marquesa de Santos, o Convento de Anchieta, o
bairro do Bexiga, reduto histórico dos italianos, as cantinas e sua gastronomia;
a Praça da República.
Estivemos na cidade do Recife. Palmilhamos
Olinda, seus casarios, conventos e restaurantes. Ao longe a “Cruz do Patrão”,
com o mar batendo na resistência das pedras. Vimos a Praça do Diário; igrejas
imemoriais, as pontes sobre o Rio Beberibe e Rio Capibaribe. Lembrávamos o
cheiro dos cajueiros em flor, como dizia o poeta Joaquim Cardozo. O imponente
Palácio do Governo e o Teatro Santa Isabel; os bairros de Afogados, Tejipió e Boa
Vista; as ruas do Imperador e a da Imperatriz; o Recife Velho do Cais do Porto cercado
pelos arrecifes. Por fim, a visita à casa/fundação de Gilberto Freire, no
Bairro de Casa Amarela, em Apipucos.
De outra, percorremos as ruas de João
Pessoa: Visitamos a Matriz de São Francisco; a praia de Tambaú e o Ponto Cem Réis,
sempre a mesma saga por livros usados. Visitamos a casa do poeta Ascendino
Leite. Em Salvador-BA, debatemos com o cineasta Gerardo Sarno o documentário
sobre a vida de Cascudo.
Ao ver Pedro alquebrado pela doença retomo a gratidão de lembranças
felizes. Certa noite, sentados diante a praia de Ponta Negra, em voz alta recitamos
poemas de Rilke. Presente o poeta Alberto Cunha Melo dialogava loucamente com o
mar. Alegria e amizade plena que teimamos por guardar.
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Este artigo foi publicado com Pedro Vicente ainda vivo.
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