COTOVELADAS
Públio José – jornalista
Quem acompanha futebol talvez não tenha percebido. Mas ocorre hoje
dentro de campo um festival de cotoveladas digno de lutador de vale
tudo. Em quase todas as partidas, principalmente as exibidas pela
televisão, o torcedor presencia, de vez em quando, com apreensão e
constrangimento, um atleta sendo atendido à beira do gramado, sangrando,
vítima de traiçoeira cotovelada. De repente, lá está um jogador com uma
bandagem lhe tomando boa parte do rosto, ou da cabeça, mostrando à
torcida, com tal adereço, o absurdo da agressão. Interessante se notar
que essas ocorrências têm vida recente. Não se tinha notícia de tantos
casos assim antigamente. Até parece que os jogadores estão sendo
treinados e orientados para a prática desse tipo de agressão. A
cotovelada se dá, normalmente, na disputa de bola pelo alto. Um dos
jogadores se aproveita do elemento surpresa e acerta o adversário.
Sempre na testa, no nariz, no alta da cabeça... E aí cabe a pergunta:
essa agressão – covarde, gratuita, matreira, antiesportiva, antiética,
desleal, inoportuna – traz algum benefício à equipe do agressor? Por
acaso, a cotovelada garantirá a vitória ao time cujo atleta pratica
essas coisas? Ganhará o esporte em termos de beleza plástica, de emoção,
de resultados práticos com esse tipo de atitude? Observe-se que, apesar
dos aspectos negativos desse costume, os jogadores continuam se
aproveitando de certos momentos da partida para acertar o adversário com
a mais “proveitosa” das cotoveladas. Entretanto, passando do plano
esportivo para o cenário geral da vida, também cabe a pergunta: e as
cotoveladas acontecem somente no campo esportivo ou invadem outras áreas
do convívio humano? Hum... E agora? As tais cotoveladas fazem sangrar
somente o adversário esportivo ou derramam sangue em outras paragens?
Na verdade, o que faz um agente público que desvia o leite e a merenda
das escolas, como forma de engordar seu patrimônio, senão desfechar uma
violenta cotovelada nas pobres e indefesas crianças? E os altos
executivos que compram equipamentos e contratam obras superfaturadas? Da
mesma maneira, não estão acertando dolorosas cotoveladas no cidadão que
paga seus impostos esperando ter de volta as soluções para suas
demandas diárias? E os políticos que prometem mundos e fundos, além de
se colocarem como guardiães da ética, da moral, dos boas práticas
administrativas em períodos eleitorais – e que, ao serem eleitos, se
lambuzam com todo tipo de falcatrua, de roubalheira, de atos de
corrupção? Não são tais atos verdadeiras cotoveladas no pau da venta do
pobre e indefeso eleitor? E o pai que mente à esposa, aos filhos, para
levar vantagem também não está procedendo da mesma maneira?
E o funcionário público que aceita suborno no exercício da profissão?
Também não está dando cotoveladas na ética, no código de conduta que lhe
veda tal procedimento? E quem suborna o guarda de trânsito em troca de
se ver livre de uma multa também não está, de certo modo, distribuindo
suas cotoveladas? Na verdade, o que se observa em campo é a extensão de
práticas que acontecem o tempo inteiro nas mais diversas situações e
circunstâncias vida afora. Não é o jogador, não é o funcionário, não é o
político, não é o gestor estatal simplesmente que distribui cotoveladas
a torto e à direita. É o ser humano. Sim, ele mesmo. Com sua
agressividade, sua animalidade inata. Enfim, as cotoveladas nos campos
de futebol - e que têm chocado muita gente dita educada, civilizada – é
o retrato por inteiro do ser humano. Simples assim. Por sinal, quando
você vai desferir sua próxima cotovelada?
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