quarta-feira, 16 de abril de 2014

4

1964 -  A DEMOCRACIA  ESPEROU 21 ANOS  (4)  
Geniberto Paiva Campos -  Brasília  - Fevereiro / 2014 

III)                OS MILITARES NO PODER  -  O PODER DOS MILITARES

1)      A eleição de Getúlio Vargas pelo voto direto em 1950 acendeu as luzes de alerta do grupo conservador civil/militar.  
      Eleição contestada por ilegítima, desde que o ex-ditador não havia atingido a maioria absoluta dos votos. A partir da sua posse a vida política e institucional do país entrou numa fase de instabilidade e turbulências que se prolongaria por mais de uma década. 
   O segundo governo Getúlio teve a marca da crise permanente, pelo total inconformismo das elites brasileiras com as mudanças propostas nas áreas trabalhista (leia-se política salarial), da remessa de lucros ao exterior e de medidas desenvolvimentistas de cunho “nacionalista” (criação da Petrobras,  pelo seu simbolismo estratégico, por exemplo), verdadeiro anátema para os conservadores. Tais medidas, aplicadas no pós-guerra e em plena vigência da Guerra Fria, além de inicialmente, causarem estranheza e grande desconforto ideológico num mundo bipolar, passou a levantar suspeitas quanto às reais intenções  do governo central. Numa visão simplista e maniqueísta do processo político, enxergavam-se posicionamentos ideológicos incompatíveis com o “mundo ocidental e cristão”, ou o lado de cá da “cortina de ferro”.

2)      Teve início, então, o período no qual os militares passaram a assumir um papel direto, e decisivo, no processo administrativo do país, com o precioso apoio o dos jornais diários e do rádio, meios de comunicação hegemônicos àquela época, e de grupos políticos conservadores, capitaneados pela  União Democrática Nacional/UDN, liderada por Carlos Lacerda. Político de trajetória polêmica, originalmente ligado a organizações marxistas, convertido ao golpismo político, desde que considerava tarefa impossível chegar ao poder através do voto, talvez  intuindo que o discurso conservador não atingia os trabalhadores urbanos.  
    O Brasil passou então a experimentar as manipulações midiáticas, com o objetivo oculto de criar um falso clima de caos e insegurança político-institucional. 
      Preparando  o caminho para intervenções de força, sempre com o pretexto altruísta de restaurar a ordem, caminho para o progresso e a competência na esfera administrativa. Estavam aplainadas as trilhas para a tomada do poder, quebrando-se novamente a ordem constitucional e pondo em recesso os direitos e as liberdades democráticas, em nome da Democracia.

3)      O processo de intervenção militar direta na esfera administrativa tem início com o inconformismo da caserna com a política salarial vigente. Os militares consideravam o Salário Mínimo do governo Getúlio excessivamente elevado e declararam sua insatisfação através de um pronunciamento, conhecido historicamente como Manifesto dos Coronéis,  de 1952, no qual exigiam, além da revisão dos parâmetros da politica salarial, a demissão de João Goulart, então ministro do trabalho do governo.  
    Atendida esta exigência, as pressões se tornaram ainda mais intensas. A situação chegaria a um ponto crítico, após o atentado ao deputado Carlos Lacerda, no qual perdeu a vida o major da Aeronáutica Rubens Vaz. Foi instalada comissão de inquérito, que passaria à História com o nome de “República do Galeão”. 
     As investigações chegaram até o Palácio do Catete, revelando  o envolvimento de elementos da guarda pessoal de Getúlio no episódio. A crise converge para uma solução, a renúncia do presidente. Mas Getúlio, coerente com a sua afirmação que somente morto sairia do Catete, comete suicídio em 24 de agosto de 1954, causando grande comoção popular e mergulhando o Brasil numa grave crise institucional. Assume o governo o seu vice, João Café Filho, político potiguar, cujo início de carreira foi ligado aos movimentos sindicais. Esta solução propicia a sequência de dois golpes políticos, sob a liderança do gal. Lott, com a deposição do vice Café  Filho e do presidente da Câmara Federal, deputado Carlos Luz. Assume a presidência da república o  senador Nereu Ramos, que tem a tarefa de presidir a transição política, com a eleição do novo presidente da nação.

4)       É eleito o candidato da coligação PSD/PTB, Juscelino Kubistchek, tendo como vice João Goulart. JK, enfrenta dificuldades para assumir o governo, com algumas tentativas de golpe, sob os mais variados pretextos. Mas faz uma administração voltada para a paz política e o desenvolvimento – “50 anos em 5” – governando em relativa tranquilidade, e gerando novas e positivas expectativas no povo brasileiro. 
      JK, no entanto, não consegue fazer o seu sucessor. A estratégica e decisiva década de 1960 se inicia com a espetacular vitória de Jânio Quadros sobre o marechal Teixeira Lott, oficial legalista que havia garantido a continuidade do processo democrático, na  traumática transição do governo Getúlio Vargas/JK. Jânio Quadros era ligado a pequenos partidos políticos, mas contou com  o hesitante apoio da UDN, a qual indicou o seu companheiro de chapa. 
     Como seu vice foi eleito, no entanto, João Goulart, com significativa votação, vencendo o respeitado líder udenista mineiro Milton Campos. A sequência dos acontecimentos políticos, iria trazer os militares, desta vez de forma definitiva, para a cena política. 
      A surpreendente e mal explicada renúncia de Jânio Quadros ao cargo de presidente da república, poucos meses após sua posse, deflagra uma nova crise política, com o veto dos ministros militares à posse de João Goulart, na ocasião em viagem oficial pela China comunista.  
      A restrição à posse de Goulart  na presidência resulta numa crise sem precedentes. O Congresso, por pressão dos ministros militares, e numa solução de arranjo político, resolve adotar o sistema parlamentarista, o que permitiu a posse de Goulart como presidente da república, para concluir o mandato iniciado por Jânio Quadros. 
      De se destacar nesta crise o posicionamento do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Goulart, que através da “Cadeia da Legalidade”, eficiente sistema de comunicação radiofônica, mobilizou o país no apoio à posse do vice presidente João Goulart. Brizola contou também com decisivo posicionamento legalista do III Exército, sob o comando do gal. Machado Lopes.

5)      Da mesma forma como ocorreu no segundo governo Vargas, o período Goulart, inicialmente no regime parlamentarista e depois presidencialista, este obtido através de plebiscito, também foi  marcado por forte instabilidade e turbulência políticas. A conspiração nos quartéis e entre representantes da elite da sociedade civil, empresários, funcionários do alto escalão do governo, políticos de oposição e os donos de veículos de comunicação, visando a derrubada do governo Goulart, foi tomando contornos bem definidos. Era uma questão de tempo. 
     O golpe institucional amadurecia. A recente opção cubana pelo comunismo funcionava como um alerta – e um pretexto - para os governos latino americanos e, sobretudo para Washington. O governo Kennedy, após enfrentar,  em 1962, a crise dos mísseis soviéticos estacionados em Cuba, passou a ver a situação  do Brasil como uma clara ameaça à estabilidade da região. “Para onde for o Brasil, o resto da América Latina também irá”, asseguravam os estrategistas norte americanos. Foram criados programas de auxílio ao Brasil, prioritariamente para a região Nordeste – “um barril de pólvora prestes a explodir” - sendo os mais destacados os denominados “Alimentos para a Paz” e a “Aliança para o Progresso”.
     Integrantes do ”Corpo da Paz” (Peace Corps), em elevado número, se fixaram na região, particularmente no Recife, exercendo atividades formais  junto às comunidades carentes, mas participando das articulações conspiratórias, assumidas, de forma menos disfarçada, ou mais escancarada, pela Embaixada Americana . Cujo embaixador, Lincoln Gordon tinha total desenvoltura em suas articulações políticas com a oposição ao governo Goulart. Este, enfrentava enormes dificuldades na área econômica – inflação, elevada, baixo perfil de crescimento, desequilíbrio da balança comercial e de pagamentos e até desabastecimento de gêneros de primeira necessidade. 
    Também no plano político, com o insucesso do “Plano Trienal” do governo e as dificuldades na implantação efetiva das “Reformas de Base”, a principal bandeira de ação política do novo período presidencial. A crise assumia contornos permanentes e logo chegou aos quartéis, com a sublevação de sargentos e praças, ferindo gravemente a disciplina militar. 
      A realização do “Comício da Central”  e a “Reunião do Automóvel Clube” no Rio de Janeiro e a “Marcha da Família” em São Paulo funcionaram como o gatilho que disparou a intervenção militar que partiu de Minas Gerais, sob a chefia do gal. Mourão Filho. O levante militar, assumindo de fato o poder institucional, foi imediatamente reconhecido pelo governo norte americano. O qual, por recomendação do embaixador Gordon, havia enviado vasos de guerra integrantes da  poderosa frota naval norte americana para dar apoio aos insurretos, conhecida como “Operação Brother Sam”. 
      Não houve resistência efetiva, civil ou militar. Não se disparou um tiro sequer. Segundo expressões da época, o movimento militar “arrombou uma porta escancarada”(5). Em algumas  horas estava consolidado o golpe institucional. O Brasil entraria numa fase de autoritarismo por duas longas décadas. Presidentes da República, generais de quatro estrelas do Exército Brasileiro, assumiram, sucessivamente, o comando efetivo do país, eleitos, indiretamente pelo Congresso Nacional.





Nenhum comentário:

Postar um comentário