quarta-feira, 3 de julho de 2013

COMBATE ÀS TREVAS - VI - A QUESTÃO DAS DROGAS - POR EDUARDO GOSSON E LEANDRO SAKAMOTO.








 Projeto de lei 7.663.


 Autor: Deputado Osmar Terra (PMDB-RS)

 Dando continuidade ao debate que venho 
travando com diversos interlocutores qualificados,
 hoje apresento/comento o projeto de lei 7.663 do 
deputado Osmar Terra (PMDB_RS) que qualifico
 de LINHA DURA – REPRESSÃO TOTAL que 
conta com o meu integral apoio. 
A humanidade só respeita 
a linguagem da dureza: “Está para ser votado
 na Câmara dos Deputados o projeto de lei 7663, 
de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS),
 considerado por muitos especialistas em 
psicoativos como um tremendo retrocesso. 
Punição aos usuários, reforço do modelo 
manicomial de segregação e desrespeito aos 
direitos humanos, implantação do denuncismo
 vazio em escolas por suspeita de uso de drogas,
 aumento de penas sem um debate mais amplo. 
(Grifos nossos) Segue, assim, o padrão das
 políticas públicas brasileiras: aumentar 
a punição ao invés de instituir o debate 
e meios de prevenção. Mauricio Fiore, 
antropólogo, pesquisador do Centro 
Brasileiro de Análise e Planejamento 
(Cebrap) e do Núcleo de Estudos 
Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), 
é autor de diversos trabalhos sobre uso 
de substâncias psicoativas e um dos
 maiores especialistas brasileiros no tema. 
Pedi a ele um texto para o blog sobre o 
polêmico projeto: O debate sobre política de 
drogas teve um avanço significativo nos 
últimos anos. Em todo o mundo, a “guerra 
às drogas”, uma das piores heranças do 
século 20, está sendo questionada num
 debate que cada vez mais se distancia de 
dogmas e se aproxima do conhecimento 
científico e do paradigma da garantia dos 
direitos humanos. As mudanças políticas, 
como esperado, seguem um ritmo mais 
lento, mas, no Brasil, esse descompasso
 é dramático. Quem acompanha o tema mais 
de perto não tinha expectativas sobre 
debates profundos que viessem do nosso 
Legislativo. Eis que, instigados ainda pela 
visão bélica do “combate às drogas”, 
parlamentares constituíram uma Comissão
 Especial, a CEDROGA, que durante os anos 
de 2011 e 12, agrupou os projetos de lei 
existentes no PL 7663, de autoria do 
deputado Osmar Terra- PMDB/RS.
(Grifos nosso) Enfim, de onde não se 
esperava muitos avanços, veio a 
ameaça de um retrocesso. Sem um 
debate qualificado, o projeto avançou 
rápido e está para ser votado em regime 
de urgência no plenário da Câmara dos 
Deputados. Seus autores não se mostraram 
abertos ao contraponto, o que se 
exemplificou na reação do seu relator, 
o deputado Gilvaldo Carimbão 
(PSB-AL), às críticas do Conselho 
Federal de Psicologia: “O Conselho 
Federal de Psicologia é um assassino 
de dependentes de drogas”. O texto 
da lei é longo e confuso, com muitas 
imprecisões conceituais e ambiguidades
 que certamente serão alvo de batalhas 
judiciais. Vou me deter apenas em dois 
pontos do projeto que considero 
muito delicados. 1) Reforço do modelo 
manicomial O projeto pretende criar um 
“Sistema Nacional de Política de Drogas” 
que seria responsável por controlar 
todas as políticas do tema nas diversas
 esferas do Estado. Ele ignora que os aspectos
 relacionados à saúde pública devem estar 
em consonância com os marcos do Sistema 
Único de Saúde (SUS) e, portanto, de sua
 Política de Atenção à Saúde Mental. Ao 
legislar sobre internação de usuários e 
dependentes de drogas – essa confusão 
aparece o tempo todo no projeto – 
o PL 7663 retira os transtornos mentais 
associados às substâncias psicoativas da 
Lei 10216/2001, criando uma duplicidade 
desnecessária, mas cujo objetivo 
é colocar ênfase na aceleração das 
internações como modelo de tratamento. 
Ele também torna muito mais rápido 
o processo de internação à força, 
último e emergencial recurso na
 assistência aos dependentes. 
Além de ignorar o necessário 
aperfeiçoamento da rede de atenção 
psicossocial, o projeto tem como 
pressuposto que o poder público e o 
SUS não conseguirão
 responder à demanda por internações, 
abrindo a possibilidade de financiamento 
para clínicas e comunidades terapêuticas 
privadas. A diversidade dessas instituições 
é grande, sendo perigosa a generalização. 
O importante é que não há pesquisa ou 
literatura sobre a eficácia de seus 
tratamentos e há muitos indícios que 
elas reproduzam o trágico modelo 
manicomial de segregação e desrespeito
 aos direitos humanos. Ao eleger a internação
 como centro da política pública para 
atendimento aos dependentes, a 
proposta parte de pressupostos 
questionáveis, como estabelecer 
um período máximo de 180 dias nessas
 instituições. Qual a justificativa desse 
número? Embora o projeto dedique muita 
atenção às exigências de controle e verificação 
dessas instituições, não há um parâmetro claro
 sobre com essa eficácia será medida e avaliada. 
Num detalhe: o projeto revela seu objetivo 
de acelerar a internação coletiva à força 
que temos assistido no Rio de Janeiro 
e em outras cidades. Prevê que um 
“servidor público” pode, na ausência da 
família, requerer a internação, que deve 
ser respaldada por um médico. Abra-se
 o caminho, assim, para o contraditório 
“acolhimento compulsório” de moradores 
de rua e para a perversa associação 
entre assistência social e higienismo urbano.
 2) Recrudescimento da criminalização e do 
encarceramento O tráfico de drogas é o 
segundo maior encarcerador no Brasil e, 
como o ritmo de prisão por esse crime 
cresce mais que os outros, ele deve ocupar, 
em breve, o primeiro posto (que já detém
 no caso das mulheres). Pesquisas 
demonstram que a maior parte dos 
detidos por tráfico foram flagrados com 
pouca quantidade de drogas e sem arma 
de fogo, são jovens, pobres e respondem 
presos ao processo (decisão já condenada 
no STF, mas comumente ignorada nos 
tribunais estaduais). Hoje, a lei já prevê 
uma pena dura - mínimo de 5 e máximo 
de 15 anos -próxima, portanto, daquelas 
previstas para estupro e homicídio. 
Encarcerados num sistema prisional 
“medieval” - palavras do Ministro 
da Justiça - as dificuldades de inserção 
desses jovens no mercado de trabalho 
se multiplicam. O PL 7.663 parte do 
princípio que esse encarceramento 
é insuficiente. Aumenta a pena mínima 
para tráfico de drogas para 8 anos e eleva 
as penas mínimas para todos os crimes 
relacionados ao tráfico, como, por 
exemplo, o de informante. No caso de um 
jovem flagrado soltando rojão 
para alertar “traficantes” sobre a
 presença  da polícia, prática 
punida hoje  com pelo menos dois 
anos de prisão, terá pena mínima de 6 anos, 
equivalente à do estupro.(Grifos nossos) 
Ainda há mais: a pena para tráfico pode ser 
aumentada em dois terços caso envolva 
“mistura de drogas” que potencializem o
 risco de  dependência, atingindo 25 anos.
(Grifos nossos) Nesse caso, essa 
conceituação sem nenhum critério científico 
tem como alvo claro o crack, apostando
 na ideia de que se deve combate a 
todo custo uma“epidemia” até hoje não 
demonstrada objetivamente. 
Os EUA passaram a punir mais 
rigorosamente  o tráfico de crack nos 
anos 1980 e o  resultado foi uma enorme
 contribuição 
para que se tornasse o maior encarcerador
 mundial, com super-representação de
 pobres e de minorias étnicas. Essa 
política vem sendo paulatinamente 
abandonada por lá, mas ressurge como 
“solução” por aqui. O projeto ignora a
 diferenciação mais clara entre o uso e o
 tráfico de drogas e dá tratamento 
semelhante a qualquer tráfico, inclusive 
o pequeno e não violento, um dos
 maiores equívocos da lei atual. Reforça, 
ainda, algumas das sanções previstas
 para os penalizados por uso, dobrando 
o tempo de suas sanções, além de 
acrescentar outras, como a “restrição de
 direitos relativos à frequência a 
determinados lugares ou imposição
 ao cumprimento de horários”. 
Caso aprovada, a lei levará a mais 
encarceramento cego por um crime não
 violento e continuará fracassando no seu 
pretenso objetivo, que é a diminuição de 
oferta e  da demanda de drogas ilícitas. 
Muitos outros pontos poderiam ser 
questionados no PL 7.663, como o artigo 
que obriga as  escolas a notificar 
compulsoriamente
 “suspeitas” de uso de drogas.
(grifos nossos) 
Todas elas apontam para a falta de um 
debate profundo e democrático na 
construção do projeto e para a
 aplicação da lógica de guerra às drogas 
na elaboração de leis e políticas públicas,
 cada vez mais percebidas
 internacionalmente como injustas 
e fracassadas. Parece desalentador 
ter de lutar para que não haja retrocesso, 
enquanto poderíamos discutir avanços. 
Mas esse pode ser um momento no 
qual a participação e o engajamento 
nesse debate contaminem a ação dos
 parlamentares e dos seus partidos, 
presos no discurso moral e inócuo 
do “combate às drogas”. 
 (24.03.2013)

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