segunda-feira, 1 de julho de 2013

Edição 63 - Abril/Maio/Junho de 2013



CRÔNICA (págs.12 a 13)

Tufik Bauab*

Feto e Painho

Waldir Maymone, que Deus o tenha, nasceu em Campo Grande, de onde saiu para cursar Medicina em Salvador e exercer a Radiologia no Rio de Janeiro. Como médico, era impoluto, brilhante, dedicado. Era chamado de “O Mestre dos Mestres da Radiologia”.

Mas como pessoa era ainda mais interessante. Tinha um grupo de amigos que se reunia, semanalmente, para jogar conversa fora, abreviadamente conhecido como o “Grupo do Passo” e, por extenso, conhecido como o “Grupo a um Passo da Eternidade”, devido à idade avançada dos seus participantes.

Uma das histórias mais interessantes, que repasso como me foi contada, começa na Faculdade de Medicina da Bahia, onde Maymone era quartanista, e apareceu um calouro candidatando-se a morar na república (explico: moradia coletiva de estudantes de Medicina). Consta que o tal calouro era esteticamente prejudicado (ou seja, era feio pra burro, mas estou sendo politicamente correto). De tal maneira era feioso que foi apelidado de Feto, porque teria nascido incompletamente formado. Entre outras qualidades, o quartanista Maymone era generoso, e “adotou” o Feto, passando a orientá-lo através dos meandros bicentenários da Federal da Bahia. O calouro se afeiçou ao orientador, a quem passou a chamar de Painho.

Painho e Feto tornaram-se grandes amigos, até que o final do curso e a vida se encarregaram de os separar, e cada um seguiu seu caminho.

Waldir Maymone foi para o Rio de Janeiro, destinado a se tornar um dos grandes radiologistas deste País.

E Lavoisier Maia, o Feto, voltou para o Rio Grande do Norte, onde começou como médico, enveredou pela política e terminou sendo o governador do Estado, época em que Waldir Maymone foi fazer suas conferências num congresso de Radiologia, em Natal. Terminadas as palestras, veio o jantar dos radiologistas e, junto com alguns amigos, Maymone tocou adiante: conversa, chopinho e cachacinha da terra.

Três da manhã a nostalgia invadiu Maymone, que a pé mesmo se dirigiu ao Palácio do Governo, que, à época do pré-terrorismo e do PCC, tinha acesso bastante livre.

Waldir postou-se defronte ao Palácio e, da calçada, berrava: “Feto, aparece aí, Feto...” seguido de algumas imprecações. Quando a segurança já estava disposta a trancafiar o berrador, abre-se uma janela do Palácio, e em pijamas aparece o governador: “Painho, que saudade, Painho”. E ordena que ponham Waldir para dentro do Palácio, onde ficaram matando a saudade até o dia amanhecer.

A história é comprida, para uma conclusão curta: estou cansado do politicamente correto. Hoje seria impensável chamar alguém de feto só porque é feio. Ou o contrário: em uma cidade aqui próxima, o homem mais feio tinha a alcunha de Lindão.

Perdemos uma característica brasileira: até para alívio da ansiedade, levar na brincadeira algum traço mais marcante de uma pessoa. Há um certo traço de maldade nos apelidos? Sem dúvida, mas também há um certo carinho, uma certa intimidade, que agora está perto da criminalização.

No jogo do truco, um jogador faz sinais para o outro indicando que cartas tem na mão. Um coçar no nariz, puxar o lóbulo da orelha etc., vai indicando ao parceiro quais são as cartas. O ás, ou espadilha, é indicado fazendo-se um certo trejeito da boca.

Francisco era simplesmente Chicão até que teve um AVC. E como primeira sequela sobrou um desvio da rima bucal. E como segunda sequela, agora todos o conhecem como Chicão Espadilha.

Pode ser um pouco maldoso, pode ser politicamente incorreto, mas que era divertido, lá isso era.


*Presidente do Conselho Consultivo da Sociedade Paulista de Radiologia e radiologista na cidade de São José do Rio Preto

Crédito da ilustração: Orlandeli

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