Fogo na palha
DORA
KRAMER - O Estado de S.Paulo.
Anos de
pasmaceira depois, Executivo e Legislativo são tomados por um sentido de
urgência cuja motivação é conhecida: a determinação da sociedade de entrar de
sola no jogo. Ótimo, saudável e mais que necessário.
Isso do lado A. Do lado B há os problemas decorrentes da inimizade entre
a pressa e a perfeição. Os especialistas alertam para as consequências ruins
que a maneira inconsequente de responder aos protestos pode gerar na economia:
menos ajuste, menos racionalidade na tomada de decisões, mais desajuste, mais
inflação.
O terreno é fértil para a demagogia em todos os campos. Assim é também
na política, como se viu pelo espetáculo de desfaçatez estrelado pelo
presidente do Senado, Renan Calheiros, na vocalização de uma pauta de votações
que inclui de tarifa zero para estudantes nos transportes públicos ao
enquadramento da corrupção no rol dos crimes hediondos.
Como se
não fosse ele mesmo um dos itens do protesto, com seu embornal de denúncias e a
provocativa volta à presidência do Senado.
Por esta
e muitas outras, hedionda é a descompostura de suas excelências - legislativas
e executivas - que agora correm atabalhoadamente para tentar zerar em dias o
passivo acumulado durante décadas.
Não havia
outro jeito, é verdade. Mas tinham o dever de aliar a esse movimento um mínimo
de autocrítica e a explicitação de compromisso com a mudança de comportamento.
Cito muito
e repito agora por adequada ao momento uma frase de Roberto Campos: "Não é
a lei que precisa ser forte, mas a carne que não pode ser fraca". Não se
ouviu da presidente, de ministros, de governadores e prefeitos palavra sobre a
parte que lhes cabe no latifúndio de desmandos, equívocos e indiferença diante
dos maus serviços prestados à população.
Tampouco
se ouve dos congressistas e dos partidos um pedido de desculpas que seja pelo
pouco caso de anos a fio em que o Parlamento, ressalvadas raríssimas ocasiões,
representou a si mesmo.
Exemplo é
a manutenção da política sob as mesmas regras de antanho enquanto o País
avançava em outras áreas. Estava claro que um dia a casa cairia. Como
reconstruí-la é o desafio que se impõe.
Inaceitável
é que o açodamento, o afã de autoridades de todos os níveis e matizes se
mostrarem atentas a um clamor que sempre ignoraram, resulte na aprovação de
projetos e anúncio de medidas que levem a resultados opostos àquilo que a
população saiu de casa para exigir: Estado organizado, presente, eficiente e
decente.
Convém
que não se brinque com o descontentamento porque o clima está mais para fogo na
palha que para fogos de palha.
Meia-volta.
Dilma
Rousseff não se insurgiria contra um "volta Lula" do PT se fosse esta
a vontade do ex-presidente. A questão é se ele estaria disposto a enfrentar a
empreitada em ambiente de conturbação, adversidades de toda sorte e a perda de
seu grande instrumento de pressão sobre os adversários: a ameaça de
"mobilizar as ruas" sempre que o PT se viu acuado.
Há dois
fatores a serem bem pesados e medidos: o risco de perder a eleição e a
responsabilidade de, se ganhar, descascar o monumental abacaxi que será
entregue ao eleito (ou reeleita) em 2014.
Note-se,
ademais, o silêncio de Lula que desde o início dos protestos se manifestou uma
vez, há exatos 14 dias, para dizer que "um sobressalto ou outro" não
desviariam o Brasil "do caminho do crescimento".
Surgem
cobranças aqui e ali para que o ex-presidente se manifeste. Faz sentido. Um
político identificado com o povo como ele, dono de habilidade ímpar,
sensibilidade e intuição celebradas em toda parte, seria de grande utilidade
para ajudar a entender a situação e apontar saídas nesse momento de
perplexidade.
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