segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


RECORDANDO OS VENDEDORES 

AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS 

– Parte final

ORMUZ BARBALHO SIMONETTI
   Recordo do sorveteiro, empurrava seu 
carrinho de madeira, pintado com cores 
alegres.  Na frente, dois espelhinhos redondos, 
imitavam os faróis de um carro. Entre eles, 
duas flâmulas: uma do ABC e outra do 
América. Não revelava o time do coração, 
nem sob tortura. Tinha medo de perder 
os fregueses adversários. Num dos braços 
do carro, uma buzina tipo “fom, fom” 
era acionada para chamar a atenção 
da clientela. Naquela época o sorvete 
era feito em casa, e os sabores 
pouco mudavam: coco, coco- queimado, 
chocolate feito com toddy, morango 
(utilizava essência, pois a fruta só 
conhecíamos por foto) e algumas 
frutas sazonais.
        
         Sem horário nem dia definidos 
para sua aparição, ouvia-se também o 
grito do vendedor de cestos e 
espanadores. Vendia inclusive um 
espanador em miniatura que era 
comprado para as crianças brincar. 
Era um homem ainda jovem, 
porém sempre o via descansando 
à sombra dos enormes fícus-
 benjamina, que outrora arborizavam 
a Avenida Deodoro.

         Havia ainda os vendedores 
de serviços. O funileiro, que 
consertava panelas, caçarolas e 
toda a tralha utilizada nas cozinhas, 
inclusive o velho bule de café, 
feitos de ágata ou alumínio, 
substituídos que fora pelas garrafas 
térmicas. Às vezes sinto saudade 
daquele antigo bule sempre cheio 
de um gostoso café, torrado em 
casa, descansando sobre a chapa 
quente do fogão de lenha, na 
fazenda do meu pai. Os pequenos 
consertos que utilizava solda branca 
ou cravo eram realizados no local. 
Para isso utilizava uma pequena 
lamparina à base de álcool, que não 
deixa tisna, para aquecer o 
ferro de solda. Quando 
estava trabalhando, geralmente 
era acompanhado por olhos atentos 
e curiosos da meninada que em 
volta, cravava o homem das 
mais diversas perguntas. Ele 
pacientemente ia respondo a todos, 
enquanto trabalhava.

         Outro vendedor de serviço 
era o sapateiro que também acumulava
 a função de engraxate. Usava a 
mesma caixa de madeira com escovas, 
flanela e graxa nugette e mais as 
ferramentas necessárias aos consertos. 
Saltos e salteiras de couro e borracha, 
cola, que ficou conhecida como 
“cola de sapateiro”, biqueiras de aço, 
muito requisitada pelos jovens, 
brochas de diversos tamanhos, agulha 
grossa, um carretel de  linha “urso” 
e cera de carnaúba que passava na linha 
para torná-la mais resistente. Trazia ainda, 
uma peça de sola enrolada em baixo 
do braço, além de uma pequena faca 
muito afiada que usava tanto no corte 
da sola como no arremate dos solados. 
No ombro, enganchado em um dos 
lados, um “pé de ferro” peça 
imprescindível nos consertos dos 
sapatos e sandálias, principalmente 
no brocheamento. Apregoava seus 
serviços geralmente a uma clientela 
cativa, já que naquela época, os calçados 
eram utilizados até a total 
impossibilidade de novo conserto. 
Seu grito ecoava pelas ruas feito 
um lamento: sapateeeeiro! solado,
meia-sola, salteiras e costuras. 
Sapateeeeiro!

         Por fim, me vem à figura do
 confeiteiro Mané Anão. Impávido, 
junto ao tabuleiro sortido de buzis, 
torrões, drops dulcora, chicletes 
Adams - aquele que trazia um 
pequeno número numa das orelhas, 
quando a caixinha era aberta -, o 
chiclete de bolas ping pong, que 
acompanhava figurinhas infantis, 
as coloridas jujubas, confeitos (balas) 
de mel e hortelã, além das desejadas 
barras de chocolate Diamante Negro, 
para nós, de valor inalcançável. Tinha 
a prerrogativa de ser o único 
vendedor em frente ao Cine Rio 
Grande, sob as bênçãos do seu 
proprietário Dr. Moacir Maia, c
orroborada por “Seu Antônio”, o 
temido administrador do cinema, 
sempre de prontidão impedindo a 
entrada dos garotos, que sonhavam 
em assistir filmes impróprios 
para sua idade.

         Todos esses saudosos personagens 
ainda continuam desfilando nas 
minhas lembranças de garoto, morador
da Avenida Deodoro.

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