terça-feira, 16 de agosto de 2022

 



PLUMAS, PAETÊS E LANTEJOULAS

Tomislav R. Femenick - Jornalista

 

O local e a data não importam. Pode ser em qualquer cidade do Brasil. Pode ser um austero teatro, em uma grande capital; ou uma simples praça, em uma cidade do interior. Em qualquer lugar, o clima será sempre o mesmo: descontração. No palco estarão os baianos. Não uns baianos quaisquer, porém um ou mais componentes do quarteto Caetano, Bethânia, Gil e Gal. Às vezes, a pressa; outras vezes, a lentidão que lhes é característica. Mas sempre um deslumbre sem fim. E empolgação, gritos mil (umas vezes dos artistas, outras da plateia), silêncios profundos e “compreendedores” e até um sério risco de ataques de plumas, paetês e lantejoulas.

Apresentou-se recentemente, no espaço Vibra São Paulo, a estrela do quarteto: Maria Bethânia, a irmã de Caetano, o Veloso. A plateia é sempre variada. Senhoras de casacos e vestidos de grifes, mocinhas de calça Lee; senhores de raros e claros cabelos, rapazes de vastas cabeleiras. Antes do início do show, o clima é misto de expectativa e de glória antecipada. Uns falam baixo, quase aos cochichos. Outros dão gritinhos e pulos, ao se verem uns aos outros. O espaço está sempre cheio. Há até aqueles que têm que se acomodar nos degraus das passadeiras. E se abre o pano.

O espetáculo é algo de tradicional, se considerado o estilo de Bethânia. Uma variação de músicas, de ritmos, de temas e de várias coisas. Tudo para agradar a todos. O importante é a interligação das várias músicas, ritmos e temas. São mais de sessenta músicas entrelaçadas, formando uma atração ímpar, na qual têm lugar de destaque o langor e o agito – aliás, às vezes destaque até demais, a ponto de prejudicar o realce da voz da cantora. Maria Bethânia passeia no palco, faz um jogo de corpo no limite das suas limitações. Aproveita o máximo do confronto de luzes; em algumas oportunidades não o máximo de sua voz. Mas tudo isso é marca registrada. Tudo isso já se sabe. A única coisa que não se pode prever é o que vai acontecer na ribalta, antes e depois da movimentação das cortinas.

Na chegada da estrela, sempre há um grupo que a espera. Querem conversar, tocar, ver (pelo menos de longe) a mais badalada das baianas. Ela chega às pressas, perto da hora do show começar, e não pode dar muita atenção às suas amigas (ou amigos). Entra no camarim e lá se tranca.

Na saída a coisa é diferente. Terminado o show no palco, continua o espetáculo no camarim. Rapazinhos (uns moços, outros nem tanto) afirmam que a artista estava “linda, divina, maravilhosa”. Mocinhas disputam, não um autografo, mas um autêntico beijo na boca da estrela. Há ocasiões em que tudo corre bem, outras em que se registram cenas de ciúmes explícitos entre a plêiade de fãs – uns ilustres, outros não. E a noite continua. Do camarim para os corredores e dos corredores para o camarim, existe uma azáfama maior do que antes do espetáculo. Rapazes alegres encontram-se com alegres moças. Num canto de escada, uma mocinha, quase menina, está de rosto contraído. Um moço, de óculos escuros (o show é à noite) e enorme bolsa a tiracolo, fuma um cigarro, desprezando todos os demais circundantes.

Ninguém tem pressa de abandonar o recinto. Somente o porteiro manco pensa em ir para casa. O frio da noite deixa os seus calos doendo.

– Bom é quando ela sai correndo, logo no fim do espetáculo, mesmo sem tirar a maquilagem, para se encontrar com uma moça que a vem apanhar aqui na porta de trás do Teatro, de vez em quando. Aí eu posso ir embora cedo, sem ter que suportar essa gente toda – diz ele.

 

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