terça-feira, 16 de agosto de 2022

        O TEMPO E O SENSO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Nos dias de hoje, o ânimo de viver nos torna inconstante e nos empurra para buscas ávidas de expressão, imaginação e criatividade. O próprio Luís da Câmara Cascudo, no passado, apesar de um ser simples, foi uma figura numerosa, pois escreveu sobre tudo e sobre todos. Conheço muitos escritores conterrâneos que detêm idêntica curiosidade inesgotável e volubilidade inventiva contagiadas pelas idéias, gostos e poder aliciante do charme da escrita cascudiana. E nesse particular, todos foram largamente influenciados pelo desejo insofreável de ressurreição do tempo morto, pela inestimável compreensão da alma coletiva das gerações passadas que se encontram como que cristalizadas em todos nós.

São as nossas afinidades eletivas fincadas na íntima, nostálgica página evocativa que romantiza a realidade ou, às vezes, a fantasia. Daí, não me encantar tanto com os procedimentos rotulados de culturais pela mídia eletrônica e certos gestores públicos. Não é a compulsão de recapturar o antigo só por ser antigo. O que desejamos, penso, é respirar o oxigênio cultural que foi dotado de um poder de radiação imanente, que se manteve vivo, apesar do efeito paulatino, paradoxal e destrutivo de uma “cultura de aparências”, fóssil e fútil, atualmente em alto astral! O crítico Paulo Prado chegou a afirmar no seu livro “Retrato do Brasil” que a proliferação desse contraditório “representava a astenia da raça, o vício de nossas origens mestiças”. Nada mais verdadeiro e impiedoso.

A cultura se transformou num circo mambembe de vaidades ressentidas, perdida nas suas cismas e inseguranças, desde o tempo em que o Ministério da Cultura tornou-se serpentário de figuras exóticas e estereotipadas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, já passa do tempo da governadora reunir os órgãos de cultura do Estado: Academia Norte-Riograndense de Letras, Conselho de Cultura, Instituto Histórico e mais ensaístas, poetas, historiadores, sociólogos e críticos literários para ouvir sugestões dessa atividade tão pluralista e significativa da sociedade, porém, totalmente esquecida e somente lembrada para eventos passageiros. Tempos passados, um governante tentou contrair um vultuoso empréstimo internacional, para investimentos diversos, as poucas entidades culturais não foram ouvidas para discutir e identificar os seus problemas estruturais.

É com profunda lástima que vemos as edificações, casarões e monumentos que representam o vasto painel da dramática criação de uma sociedade civil de cem e de duzentos anos passados se encontrarem em estado de deterioração. Lembremo-nos que o “passado não passa”. A beleza plástica dos casarões, o teor emotivo e sentimental que retrata a abordagem lírica de épocas imemoriais, em qualquer país civilizado, nunca foram substituídos por folguedos e fanfarras. A preservação do patrimônio histórico e artístico do Rio Grande do Norte precisa de maior atenção e acuidade perceptiva. Como na Trindade Santa, o passado, o presente e o futuro se entrelaçam na mesma realidade existencial.

Veja o bairro da Ribeira em Natal, tão desidratado pelos gestores públicos: casarões envergados pelo tempo, pela solidão e a tristeza do abandono. Quanta história não hospedam em cada fachada? À tardinha, uma passagem pelas ruas Duque de Caxias, Chile, Tavares de Lyra, Dr. Barata, Frei Miguelinho, praça Augusto Severo (você chora!),  imaginando ali o milagre da ressurreição do ambiente!!!

No passado, os políticos falaram tanto em projetos salvadores, em restauração, resgate, etc. Mas, faltou, o senso das proporções, não houve unidade de ação nem boa vontade. É preciso dizer a todos, que a Ribeira, o Cais do Porto, o rio Potengi, também pertencem a  Natal, ó gente avara e proterva!

 

(*) Escritor

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