O TEMPO E O SENSO
Valério
Mesquita*
Nos dias de hoje, o ânimo de viver
nos torna inconstante e nos empurra para buscas ávidas de expressão, imaginação
e criatividade. O próprio Luís da Câmara Cascudo, no passado, apesar de um ser
simples, foi uma figura numerosa, pois escreveu sobre tudo e sobre todos.
Conheço muitos escritores conterrâneos que detêm idêntica curiosidade
inesgotável e volubilidade inventiva contagiadas pelas idéias, gostos e poder
aliciante do charme da escrita cascudiana. E nesse particular, todos foram
largamente influenciados pelo desejo insofreável de ressurreição do tempo
morto, pela inestimável compreensão da alma coletiva das gerações passadas que
se encontram como que cristalizadas em todos nós.
São as nossas afinidades eletivas
fincadas na íntima, nostálgica página evocativa que romantiza a realidade ou,
às vezes, a fantasia. Daí, não me encantar tanto com os procedimentos rotulados
de culturais pela mídia eletrônica e certos gestores públicos. Não é a
compulsão de recapturar o antigo só por ser antigo. O que desejamos, penso, é
respirar o oxigênio cultural que foi dotado de um poder de radiação imanente,
que se manteve vivo, apesar do efeito paulatino, paradoxal e destrutivo de uma
“cultura de aparências”, fóssil e fútil, atualmente em alto astral! O crítico
Paulo Prado chegou a afirmar no seu livro “Retrato do Brasil” que a
proliferação desse contraditório “representava a astenia da raça, o vício de
nossas origens mestiças”. Nada mais verdadeiro e impiedoso.
A cultura se transformou num circo
mambembe de vaidades ressentidas, perdida nas suas cismas e inseguranças, desde
o tempo em que o Ministério da Cultura tornou-se serpentário de figuras
exóticas e estereotipadas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, já passa do
tempo da governadora reunir os órgãos de cultura do Estado: Academia
Norte-Riograndense de Letras, Conselho de Cultura, Instituto Histórico e mais
ensaístas, poetas, historiadores, sociólogos e críticos literários para ouvir
sugestões dessa atividade tão pluralista e significativa da sociedade, porém,
totalmente esquecida e somente lembrada para eventos passageiros. Tempos
passados, um governante tentou contrair um vultuoso empréstimo internacional,
para investimentos diversos, as poucas entidades culturais não foram ouvidas
para discutir e identificar os seus problemas estruturais.
É com profunda lástima que vemos as
edificações, casarões e monumentos que representam o vasto painel da dramática
criação de uma sociedade civil de cem e de duzentos anos passados se
encontrarem em estado de deterioração. Lembremo-nos que o “passado não passa”.
A beleza plástica dos casarões, o teor emotivo e sentimental que retrata a
abordagem lírica de épocas imemoriais, em qualquer país civilizado, nunca foram
substituídos por folguedos e fanfarras. A preservação do patrimônio histórico e
artístico do Rio Grande do Norte precisa de maior atenção e acuidade
perceptiva. Como na Trindade Santa, o passado, o presente e o futuro se
entrelaçam na mesma realidade existencial.
Veja o bairro da Ribeira em Natal,
tão desidratado pelos gestores públicos: casarões envergados pelo tempo, pela
solidão e a tristeza do abandono. Quanta história não hospedam em cada fachada?
À tardinha, uma passagem pelas ruas Duque de Caxias, Chile, Tavares de Lyra,
Dr. Barata, Frei Miguelinho, praça Augusto Severo (você chora!),
imaginando ali o milagre da ressurreição do ambiente!!!
No passado, os políticos falaram
tanto em projetos salvadores, em restauração, resgate, etc. Mas, faltou, o
senso das proporções, não houve unidade de ação nem boa vontade. É preciso
dizer a todos, que a Ribeira, o Cais do Porto, o rio Potengi, também pertencem
a Natal, ó gente avara e proterva!
(*) Escritor
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