sexta-feira, 24 de abril de 2015

Novo CPC IV

   
Marcelo Alves
21 de abril às 11:12

Novo CPC (IV): sentenças x decisões interlocutórias

Tenho escrito aqui, nas três últimas semanas, sobre os “pronunciamentos do juiz” no novo CPC. Continuando na mesma toada, hoje vou aprofundar um pouco a discussão do tema, para tentar explicar, com pormenores, os novos conceitos de sentença e de decisão interlocutória engendrados pelo Código que ora chega, assim como as consequências daí advindas. 

Antes de mais nada, registre-se que o NCPC procura solucionar a confusão, por alguns anos reinante, entre os conceitos de sentença e de decisão interlocutória. Comparando o CPC de 1973 (na sua última redação, sobretudo) e o NCPC, vê-se que tanto a sentença como a decisão interlocutória tiveram suas definições alteradas e, a nosso ver, aprimoradas. Ao que tudo indica, o conceito de sentença, que vem sendo tema de muito debate nos últimos anos, tende a ser corretamente elucidado. Pelo menos, essa é a nossa esperança. 

Sob a égide do CPC de 1973 (“Art. 162, § 1º: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”), não era tarefa fácil enquadrar alguns pronunciamentos como sentença ou decisão interlocutória. Divergiam tanto a doutrina como os tribunais. Havia quem entendesse, por exemplo, que o pronunciamento que exclui uma das partes do polo passivo da demanda, extinguindo o processo em relação a ela, teria natureza jurídica de sentença terminativa, sendo recorrível via apelação e não por agravo de instrumento. Havia, ainda, quem entendesse ser esse pronunciamento uma sentença, mas, contraditoriamente, afirmasse ser o recurso cabível o agravo de instrumento, uma vez que o recurso de apelação não permitiria a subida por instrumento, mas sim dos próprios autos, o que obstaria o regular prosseguimento do procedimento na parte não atingida pela decisão recorrida. 

Com o NCPC, deveremos compreender a sentença como o pronunciamento que, analisando ou não o mérito da demanda, encerra uma das etapas (cognitiva ou executiva) do procedimento em primeiro grau. O encerramento do procedimento fundar-se-á, segundo o art. 203 do NCPC, ora no seu art. 485, ora no seu art. 487. Mas o NCPC claramente dá à sentença a marca de pronunciamento de encerramento de grau ou instância. A sentença, no NCPC, é definida, cumulativamente, tanto pelo momento processual em que é proferida (já que “põe fim” a uma fase processual) como também pelo seu conteúdo. Em outras palavras, o NCPC vale-se de dois critérios, cumulativamente, para caracterizar um pronunciamento judicial como sentença: (i) ser ele uma decisão final, no sentido de que “põe fim” à fase cognitiva do procedimento comum ou à execução; (ii) ser uma decisão terminativa à luz do seu art. 485 ou definitiva à luz do art. 487. 

Por outro lado, segundo o NCPC (art. 203, § 2º), decisão interlocutória é qualquer pronunciamento judicial decisório que não se enquadre no conceito de sentença. Nota-se, aqui, três coisas: (i) a definição de decisão interlocutória não mais se vincula à ideia de resolução de “questão incidente” no curso do processo; (ii) que, se o conceito legal de sentença é restritivo, o de que decisão interlocutória é extensivo, já que, segundo o § 2º do art. 203 do NCPC, é considerado interlocutória qualquer pronunciamento decisório que não seja sentença; (iii) o NCPC, em “detrimento” das sentenças, optou por dar mais amplitude e importâncias às decisões interlocutórias. 

Lembremos, ademais, que o conceito legal restritivo de sentença do NCPC é crucial para a definição do recurso a ser porventura interposto contra o pronunciamento: apelação, se considerado for como sentença; agravo de instrumento, em caso de decisão interlocutória. 

Com o conceito de sentença vinculado às consequências do pronunciamento, o sistema do NCPC possibilita a ocorrência, no curso da relação processual, de pronunciamentos com caráter definitivo/terminativo parcial (a resolução de um dos pedidos cumulados ou a exclusão de um litisconsorte, por exemplo) que não se enquadram no conceito de sentença e que serão, necessariamente, decisões interlocutórias (nos termos do § 2º do seu art. 203, que dá a definição de decisão interlocutória), a desafiar o recurso de agravo de instrumento. Um exemplo clássico disso é o “julgamento parcial de mérito”, no curso do procedimento, mediante decisão interlocutória. Em perfeita sintonia com o sistema do NCPC, em caso de cumulação de ações, o juiz poderá conhecer e julgar uma ou mais delas antecipadamente, via decisão interlocutória, se existir pedido incontroverso ou a causa estiver madura para julgamento (isto é, não dependendo mais de produção de provas), mesmo que as demais ações cumuladas no mesmo processo não estejam preparadas para julgamento. Isso permite que ações menos complexas tenham uma solução mais célere, sem a necessidade de esperar pelo julgamento de outras que demandam maior tempo para conclusão, embora todas tenham sido ajuizadas cumulativamente. Dessa decisão, como já dito, o recurso cabível será o agravo de instrumento (NCPC, art. 1015). 

Doutra banda, o NCPC, definindo o conceito de sentença cumulativamente, pelo conteúdo e pelo seu efeito de encerrar uma das etapas do procedimento em primeiro grau, facilita sobremaneira a identificação desses pronunciamentos (as sentenças, repita-se) recorríveis mediante apelação. E, assim, a controvérsia outrora travada, à luz do CPC de 1973 em sua última redação, espera-se, deixará de existir. 

Por fim, registre-se que a distinção entre sentença e decisão interlocutória não terá a mesma importância, por exemplo, para caracterização da coisa julgada, para a configuração de título executivo judicial e para saber se é cabível ação rescisória. Isso porque, de acordo com o NCPC, o mérito da ação não é resolvido necessariamente por sentença, mas, sim, por uma decisão, seja ela interlocutória ou sentença (muito embora, por óbvio, a sentença seja a regra nesses casos). É a decisão de mérito que faz coisa julgada, é a decisão de mérito que consubstancia título executivo, é a decisão de mérito que pode ser rescindida (NCPC, art. 966), sendo pouco relevante distinguir se estamos diante sentença de mérito ou interlocutória de mérito. Sobre essas decisões interlocutórias de mérito, se não interpostos os recursos de agravo de instrumento pertinentes, recairá a coisa julgada (dando início, inclusive, à fluência do prazo para a ação rescisória supostamente cabível para desconstituí-las). Será assim admitida a progressiva formação da coisa julgada e o cumprimento/execução definitiva de partes do mérito resolvidas em momentos diversos da marcha processual. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário