terça-feira, 15 de julho de 2014

O tribunal de Portugal


Marcelo Alves
Marcelo Alves




Ele fica no número 111 da Rua do Século, no badalado Bairro Alto, em Lisboa. Refiro-me ao Tribunal Constitucional de Portugal, dando, com o texto de hoje, sequência à prometida série de crônicas/artigos sobre as principais cortes constitucionais do mundo.

Exercendo papel de destaque na organização constitucional portuguesa, o Tribunal Constitucional é, ao mesmo tempo, um verdadeiro tribunal (tal como os demais tribunais previstos na Constituição daquele país) e órgão constitucional autônomo, recebendo, da Lei Fundamental portuguesa, tratamento destacado à semelhança do que se dá com a Presidência da República, a Assembleia da República e o Governo.

Segundo a Constituição Portuguesa de 1976 (e suas sucessivas revisões), o Tribunal Constitucional é composto por treze juízes. Do total, dez são indicados pela Assembleia da República; os outros três são cooptados por estes dez. Dos dez indicados pela Assembleia da República, três devem ser escolhidos entre juízes dos demais tribunais, assim como os três cooptados. Os demais (em número de sete, indicados pela Assembleia da República) são escolhidos dentre juristas. O Presidente e o Vice-Presidente da Corte são eleitos pelos próprios pares. A Corte reúne-se em Plenária ou em seções, a depender da matéria a ser apreciada.

No que toca ao controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, entre outras coisas, compete ao Tribunal Constitucional, quando provocado, realizar: (i) o controle preventivo de constitucionalidade de tratados e acordos internacionais submetidos à Presidência da República para ratificação e de atos normativos das assembleias regionais dos Açores e da Madeira (art. 278º da Constituição); (ii) o controle concreto das normas em conformidade com o art. 280º da Constituição; (iii) o controle abstrato das normas em conformidade com o art. 281º da Constituição.

Com fundamento no art. 282º-1 da Constituição portuguesa, têm eficácia geral vinculante as sentenças declarativas de inconstitucionalidade – não as que declarem a constitucionalidade, como se verá, com mais detalhes, adiante – prolatadas pelo Tribunal Constitucional nos processos de controle tanto preventivo como repressivo, tanto abstrato como concreto, de constitucionalidade dos atos normativos.

Vitalino Canas, em sua “Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional” (livro publicado pela Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa), nos explica isso direitinho, discorrendo separadamente sobre controle abstrato e controle concreto, no que tange aos efeitos típicos das decisões de “provimento” – ou seja, que declara a inconstitucionalidade da norma – do Tribunal Constitucional. Segundo ele, a decisão do Tribunal Constitucional que declara a inconstitucionalidade no controle abstrato tem quatro efeitos típicos: “a) o dever geral de desaplicação retroativa da norma inconstitucional ou ilegal; b) o dever geral de aplicação das normas revogadas pela norma inconstitucional ou ilegal; c) o dever geral de abstenção de colocar de novo a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade nela resolvido; e d) da força vinculativa geral daquelas decisões resulta a impossibilidade jurídica (ou não possibilidade jurídica), para todos, particularmente para o autor originário ou para quem dispõe de poder normativo, de emitir norma idêntica à declarada inconstitucional ou ilegal”. Já no controle concreto, segundo o autor, os efeitos típicos são os seguintes: “a) o dever do juiz a quo de desaplicar a norma inconstitucional ou ilegal, se ela for aplicável ao caso concreto; b) o dever do juiz a quo de aplicar a norma que a norma inconstitucional haja eventualmente revogado; c) o dever de todos os magistrados do Ministério Público recorrerem de futuras decisões de juízes que apliquem a norma agora declarada inconstitucional ou ilegal; e d) produz caso julgado no processo, o que criará o impedimento jurídico de toda e qualquer entidade suscitar de novo a questão da constitucionalidade ou da legalidade no processo”.

Como já adiantado, interessantemente, as decisões do Tribunal Constitucional, no controle tanto preventivo como repressivo, que rejeitarem o pedido de declaração de inconstitucionalidade – ou seja, a contrário sensu, que reconhecerem a constitucionalidade da norma impugnada – por significarem mera interpretação conforme Constituição, são irrelevantes e não vinculam o Tribunal (ou outros juízos e autoridades), podendo este, no futuro, provocado, vir a encampar orientação diversa no sentido da inconstitucionalidade. Isso quem nos explica é o grande Jorge Miranda no seu famoso “Manual de direito constitucional”.

Por falar em Jorge Miranda, foi por intermédio dele que conheci o prédio do número 111 da Rua do Século. O ano, se não estou enganado, era 1998. Participava de um curso intermediado pela Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe) junto à Universidade de Lisboa. O professor, que ministrava conferência no encontro, proporcionou uma maravilhosa tarde de estudos (misturado com turismo, claro, porque ninguém é de ferro).

E você, caro leitor, indo a Portugal, que tal também visitar o Tribunal Constitucional? Já que falamos, pelo que sei, a mesma língua, ali nos entenderemos, todos, muito bem. De quebra, você ainda passeia pelo Bairro Alto de Lisboa, com suas ruas estreitas, suas desafiadoras ladeiras, suas casas seculares e sua movimentada vida noturna. Cansando, escolha um dos muitos bares e restaurantes da região e peça um bacalhau à moda da casa, regado por um vinho nacional, ao som de um fado corrido.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
 

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