DIMENSÃO DO PENSAMENTO DE HORÁCIO PAIVA
SEMPRE DOMINGO
o domingo estende uma toalha
branca
e põe a sua mesa
com flores vinho e frutos do
mar
já quase esquecido que houve
um sábado
mas ao meio-dia o sábado
acorda
com suas contas a pagar
receios vãos
nebulosas inquietantes
ao meio-dia do domingo o
sábado acorda
entorna o vinho então
sossegado
e o despede
pelo menos momentaneamente
pois logo o domingo reage
e afeito a vencer desafios
milenares
aos poucos afasta as ilusões
daninhas
(Horácio Paiva)
OS PONTOS CARDEAIS
norte:
a ursa maior
e o lunário perpétuo
sul:
cardumes de prata
leste:
a barca do sol
oeste:
o fogo de santelmo
ao lado:
olhares primitivos
da noite
ao centro:
uma caverna incógnita
sob as estrelas
grilos
e
alguém
que sonha
(Horácio Paiva –
Fazenda
Lagoa Nova, 10-11/07/2013)
FÁTIMA
Na penumbra de meu quarto
rezo o terço.
Seis horas -
o vento descansa nas árvores.
E procuro uma azinheira
onde possa ver teu rosto,
Senhora.
(Horácio Paiva)
O PROSAICO CHARUTO
“Nunca
se pode ter razão, nem num restaurante.”
- Fernando Pessoa -
o elevador
não para
neste andar
muito menos
a terceira dose
a poesia sim
e o charuto
pois não há caçadores
por perto e
até no outro mundo
a caipora também gosta de
fumo
mesmo que o acenda numa torre
ou o acenda numa mata
há sempre risco
segundo alguns
e dizem as boas línguas
que melhor seria
jamais acendê-lo
mas perguntemos à poesia:
ela virá sem a
invocação da fumaça?
o cheiro do
Incenso americano?
pois são muitas as
razões que se abatem contra
o pequeno truque que
dribla a consciência comum
e mesmo que se use os
argumentos do manual da
guerrilha
perde-se a batalha de
morte pelo tabaco
adeus asas de borboleta
adeus burrinho prosaico
o acaso o trouxe
o acaso o leva
em voos de asas
asas somente
asas
(Horácio
Paiva)
ALGUÉM FALARÁ POR MIM
alguém me surpreenderá
em pleno deserto
e vendo-me sozinho
em nuvens de poeira
virá em minha defesa
alguém falará por mim
dentre a multidão de cegos
a sussurrar insultos
flagelos e condenações
alguém falará por mim
enquanto eu não tiver voz
e na antessala do futuro
- pária em minha própria terra -
cortarem-me a palavra
alguém não me negará
quando em sacrifício tiver
a cruz em meus ombros
e no calvário esperar
a sentença redentora
(Horácio
Paiva)
MINHA BENGALA E EU
Esta bengala também veio de Macau.
Filha das matas, durante anos foi guardiã
de meus passos em suas trilhas.
Rústica, de bom pereiro
traz o coração da amizade.
Quando partir
quero-a comigo -
talvez haja veredas entre as nuvens
e devamos caminhar.
(Horácio Paiva)
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