domingo, 13 de julho de 2014

DIMENSÃO DO PENSAMENTO DE HORÁCIO PAIVA






SEMPRE DOMINGO

o domingo estende uma toalha branca
e põe a sua mesa
com flores vinho e frutos do mar
já quase esquecido que houve um sábado

mas ao meio-dia o sábado acorda
com suas contas a pagar
receios vãos
nebulosas inquietantes

ao meio-dia do domingo o sábado acorda

entorna o vinho então sossegado
e o despede

pelo menos momentaneamente
pois logo o domingo reage

e afeito a vencer desafios milenares
aos poucos afasta as ilusões daninhas
e restaura a paz

                        (Horácio Paiva)


OS PONTOS CARDEAIS

  
norte:
a ursa maior
e o lunário perpétuo

sul:
cardumes de prata

leste:
a barca do sol
  
oeste:
o fogo de santelmo

ao lado:
olhares primitivos
da noite

ao centro:
uma caverna incógnita
sob as estrelas

grilos 
 
e
alguém
que sonha



       (Horácio Paiva –
 Fazenda Lagoa Nova, 10-11/07/2013)
   
FÁTIMA

Na penumbra de meu quarto
rezo o terço.

Seis horas  -
o vento descansa nas árvores.

E procuro uma azinheira
onde possa ver teu rosto,
Senhora.

                                   (Horácio Paiva)


O PROSAICO CHARUTO


                               “Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.”
                                                               -  Fernando Pessoa  -

o elevador
não para
neste andar
muito menos
a terceira dose

a poesia sim

e o charuto

pois não há caçadores
por perto e
até no outro mundo
a caipora também gosta de fumo

mesmo que o acenda numa torre
ou o acenda numa mata
há sempre risco
segundo alguns

e dizem as boas línguas
que melhor seria
jamais acendê-lo

mas perguntemos à poesia:
ela virá sem a
invocação da fumaça?
o cheiro do
Incenso americano?
a cura dos pajés?

pois são muitas as
razões que se abatem contra
o pequeno truque que
dribla a consciência comum

e mesmo que se use os
argumentos do manual da guerrilha
perde-se a batalha de
morte pelo tabaco

adeus asas de borboleta
adeus burrinho prosaico
o acaso o trouxe
o acaso o leva

em voos de asas
asas somente
asas

                           (Horácio Paiva)





ALGUÉM FALARÁ POR MIM



alguém me surpreenderá
em pleno deserto

e vendo-me sozinho
em nuvens de poeira
virá em minha defesa

alguém falará por mim
dentre a multidão de cegos
a sussurrar insultos
flagelos e condenações

alguém falará por mim
enquanto eu não tiver voz
e na antessala do futuro
-  pária em minha própria terra  -
cortarem-me a palavra

alguém não me negará
quando em sacrifício tiver
a cruz em meus ombros
e no calvário esperar
a sentença redentora

     (Horácio Paiva)


 

MINHA BENGALA E EU

Esta bengala também veio de Macau.
Filha das matas, durante anos foi guardiã
de meus passos em suas trilhas.

Rústica, de bom pereiro
traz o coração da amizade.

Quando partir
quero-a comigo  -
talvez haja veredas entre as nuvens
e devamos caminhar.

                        (Horácio Paiva)
 
 
 

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