domingo, 22 de dezembro de 2013


Verdades cruzadas - VI

CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, Professor aposentado do Curso de Direito da UFRN e Presidente da Comissão da Verdade. Sócio do IHGRN.

                Eis que surge um novo tempo na terra potiguar, mais precisamente nas cercanias da Cidade do Natal, quando o povo elegeu como seu líder maior a figura popular e ativa de Djalma Maranhão, irmão de Luiz Ignácio Maranhão Filho, ambos simpatizantes da esquerda.

            Implanta-se no Rio Grande do Norte uma verdadeira revolução no ensino, através de um Projeto voltado para a educação das nossas crianças e também a alfabetização de adultos, despertando a admiração da maioria e o ressentimento de outros, como passamos a melhor explicitar.

A administração de Djalma Maranhão na Prefeitura de Natal será a mais democrata que a cidade já teve. Destacam-se entre as suas realizações a ‘Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler’, o Centro Popular de Cultura e o Fórum de Debates, que trouxe a Natal intelectuais de nomes renomados para discutir temas relevantes da conjuntura nacional e internacional.

Homero Costa (Caderno de História), 1996 apud Carlos H.P.Cunha e Walclei de A.Azevedo – Podres Poderes-política e repressão. Natal: Infinita imagem, 2013.

Durante esse período os segmentos político, da Igreja Católica Apostólica Romana e da administração do Estado tomam iniciativas marcantes na direção da difusão do ensino e conscientização da população, surgindo campanhas em três frentes - inicialmente distintos, mas que se entrelaçaram no idealismo dos seus construtores: o Prefeito Djalma Maranhão e a campanha De pé no chão também se aprende a ler”, na defesa da dignidade da pessoa humana e pela opção libertária “é caminhando que se faz o caminho”, incrementando vários núcleos de Cultura Popular, como grupos de Teatro, Rádio, de Cinema, de Alfabetização e Educação de Base, de Canto e Música Popular, de Dança, desenvolvimento de habilidades manuais e profissionalizantes, prática de Ecologia e outros, com localização nos bairros periféricos.

A ideia era também de interiorização, o que teve início com a adesão de algumas prefeituras. Registram-se, até então, cerca de nove acampamentos e 300 escolinhas e a procura por outros Estados brasileiros, Conchas Acústicas, Galerias de Arte, Museus, Coral.

Faziam parte, ainda do revolucionário Projeto a construção de Teatrinhos do Povo.

Para bem difundir o perfil da Campanha “De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler” foi composto um hino pelo potiguar Dôsinho:

Povo pobre, Natalense!

Chegou a vez para quem quer aprender.

Como sofre o ser humano,

Quando o seu nome não sabe escrever.

A Prefeitura abre a campanha,

Para ajuda de ensino e do saber.

Pela meta do Prefeito Maranhão,

De Pé no Chão Também se Aprende a Ler.

 

Tinha, também, uma bandeira, outro fator de orgulho da campanha, apresentando dois pés impressos a preto sobre um pano branco, com a legenda em azul: “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”. Projeto e desenho do pintor Newton Navarro e tudo isso, quando não gratuito, era realizado com recursos nativos.

 

Foram criadas Praças de Cultura com o apoio dos novos intelectuais da terra, como Newton Navarro, Sanderson Negreiros, Zila Mamede, Nísia Bezerra, Paulo de Tarso, Marcelo Fernandes, Yaponi Araújo, Nei Leandro de Castro, Berilo Wanderley, Ticiano Duarte, Luis Carlos Guimarães, Moacy Cirne, Miguel Cirilo, sob a coordenação de Mailde Pinto, dentre outros. [1]

Para todo esse trabalho o Prefeito contava com o apoio dos seus auxiliares Moacyr de Góes, Professoras Mailde Pinto, Denise Felippes, Zilda Lopes, Lourdes Varela, do Pastor da Igreja Presbiteriana do Alecrim Herly Parente. Ainda, Omar Pimenta, Hélio Xavier de Vasconcelos, Olívia Marinho, Lia Campos, Severino Fernandes de Oliveira, Eunice Rocha, Eulina Agra, Osvaldo Carlos, Ilza Soares, Maria das Dores, Cleomar Dantas, Isabel Alves, Nandí, Maria Salviano, Lenira de Souza, como também de estudantes universitários como Margarida de Jesus Cortez a quem foi confiada a coordenação pedagógica e, ainda, Maria Laly Carneiro, Diva da Salete Lucena, Josemá Azevedo, Geniberto Campos, Juliano Siqueira, Ivis Bezerra, Edisio Pereira, Icleiber Calife, Olindina Santos, Anaíde Dantas, Francisco das Chagas Alberto Pinheiro, Antonio Campos, Berenice de Freitas, Terezinha Braga, Danilo Bessa, José de Ribamar, Francisco Ginani, Socorro Barreto, Gileno Guanabara, Carlos Lima, Carlos Lyra, Padre Manoel Barbosa, Pastor José Fernandes Machado e outros.

Também estiveram compondo essa gama de atividades os Sindicatos, a UFRN através de convênios com as Faculdades de Farmácia, Odontologia, Medicina – tudo na direção do futuro.[2]

A citação de tantos nomes não representa exagero porquanto o projeto era de uma vastidão nunca vista, tendo como fundamento o ensino e a cultura, representados em expressões próprias da época: “Nenhum povo é dono do seu destino se antes não é dono de sua cultura.”

Várias foram as fases em que se desenvolveu, daí a arregimentação de tanta gente.

Outro construtor desse ideário foi Dom Eugênio Sales, fundador da Rádio Rural e Escolas Radiofônicas, responsável pelo projeto do “Movimento de Educação de Base” (MEB), arregimentando universitários como Marcos Guerra, Ney Lopes, Jardelino Lucena, Safira Bezerra, Otomar Lopes Cardoso, Marco Antônio Rocha, Francisco de Assis Câmara, Pedro Neves Cavalcanti e a Professora Maria Rodrigues, contando com o apoio do português Manuel Chaparro, dos religiosos José Penha Filho e Nivaldo Monte e do Professor Otto de Brito Guerra, com a direção do jornal “A Ordem”, contando com um corpo de redatores como Otomar, Ney, Marco Antônio, Tarcisio Monte, Jardelino, Arlindo Freire e outros. Compunham o que se conhecida por “Movimento de Natal”.

Um terceiro segmento era arregimentado pelo Governador Aluízio Alves, que mandou buscar em Recife o Professor Paulo Freire, criador de um método revolucionário de alfabetização de adultos, implantando um Projeto de Alfabetização de Adultos no Município de Angicos, também com o recrutamento de jovens universitários, como Ivis Bezerra, Geniberto Campos, Arruda Fialho, Francisco Ginani e outros, aquele movimento revolucionário no campo educacional, que tantos benefícios trouxe para a população daquela região.

A tônica era, igualmente, a tarefa de alfabetização pelo rádio e presencial, numa ação paralela com os ideais da Campanha do Prefeito Djalma Maranhão e do Movimento de Natal comandado por Dom Eugênio Sales e auxiliado pelo estudante João Faustino Ferreira Neto diretor do SAR – Serviço de Assistência Rural.

Esses movimentos pioneiros, que tiveram até o reconhecimento da UNESCO e OEA, foram interrompidos com o golpe de 31 de março de 1964, por terem sido considerados como de caráter subversivo e aqueles que emprestaram o seu entusiasmo e engajamento foram presos, perseguidos e processados pelo governo militar e, estranhamente, também pelo Governo do Rio Grande do Norte e até pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, embora tenham contribuído para o desenvolvimento daquelas experiências, seja diretamente executando programas ou mediante a celebração de convênios.[3]


[1]  Trabalho de Djalma Maranhão ‘De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler’, 1964, concluído no
exílio no Uruguai. Cap. V, n. 1.
[2] Idem Cap. III, 7, ‘e’.
[3]  Djalma Maranhão, ob. Cit,. Cap. II – Apresentação; 7. Uma experiência de Educação de Massas.

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