sábado, 14 de dezembro de 2013

EM 13/12/2013
DISCURSO DO ESCRITOR HORÁCIO PAIVA, POR OCASIÃO DA SOLENIDADE DE INSTALAÇÃO DA COMISSÃO DA MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA DE NATAL.



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Excelentíssimos Senhores:
Prefeito Carlos Eduardo Alves,
Secretário de Gabinete Sávio Hackradt,
Membros da Comissão da Memória, Verdade e Justiça de Natal
E demais cidadãos e cidadãs presentes a este ato.
 
                        Esta solenidade de instalação da Comissão da Memória, Verdade e Justiça de Natal traduz mais um momento expressivo da história republicana e democrática de nossa cidade.
 
                        Segue as diretrizes da Lei nº 6.393, de 5 de julho de 2013 -  que homenageia, no seu nome, o ilustre brasileiro Luiz Ignácio Maranhão Filho  -, e, quanto às personalidades que a compõem, da Portaria nº 079/2013-GP, de 30 de setembro de 2013.
 
                        Cabem, em primeiro lugar, agradecimentos a todos aqueles que desde cedo demonstraram a lucidez de entender a necessidade social e moral de sua criação e se empenharam neste propósito, acolhido na louvável iniciativa do ilustre vereador George Câmara, que elaborou o projeto de lei, no procedimento exemplar da Câmara Municipal, que o aprovou, transformando-o em lei, e na decisiva posição adotada pelo nosso ilustre prefeito, Carlos Eduardo, que, de logo, a sancionou, designando, em seguida, e em harmonia com a previsão legal, os sete membros da Comissão agora instalada, e já se empenha em proporcionar espaço e condições físicas para seu funcionamento, no que tem contado com a cooperação permanente de seu nobre secretário de gabinete, Sávio Hackradt.
 
                        Vê-se, portanto, que a Comissão da Memória, Verdade e Justiça de Natal nasceu de uma combinação perfeita entre os poderes legislativo e executivo municipais, abrigados nos Palácios Padre Miguelinho e Felipe Camarão, como se os heróis nacionais que inspiraram os nomes das duas casas  -  o primeiro, herói da república e da independência em relação aos portugueses, e o segundo, herói da independência contra os holandeses  -  estivessem em saudável conspiração pela democracia.
 
                        Pois entendo  -  e não tenho dúvidas quanto a isto  -  que se cumpre mais um ciclo no processo de construção da democracia em nosso País, com o movimento em prol da memória, da verdade e da justiça, que se manifesta na criação das diversas comissões estaduais e municipais, a partir da nacional, criada em maio 2012: o ciclo da memória, do resgate de nossa história e dos fatos que ainda se encontram sepultados no entulho autoritário e traumático do regime ditatorial. E que temos, sobretudo, o direito de ver esclarecidos, porquanto o resgate histórico compreende também o sentido moral de resgate de nossa dignidade e do conhecimento da verdade. Como dizia Mahatma Gandhi, “A verdade é como uma árvore frondosa: quanto mais é tratada, maior quantidade de frutos produz. Quanto mais profunda a busca na mina da verdade, mais rica a descoberta das pedras preciosas lá enterradas.”
 
                        Um povo é mais livre, mais forte e mais digno quando conhece a própria história.
                        A partir do conhecimento da verdade cria-se uma democracia mais robusta, capaz de prevenir e evitar a repetição de erros antigos ou mesmo a ocorrência de novos erros.
 
                        E que não se confunda o papel desta Comissão: ela não é um tribunal de exceção ou de revanche; não é sequer um tribunal, pois não tem poderes para julgar e nem mesmo é essa a sua finalidade. Aliás, o texto do artigo 1º da Lei 6.393, que a criou, define, com clareza, sua finalidade, qual seja “de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, a fim de efetivar o direito à Memória, à Verdade, à Justiça e a reconstituição histórica que envolveu cidadãos natalenses.”
 
                        Além de mim, HORÁCIO DE PAIVA OLIVEIRA, advogado e escritor, ex-membro do Comitê da Anistia e ex-presidente da Comissão Justiça e Paz e do Sindicato dos Bancários, foram chamados a participar de sua composição pessoas com notável trabalho desenvolvido na área da cidadania, dos direitos humanos e da história: ROBERTO BRANDÃO FURTADO, advogado, ex-deputado e ex-presidente da OAB/RN e do Comitê da Anistia, AFONSO LAURENTINO RAMOS, jornalista de larga tradição em Natal, MARIA RIZOLETE FERNANDES, socióloga, escritora, e ex-secretária-geral do Comitê da Anistia, JEANE FIALHO CANUTO e LUCIANO FÁBIO DANTAS CAPISTRANO, ambos historiadores, e, ainda, GEORGE CÂMARA, vereador e autor do projeto de lei de criação da Comissão.
 
                        Estou, portanto, em boa e honrosa companhia.
 
                        E vejo o exercício desta função não apenas como um desafio que a vida nos traz, dentre tantos outros. Mas como uma nova oportunidade de servir à sociedade, ao meu Estado, aos meus semelhantes. Uma opção que dá continuidade a outras, anteriores, que ao longo da existência adotei. A Comissão de Natal, com membros cujas funções não são remunerados pelos cofres públicos, tem apenas o nobre objetivo de servir.
 
                        Gabriela Mistral, a célebre poetiza chilena, dizia, em seu belo poema intitulado “A Alegria de Servir”:
 
                        “Existe a alegria de ser são, e a alegria de ser justo,
                        Mas existe, sobretudo, a formosa e imensa alegria de servir”.
 
                        Mas essa opção, servir, expressão de nosso livre arbítrio, não importaria também  -  e sobretudo  -  numa missão a que somos destinados por Deus?
 
                        Mas como reconhecer essa missão ou mesmo o caráter de missão naquilo que assumimos?  Qual o instrumento eficaz de reconhecimento?  Na verdade, o caráter ético da luta já a justifica  -  e a vitória está na sua adoção e no seu percurso, nem sempre ao final.
 
                        Mas apesar do campo geográfico definido na Lei estar restrito, em tese, à área de nosso Município, o seu campo subjetivo é maior, já que diz respeito à nossa gente, a quem estamos diretamente vinculados.
 
                        Fernando Pessoa, o grande poeta português, esclarece a aparente contradição às vezes encontrada entre as dimensões da objetividade e da subjetividade, nesses versos memoráveis:
 
                        “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
                        Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha
                                                                                                                  aldeia
                        Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
                        .........................
                        Toda a gente sabe isso.
                        Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
                        E para onde ele vai
                        E donde ele vem.
                        E por isso, porque pertence a menos gente,
                        É mais livre e maior o rio da minha aldeia.”
 
                        Ante o seu caráter municipal, maior responsabilidade das tarefas desta Comissão Municipal é nossa, dos natalenses, de nascimento ou adoção.
 
                        Mas não devemos perder, jamais, a visão nacional de integração. Nesse sentido, a nossa Comissão dá um passo à frente, pois deveremos estar firmando, já na próxima semana, acordo de cooperação com a Comissão Nacional da Verdade, para intercâmbio permanente de informações e desenvolvimento de ações conjuntas. E também manteremos estreito relacionamento com outras comissões locais: a da OAB/RN e a da UFRN, esta presidida pelo Dr. Carlos de Miranda Gomes, e com o Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do RN, dirigido pelo professor Antônio Capistrano e Roberto Monte.
 
                        Portanto, conclamo todos a fazer desta luta um trabalho coletivo, em que possamos contar com a participação de muitos e aplicados colaboradores.
 
                        E vamos dedicá-la à democracia, à verdade e à justiça!
 
                        Obrigado.
 
                        Horácio de Paiva Oliveira.

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