DISCURSO DO ESCRITOR HORÁCIO PAIVA, POR OCASIÃO DA SOLENIDADE DE INSTALAÇÃO DA COMISSÃO DA MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA DE NATAL.
Excelentíssimos
Senhores:
Prefeito
Carlos Eduardo Alves,
Secretário
de Gabinete Sávio Hackradt,
Membros
da Comissão da Memória, Verdade e Justiça de Natal
E
demais cidadãos e cidadãs presentes a este ato.
Esta solenidade de
instalação da Comissão da Memória,
Verdade e Justiça de Natal traduz mais um momento expressivo da história
republicana e democrática de nossa cidade.
Segue as diretrizes da
Lei nº 6.393, de 5 de julho de 2013 -
que homenageia, no seu nome, o ilustre brasileiro Luiz Ignácio Maranhão
Filho -, e, quanto às personalidades que
a compõem, da Portaria nº 079/2013-GP, de 30 de setembro de 2013.
Cabem, em primeiro
lugar, agradecimentos a todos aqueles que desde cedo demonstraram a lucidez de
entender a necessidade social e moral de sua criação e se empenharam neste
propósito, acolhido na louvável iniciativa do ilustre vereador George Câmara,
que elaborou o projeto de lei, no procedimento exemplar da Câmara Municipal,
que o aprovou, transformando-o em lei, e na decisiva posição adotada pelo nosso
ilustre prefeito, Carlos Eduardo, que, de logo, a sancionou, designando, em
seguida, e em harmonia com a previsão legal, os sete membros da Comissão agora
instalada, e já se empenha em proporcionar espaço e condições físicas para seu
funcionamento, no que tem contado com a cooperação permanente de seu nobre
secretário de gabinete, Sávio Hackradt.
Vê-se, portanto, que a
Comissão da Memória, Verdade e Justiça de Natal nasceu de uma combinação
perfeita entre os poderes legislativo e executivo municipais, abrigados nos
Palácios Padre Miguelinho e Felipe Camarão, como se os heróis nacionais que
inspiraram os nomes das duas casas
- o primeiro, herói da república
e da independência em relação aos portugueses, e o segundo, herói da independência
contra os holandeses - estivessem em saudável conspiração pela
democracia.
Pois entendo - e
não tenho dúvidas quanto a isto - que se cumpre mais um ciclo no processo de
construção da democracia em nosso País, com o movimento em prol da memória, da
verdade e da justiça, que se manifesta na criação das diversas comissões
estaduais e municipais, a partir da nacional, criada em maio 2012: o ciclo da memória, do resgate de nossa
história e dos fatos que ainda se encontram sepultados no entulho autoritário e
traumático do regime ditatorial. E que temos, sobretudo, o direito de ver
esclarecidos, porquanto o resgate histórico compreende também o sentido moral
de resgate de nossa dignidade e do conhecimento da verdade. Como dizia Mahatma
Gandhi, “A verdade é como uma árvore frondosa: quanto mais é tratada, maior
quantidade de frutos produz. Quanto mais profunda a busca na mina da verdade,
mais rica a descoberta das pedras preciosas lá enterradas.”
Um povo é mais livre,
mais forte e mais digno quando conhece a própria história.
A partir do conhecimento
da verdade cria-se uma democracia mais robusta, capaz de prevenir e evitar a
repetição de erros antigos ou mesmo a ocorrência de novos erros.
E que não se confunda o
papel desta Comissão: ela não é um tribunal de exceção ou de revanche; não é
sequer um tribunal, pois não tem poderes para julgar e nem mesmo é essa a sua
finalidade. Aliás, o texto do artigo 1º da Lei 6.393, que a criou, define, com
clareza, sua finalidade, qual seja “de examinar e esclarecer as graves
violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, a fim de
efetivar o direito à Memória, à Verdade, à Justiça e a reconstituição histórica
que envolveu cidadãos natalenses.”
Além de mim, HORÁCIO DE
PAIVA OLIVEIRA, advogado e escritor, ex-membro do Comitê da Anistia e
ex-presidente da Comissão Justiça e Paz e do Sindicato dos Bancários, foram
chamados a participar de sua composição pessoas com notável trabalho
desenvolvido na área da cidadania, dos direitos humanos e da história: ROBERTO
BRANDÃO FURTADO, advogado, ex-deputado e ex-presidente da OAB/RN e do Comitê da
Anistia, AFONSO LAURENTINO RAMOS, jornalista de larga tradição em Natal, MARIA
RIZOLETE FERNANDES, socióloga, escritora, e ex-secretária-geral do Comitê da
Anistia, JEANE FIALHO CANUTO e LUCIANO FÁBIO DANTAS CAPISTRANO, ambos
historiadores, e, ainda, GEORGE CÂMARA, vereador e autor do projeto de lei de
criação da Comissão.
Estou, portanto, em boa
e honrosa companhia.
E vejo o exercício desta
função não apenas como um desafio que a vida nos traz, dentre tantos outros.
Mas como uma nova oportunidade de servir à sociedade, ao meu Estado, aos meus
semelhantes. Uma opção que dá continuidade a outras, anteriores, que ao longo
da existência adotei. A Comissão de Natal, com membros cujas funções não são
remunerados pelos cofres públicos, tem apenas o nobre objetivo de servir.
Gabriela Mistral, a
célebre poetiza chilena, dizia, em seu belo poema intitulado “A Alegria de
Servir”:
“Existe a alegria de ser
são, e a alegria de ser justo,
Mas existe, sobretudo, a
formosa e imensa alegria de servir”.
Mas essa opção, servir,
expressão de nosso livre arbítrio, não importaria também - e
sobretudo - numa missão a que somos destinados por Deus?
Mas como reconhecer essa
missão ou mesmo o caráter de missão naquilo que assumimos? Qual o instrumento eficaz de
reconhecimento? Na verdade, o caráter
ético da luta já a justifica - e a vitória está na sua adoção e no seu
percurso, nem sempre ao final.
Mas apesar do campo
geográfico definido na Lei estar restrito, em tese, à área de nosso Município,
o seu campo subjetivo é maior, já que diz respeito à nossa gente, a quem
estamos diretamente vinculados.
Fernando Pessoa, o
grande poeta português, esclarece a aparente contradição às vezes encontrada
entre as dimensões da objetividade e da subjetividade, nesses versos
memoráveis:
“O Tejo é mais belo que
o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais
belo que o rio que corre pela minha
aldeia
Porque o Tejo não é o
rio que corre pela minha aldeia.
.........................
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é
o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque
pertence a menos gente,
É mais livre e maior o
rio da minha aldeia.”
Ante o seu caráter
municipal, maior responsabilidade das tarefas desta Comissão Municipal é nossa,
dos natalenses, de nascimento ou adoção.
Mas não devemos perder,
jamais, a visão nacional de integração. Nesse sentido, a nossa Comissão dá um
passo à frente, pois deveremos estar firmando, já na próxima semana, acordo de
cooperação com a Comissão Nacional da Verdade, para intercâmbio permanente de
informações e desenvolvimento de ações conjuntas. E também manteremos estreito
relacionamento com outras comissões locais: a da OAB/RN e a da UFRN, esta presidida
pelo Dr. Carlos de Miranda Gomes, e com o Comitê pela Verdade, Memória e
Justiça do RN, dirigido pelo professor Antônio Capistrano e Roberto Monte.
Portanto, conclamo todos
a fazer desta luta um trabalho coletivo, em que possamos contar com a
participação de muitos e aplicados colaboradores.
E vamos dedicá-la à
democracia, à verdade e à justiça!
Obrigado.
Horácio de Paiva
Oliveira.
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