CAMINHAMOS PARA UM NOVO CONCÍLIO?
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO (pe.medeiros@hotmail.com)
Francisco tem dito sempre que a Igreja deve reformar-se, ir em direção aos pobres, sofredores e excluídos, sair de sua acomodação e ser missionária. É preciso que se torne presença divina no mundo e ofereça luz para questões que nos afligem hoje, como a fome, a miséria, a injustiça, a crise ambiental, a paz e a dignidade humana.
O centro de suas preocupações pastorais é o ser humano, com suas necessidades, dúvidas, perplexidades, dores e potencialidades. Quando falou aos representantes do CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano), na JMJ/2013, no Rio de Janeiro, citou literalmente a Guadium et Spes: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e atribulados, são também alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo”.
Outro aspecto de sua visão pastoral é a centralidade da misericórdia. Aqui também, Francisco aproxima-se de João XXIII, quando, no discurso de abertura do Vaticano II, afirmara: “A Igreja sempre se opôs a vários erros; muitas vezes até os condenou, com a maior severidade. Agora, porém, prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade". Entre os sucessores de Roncalli, Bergoglio é o que mais se lhe assemelha, tanto na doçura quanto na firmeza, diz Padre Oscar Beozzo. Nitidamente, suas inspirações são aquelas do Poverello de Assis, seu amor aos pobres e, como João XXIII, a busca de uma Igreja renovada, humilde, ecumenicamente aberta, a serviço da paz e das carências da humanidade. Esta foi uma das tantas razões que o levou a convocar o Vaticano II, com seu tom pastoral e não dogmático. Francisco vai nessa direção pregando a abertura da Igreja, que deve ir para as ruas e dialogar com todos. É preciso ouvir o Povo de Deus de todos os continentes para mostrar o novo rosto eclesial, abandonando a cultura e a “psicologia de príncipes” de certos segmentos clericais.
Francisco encontra-se diante de uma situação análoga à de Cristo, cercado, à época, de três grupos de opositores: o poder de Roma; a hierarquia religiosa e os fariseus com os doutores da lei. O nosso Papa tem diante de si o peso da cúria romana, presente nas estruturas do Vaticano; parte do clero “um pouco atrasado”, não esquecendo ainda os novos defensores radicais do moralismo e do canonicismo, em detrimento do homem, imagem e semelhança de Deus. Para retirar o entulho autoritário da Igreja, como expressou Hans Küng, é preciso coesão e colegialidade. E isto só será possível com um concílio verdadeiramente ecumênico, em que todo o povo de Deus – não apenas os clérigos – manifesta o que pensa e deseja de seus pastores e da Igreja.
Na sua humildade, Francisco diz-se normal e pecador. Deste modo, dessacraliza o papado naquilo que deve ser dessacralizado, isto é, nas formas de poder, herdadas não de sua missão pastoral, mas pelo fato do bispo de Roma ter-se tornado príncipe e chefe de estado. Tem-se comprometido em buscar uma forma de exercício do primado, associando o colégio dos bispos à sua missão de inspirar e conduzir a Igreja. E isto é uma dimensão conciliar. Bergoglio insiste na sua condição de bispo de Roma e em falar “de bispo para bispos”, como entre irmãos. O papa Francisco vem retirando prerrogativas do papado e tem se mostrado muito humano. Assim, está tornando-se uma referência, que vai além de qualquer outra liderança de nossa sociedade. A Igreja é santa – não pelo fato de não ser pecadora – e sim porque, nos seus pecados e na sua simplicidade, deve transparecer o mistério e a bondade de Deus, que excedem à pretensão humana. É inegável que Ratzinger, com a renúncia, e Bergoglio, com sua simplicidade, levaram o papado a um reconhecimento pouco cogitado no passado. Oxalá o Papa atual consiga aquilo que foi o propósito do famoso Pacto das Catacumbas, realizado durante o Vaticano II, em que muitos bispos, sob a liderança de Helder Câmara, expressaram o desejo “de uma Igreja servidora e pobre”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário