quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Franklin Jorge é jornalista profissional e, desde jovem, publica nos jornais de Natal. Escreveu vários ensaios a respeito de escritores potiguares, entre eles estão Palmyra Wanderley, João Lins Caldas, Myriam Coeli, Edgar Barbosa, Maria Eugênia Maceira Montenegro, Luis da Câmara Cascudo e Nilo Pereira. O escritor lançou poemas, contos e crônicas. Seus livros são: Impróprio para menores de 18 anos, de 1976, Jornal Amado, de 1978, que traz crônicas inspiradas no convívio com o escritor Jorge Amado que veio a Natal para lançar o livro Tieta do Agreste a convite de Franklin Jorge, Isso é que é e Poemas diabólicos e dois temas de satã, ambos de 1982, Jornal de bolso, de 1985, Fantasmas cotidianos e poemas apócrifos, Spleen de Natal, de 1996, Myriam Coeli memórias, de 1997, e Ficções Fricções Africções, de 1999, um conjunto de oito volumes de contos, obra vencedora do Prêmio Literário Luis da Câmara Cascudo. Atualmente, Franklin Jorge edita o blog O santo oficio.
PET- Quando nasceu e de que forma se dá sua relação com as artes?
FRANKLIN JORGE- Vem de muito longe, essa relação; vem da infância. Minha avó, por exemplo, era uma mulher que tinha cultura e gostos refinados. Leu muito e tinha muitos outros talentos; um deles era o teatro. Então, na propriedade rural onde me criei, no Estevão,às margens do rio Açu, nós tínhamos durante minha infância duas festas, a de São João, que é o padroeiro da sede do município, e a do Natal. Essas duas festas tinham sua parte artística. Tínhamos então os dramas, os bailados, as representações teatrais e isso era resultado de um trabalho coletivo que durava às vezes dois, três meses: os ensaios, a confecção das roupas com papel crepom, feitas para serem usadas em um único espetáculo; roupas decoradas com purpurina colorida; essas roupas eram artisticamente decoradas com desenhos e aplicações que as tornavam peças luxuosas que deslumbravam o público entusiamado. Tínhamos na casa dos meus avós esse amor à cultura e às tradições de uma cultura rural que fazia parte da nossa vida cotidiana. Eu aprendi muita coisa nessa época ouvindo os antigos, como esses contos populares com ressaibos quinhentistas que nos vieram de Portugal e tudo isso era pretexto para que déssemos vida a essa cultura. Havia uma oralidade muito viva que a gente não encontra mais pelos sertões.
PET- Em Informação da Literatura Potiguar Tarcisio Gurgel diz que você “na adolescência já dava sinais de rebeldia”. De que forma essa rebeldia aparece no seu texto?
FJ- Na facilidade com que às vezes tomo posições que me são extremamente desfavoráveis. Mas as pessoas enfatizam muito isso. Bobagens alimentadas pela inércia e comodismo tão característicos. Somos intelectualmente muito preguiçosos, e o natalense padece desse mal, a preguiça de pensar –, o que parece contraditório -; não há a pratica da reflexão, não há crítica, não cultivamos esse hábito tão salutar de dissecar e analisar. Eu me criei no meio dos sertanejos e aprendi com eles a prática de pensar, um lenitivo para os momentos de solidão e os dias em que nada acontece. Muitos dizem, mesmo em entrevistas, que eu penso antes de falar. Frequentemente me dizem isso. Como o sertanejo cuja voz arrastada trai uma carga de pensamentos, tenho a tendência de analisar os fatos. Quanto à polêmica, quero ressaltar mais uma vez que ninguém é profissionalmente polemista. A polêmica decorre do exercício intelectual; se você não é covarde, nem parvo, se você não é
alienado e é capaz de ver, de ouvir, de interpretar e de fazer comparações, fatalmente em algum momento há de se aborrecer com as coisas do mundo e principalmente da política. E aí, se formos minimamente decentes, não podemos calar diante os fatos. Para mim, ver e calar denuncia pusilanimidade moral ou coisa pior.
PET- De que forma se dá o encontro do jornalismo com a literatura?
FJ- Na síntese. Mas é um encontro muito difícil de ocorrer, porque exige uma cota adicional de sacrifício do jornalista. Para ele chegar a ter essa convivência com o espírito das letras significa ter que abrir mão de muita coisa, porque esta é uma relação muito absorvente. Mas quando isso ocorre é muito bom – quando ocorre esse encontro entre jornalismo e literatura -, porque o jornalismo doa à literatura, como doou a mim, a velocidade, o timing, a síntese, entre outras coisas; e a literatura é boa para o jornalismo porque estimula a reflexão e exige, de nós, escritores, profundidade, densidade e, sobretudo, que possamos transcender a circunstancia. Não há produção literária de qualidade, isto é, digna de atenção, sem elaboração e exercício do pensamento, do qual a leitura parece-me, por excelência, o fermento.
PET- Como você enxerga o cenário literário potiguar hoje?
FJ- Como eu enxergava há trinta ou quarenta anos atrás. É uma coisa impressionante porque tudo de alguma forma evolui ou, em nosso caso específico, no caso do Rio Grande do Norte, involui. Aqui tudo fica estagnado e as mudanças, quando ocorrem, são para nos levar a lugar nenhum. Isoladamente a gente tem grandes valores, mas não temos uma política cultural e isso se reflete sobre o anonimato da nossa cultura; ela não tem visibilidade. A maioria dos autores braceja, braceja, braceja e morre ali, na praia; não ultrapassa Macaíba. Nós não repercutimos. Jarbas Martins disse há muito tempo, e Paulo Francis o repetiu, Natal é a cidade mais silenciosa do Brasil; nada acontece aqui.
PET- O Spleen é um livro de destaque na literatura do Rio Grande do Norte. É seu filho querido?
FJ- Não. Eu não sei por que esse livro, que é tão jornalístico e nasceu de uma espécie de astúcia do escritor, isto é, de realizar o trabalho jornalístico sem comprometer muito seus interesses literários. Eu dava então para os editores uma coisa que para eles era muito boa: retratos e memórias desses natalenses com o quais ia conversando no curso dos anos, não de maneira deliberada, mas por acaso e ao sabor das circunstancias que em mim estimulam a criação e que se tornaria uma constante do meu exercício jornalístico - o resgate da
memória, sobretudo, dos idosos. Memória, para mim e para os gregos, a rainha das artes; cultivei nesse livro essa perspectiva e dei atenção às vivências de cada um. Mas, na verdade, essas entrevistas não foram a princípio premeditadas. Foi uma coisa que eu descobri para fazer e a um tempo, ao fazê-las, satisfazia a insaciável fome de publicação dos editores, sem sair muito do universo intelectual que construí para mim a partir da perspectiva de criação de uma obra literária que me justificasse no futuro. Pensei que a prática do jornalismo podia colaborar com esse projeto de escritura que resultou em livros como “O Spleen de Natal”, em três volumes dos quais apenas o primeiro foi publicado e reeditado pela editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Meu livro mais íntimo e pessoal e, também o meu preferido, é Fantasmas Cotidianos.
PET- Você escreveu uma crônica sobre a passagem de Jorge Amado por Natal. Conte-nos um pouco dessa experiência.
FJ – Essa crônica foi uma espécie de malandragem, digamos assim, não a considerei coisa séria, a não ser como registro histórico. A última vez que ele esteve aqui foi a meu convite e aqui, acompanhado de Zélia Gattai, sua mulher e de Calasans Neto, passou uma semana em Natal, em 1978. Ele tinha uma ligação antiga com Natal e alguns bons amigos como Newton Navarro e Cascudo e tinha a mim também, se bem que eu era o mais jovem de todos, era quase um menino. Naquela época eu me aborrecia muito porque queria ser reconhecido como uma pessoa séria e sempre me viam, por minha aparência, como um menino... Foi uma semana riquíssima de convivência e calor humano. Jorge Amado tinha um afeto profundo por Natal e Natal está na obra dele, está em Velhos Marinheiros, em Seara Vermelha. Quando ele esteve aqui, da última vez, pediu para que eu o levasse a um bar lá nas Rocas, na Dona Elvira, que ele havia conhecido há muito tempo naquele boteco ele pôs em A Seara Vermelha. Ele sabia muita coisa de Natal e do Rio Grande do Norte, que creio tenha absorvido em seu convívio com o escritor Milton Pedrosa, de Apodi, que teve destacada atuação no jornalismo do Rio de Janeiro e escreveu aqueles livros deliciosos que ninguém lê mais, esgotados desde muitos anos e sem notícias de reedição. Quando dirigia a Sucursal do Diário de Natal, em Mossoró - depois de ter perdido o contato com ele desde que fui para a Amazônia e me deixei absorver de tal forma por aquela cultura que me descuidei de meus compromissos e relações de amizades -, num fim de tarde toca o telefone na redação e era ele me ligando de Paris ou Portugal, não lembro ao certo. Estava na companhia de Calasans Neto, cuja arte e a verve
eram muito apreciadas pelo escritor baiano. Conversou e começou a contar histórias de Mossoró e às vezes eu ficava muito intrigado, pensando se as histórias que ele contava sobre Mossoró e Natal eram inventadas, mas na verdade eram historias que ele já conhecia há muito tempo e faziam parte do repertório dele.
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