DR.JATENE E
A MEDICINA DO
FUTURO
Geniberto Paiva Campos – Observatório da Saúde/DF –
Agosto/2013
Voltar às salas de aula da UnB é uma emoção sempre renovada. Uma espécie de pedágio afetivo que
pagamos todos nós que vivemos a fase “heroica” da Universidade. Que por
variados , e às vezes incompreensíveis motivos, tornou-se uma espécie de símbolo da
resistência ao regime autoritário pós 1964. E da qual foi cobrado um preço
elevado pelas forças da repressão, na medida em que representava o ensino inovador
e já comprometido com o “futuro”, à época uma velada ameaça à ordem vigente.
Numa bela e ensolarada
tarde de final de agosto/2013 estava marcada a Aula Magna do Curso Médico da
UnB. O tema, normal e coerente com os
tempos de democracia plena:“ O Futuro da Medicina e a UnB do Futuro”, pelo dr.
Adib Jatene, emérito cirurgião cardiovascular, educador de várias gerações,
envolvido de forma permanente com a Saúde Pública. Um profissional que sempre
atuou na tecnologia médica de ponta e que se tornou um incurável e admirado
militante do chamado Partido Sanitarista do Brasil.
Na plateia a predominância era de jovens calouros do curso
médico. De caras pintadas, alegres, educados e confiantes. Aquela confiança
inabalável da juventude. Acredito que a maioria deles não sabia que estava ali
para ouvir a palestra de um dos últimos professores catedráticos do ensino
acadêmico. Uma espécie em extinção. E que não deixará sucessores. As grandes
modificações ocorridas nas últimas décadas na forma e no conteúdo da Medicina, agora,
baseada em evidências, na prática, acabou com saudosa e importante figura da
“professor” que emanava sapiência, fruto da anos de experiência profissional,
de grande tirocínio clínico. E que via, naturalmente, nos pacientes sob seus
cuidados um ser humano que sofria, carente de cuidados, de solidariedade
humana. E também de competência para diagnosticar e tratar a sua doença. Eram
profissionais capacitados a vencer os desafios impostos pela clínica. Com um
mínimo de recursos tecnológicos. Usando as palavras do dr. Adib ,eram médicos
especialistas em gente.
Quem esperava ouvir na conferência do Mestre a defesa
intransigente de modelos assistenciais baseados em hospitais de alta
complexidade e de ilimitada incorporação tecnológica, deve ter ficado surpreso.
O dr. Adib falou sobre a Estratégia Saúde da Família, o papel essencial do
Agente Comunitário de Saúde. Condições em que o usuário passa a dialogar
diretamente como sistema prestador de serviços. Que tem no núcleo familiar e
suas diversas faixas de idade: criança, adolescente, adulto e idoso ,o foco da
sua atenção em Saúde. Potencialmente capaz de resolver 80% dos casos. Com um
mínimo de encaminhamentos para níveis assistenciais de maior complexidade. E de
custos mais reduzidos. Com fortes investimentos em recursos humanos. Com gastos
equilibrados em tecnologias diagnósticas e terapêuticas.
Essa, no entendimento do dr. Adib, a verdadeira revolução na
organização dos serviços de saúde. E pela qual lutou e continua lutando, de
acordo com o emocionante testemunho da dra. Maria de Fátima, sua assessora no
Ministério d Saúde, atualmente professora da UnB. Ela também defensora
intransigente e inteligente das ações básicas de saúde.
O dr. Jatene , em sua palestra, afirmou sua crença no
Sistema Único de Saúde/SUS. Não de forma retórica e ambígua. Descompromissada.
Quando ministro da saúde, percebeu que a disponibilidade de recursos financeiros
deve obrigatoriamente acompanhar os projetos e as propostas para que se
transformem em ações concretas, promovendo as mudanças de estruturas iníquas e injustas. Nesse sentido,
decidiu lutar para que o setor saúde conseguisse ampliar o seu orçamento.
Usando de todo o seu imenso prestígio pessoal conseguiu, sabe Deus como, junto
aos níveis executivo
e legislativo, aprovar a Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira/CPMF. Que imaginou capaz de propiciar mais recursos
para a saúde dos brasileiros.
Conseguido o seu intento, logo percebeu que o chamado “jogo
político”, eufemismo para designar golpes baixos e espertezas, estava
sub-repticiamente, retirando recursos orçamentários ordinários, para compensar
as verbas adicionais obtidas com a CPMF. Mais adiante iria presenciar a extinção
definitiva da contribuição, comemorada com grande entusiasmo pelos mesmos
representantes do povo que a haviam aprovado anteriormente. Este, talvez, um
dos exemplos mais evidentes da prática explícita do cinismo na esfera política.
O dr.Jatene, no entanto, não vê motivos para desânimo.
Afirma com serena tranquilidade, para os jovens que se iniciam na vida
acadêmica, que nada se consegue sem luta
e perseverança. Esta a mensagem do jovem dr. Jatene, que nas suas oito décadas
de vida acredita, com fé inquebrantável, em sonhos e utopias.
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