MÉDICO
CUBANO EM JUCURUTU...
PADRE
JOÃO MEDEIROS FILHO
(pe.medeiros@hotmail.com)
O Congresso Nacional, autoridades do
poder executivo, conselhos de medicina, entidades de classe, imprensa – numa
palavra, a sociedade brasileira – têm discutido nos últimos dias a decisão do
governo de importar médicos estrangeiros, especialmente cubanos. Há aspectos
administrativos, legais, técnicos e éticos em discussão. Não pretendemos nos
ater a tais pontos. Tampouco, queremos entrar no mérito, ao discutir ou afirmar
que o médico é apenas um item do tão complexo sistema de saúde. “Esta não se faz unicamente com um diplomado
de nível superior técnica e legalmente preparado para o exercício da profissão”,
afirmou o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais. Em alto
e bom som, diz-se que são necessários, além de médicos, equipamentos,
infraestrutura, medicamentos, pessoal auxiliar e remuneração digna.
Gostaríamos de abordar o assunto sob o
ângulo linguístico e cultural. Vivemos vários anos no exterior, cursando
graduação e pós-graduação e dominávamos razoavelmente a língua do país. No
entanto, não foram poucas as dificuldades em penetrar na alma e na cultura do
povo, em seus hábitos e tradições ou tentar responder às suas necessidades e
carências. Muitas vezes, nossas doenças corporais e espirituais vêm atreladas à
nossa história familiar e à realidade antropológica e sociocultural. Por
exemplo, como orientar uma dieta rica em legumes, frutas e verduras numa região
árida do nosso sertão? Acreditamos que esse seria um problema contornável. Há
outros, entretanto, que não se solucionam somente com diploma de nível superior
nem apenas com profissional, mesmo altamente qualificado.
Gostaríamos de evocar a experiência de
nosso renomado gastroenterologista, Silvério Soares Neto, quando cursava
programa de residência médica, no Rio de Janeiro. Frequentemente, era chamado a
exercer as funções de “intérprete” para seus colegas, no Hospital do Andaraí.
Ali, todos seguiram idêntico curso de medicina, falavam a mesma língua, mas se
deparavam com culturas e expressões diferentes. Estas são importantes e
indispensáveis para externar o íntimo das pessoas. A ciência e a técnica, por
elas mesmas, não resolvem todos os problemas. São fundamentais o conhecimento
da sabedoria popular, a prática e a vivência, diria o Prof. Iaperi Araújo. Como
os colegas de Dr. Silvério, o que entenderá um médico cubano, quando um
habitante de Boi Selado, distrito de Jucurutu, afirmar: “Doutor, tou com um farnesim danado”. Ou, “Tou com a espinhela caída”. Expressões tais como: “Desmenti a junta da mão e ando com uma dor
forte nos quartos” terão uma resposta adequada? Será que o mais preparado
dos cubanos captará, quando o morador da Serra de João do Vale lhe disser: “Meu doutor, estou com uma queimação da
molesta”. O que se passa a princípio na cabeça de um esculápio, oriundo da
Ilha de Fidel, quando uma mulher simples, envergonhada, mas doente e
preocupada, relatar a sua queixa principal: “Seu doutor, tou com um boi de doze dias”. E ainda acrescenta: “Me dê um conforto, tou no bagaço”.
Ficamos sabendo de fatos acontecidos em
consultas médicas, quando um clínico boliviano, mesmo tendo estudado na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, deparou-se com situações, dignas
dos “causos” de nosso estimado amigo Valério Mesquita. O homem chegou tímido,
sofrido e sentou-se, no consultório do médico, que lhe pergunta: “Que dolores tiene, amigo”? O sertanejo
respondeu-lhe: “Minha comadre Dolores
ficou em casa. Era pra ela vir também”? “No”, respondeu o andino, “quero
saber donde se quedan tus dolores”. O paciente nada entendeu e disse-lhe: “Não doutor, comadre Dolores não levou
nenhuma queda”. A um pequeno agricultor preocupado com as náuseas e vômitos
de sua filha, o médico, natural de Cochabamba, conclui o diagnóstico e afirma
em portunhol: “Sua menina está com
embarazo, hace três meses”.
Pelo visto, quem está embaraçada,
confusa e perplexa é a população brasileira!
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