quinta-feira, 5 de setembro de 2013


MÉDICO CUBANO EM JUCURUTU...
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO (pe.medeiros@hotmail.com)
O Congresso Nacional, autoridades do poder executivo, conselhos de medicina, entidades de classe, imprensa – numa palavra, a sociedade brasileira – têm discutido nos últimos dias a decisão do governo de importar médicos estrangeiros, especialmente cubanos. Há aspectos administrativos, legais, técnicos e éticos em discussão. Não pretendemos nos ater a tais pontos. Tampouco, queremos entrar no mérito, ao discutir ou afirmar que o médico é apenas um item do tão complexo sistema de saúde. “Esta não se faz unicamente com um diplomado de nível superior técnica e legalmente preparado para o exercício da profissão”, afirmou o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais. Em alto e bom som, diz-se que são necessários, além de médicos, equipamentos, infraestrutura, medicamentos, pessoal auxiliar e remuneração digna. 
Gostaríamos de abordar o assunto sob o ângulo linguístico e cultural. Vivemos vários anos no exterior, cursando graduação e pós-graduação e dominávamos razoavelmente a língua do país. No entanto, não foram poucas as dificuldades em penetrar na alma e na cultura do povo, em seus hábitos e tradições ou tentar responder às suas necessidades e carências. Muitas vezes, nossas doenças corporais e espirituais vêm atreladas à nossa história familiar e à realidade antropológica e sociocultural. Por exemplo, como orientar uma dieta rica em legumes, frutas e verduras numa região árida do nosso sertão? Acreditamos que esse seria um problema contornável. Há outros, entretanto, que não se solucionam somente com diploma de nível superior nem apenas com profissional, mesmo altamente qualificado.
Gostaríamos de evocar a experiência de nosso renomado gastroenterologista, Silvério Soares Neto, quando cursava programa de residência médica, no Rio de Janeiro. Frequentemente, era chamado a exercer as funções de “intérprete” para seus colegas, no Hospital do Andaraí. Ali, todos seguiram idêntico curso de medicina, falavam a mesma língua, mas se deparavam com culturas e expressões diferentes. Estas são importantes e indispensáveis para externar o íntimo das pessoas. A ciência e a técnica, por elas mesmas, não resolvem todos os problemas. São fundamentais o conhecimento da sabedoria popular, a prática e a vivência, diria o Prof. Iaperi Araújo. Como os colegas de Dr. Silvério, o que entenderá um médico cubano, quando um habitante de Boi Selado, distrito de Jucurutu, afirmar: “Doutor, tou com um farnesim danado”. Ou, “Tou com a espinhela caída”. Expressões tais como: “Desmenti a junta da mão e ando com uma dor forte nos quartos” terão uma resposta adequada? Será que o mais preparado dos cubanos captará, quando o morador da Serra de João do Vale lhe disser: “Meu doutor, estou com uma queimação da molesta”. O que se passa a princípio na cabeça de um esculápio, oriundo da Ilha de Fidel, quando uma mulher simples, envergonhada, mas doente e preocupada, relatar a sua queixa principal: “Seu doutor, tou com um boi de doze dias”. E ainda acrescenta: “Me dê um conforto, tou no bagaço”.
Ficamos sabendo de fatos acontecidos em consultas médicas, quando um clínico boliviano, mesmo tendo estudado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, deparou-se com situações, dignas dos “causos” de nosso estimado amigo Valério Mesquita. O homem chegou tímido, sofrido e sentou-se, no consultório do médico, que lhe pergunta: “Que dolores tiene, amigo”? O sertanejo respondeu-lhe: “Minha comadre Dolores ficou em casa. Era pra ela vir também”? “No”, respondeu o andino, “quero saber donde se quedan tus dolores”. O paciente nada entendeu e disse-lhe: “Não doutor, comadre Dolores não levou nenhuma queda”. A um pequeno agricultor preocupado com as náuseas e vômitos de sua filha, o médico, natural de Cochabamba, conclui o diagnóstico e afirma em portunhol: “Sua menina está com embarazo, hace três meses”.
Pelo visto, quem está embaraçada, confusa e perplexa é a população brasileira!

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