Valério Mesquita*
É
assim como consigo definir o amigo que se encantou: Pedro Simões Neto. Ele foi
“o pássaro azul” de Maurice Maeterlinck que dizia “nós só morremos, de fato,
quando somos esquecidos”. A minha amizade com Pedro nasceu nas manhãs de
ressurreição dos idos de cinquenta quando ingressamos no Colégio Marista:
primário, ginasial, secundário, até a Faculdade de Direito, direto depois para
as lutas da vida. Atravessou as fases do tempo, como advogado, professor de
Direito, escritor, jornalista, pensador e acima de tudo, como ceará-mirinense
de corpo e alma. Ele foi tanto Ceará-Mirim ao ponto de assemelhar-se a Leon
Tolstoi quando afirmou: “se queres ser universal, começa por pintar a tua
aldeia”. Falar sobre ele a literatura emerge de todas as variáveis da condição
humana. Porque Pedro sabia captar as verdades que se ocultavam por detrás do
funcionamento da sociedade de sua época.
Fomos
missivistas e nativistas incorrigíveis. Fazíamos de Ceará-Mirim e Macaíba,
irmãs siamesas. Numa de suas notáveis epístolas telúricas, confidenciou-me que
ia sempre a sua “Quinta dos Pirilampos”, paraíso incrustado em Tabatinga, área
rural, território macaibense. E em sua viagem de circunavegação polar, além da
ponte de Igapó, proveniente de Ceará-Mirim, dizia-me na narrativa, que “apesar
de todos os perigos, sentia-se tentando a seguir pela estrada que leva a ponte
das lavadeiras, a curva da morte, o peixe-boi, pelos Guarapes, até chegar a Mangabeira,
só para evocar o tempo de menino dos anos cinquenta”. Pedro Simões foi
excelente cronista, memorialista e ficcionista nato.
Tudo
estava dentro dele. A percepção da beleza de Ceará-Mirim e o encantamento do
seu vale, de sua história, como junção amálgama e simbiose entre o ver e o
querer, o desejar e o fazer, o sonhar e o buscar, o nascer e o renascer. Como
Pedro aplacava a indignação dos maus que o afligia? Como ele deflagrava um
renascer permanente de esperanças em torno de sua terra? Eu percebia nele uma
perfeita sintonia de escritor com a vida e a beleza. Acreditava, como o
apóstolo Paulo, que o sofrimento engrandece o homem. Foi um idealista na forma,
no conteúdo e no proceder porque universalizava os seus temas, nascidos na
província, entre os simples. A Academia Ceará-Mirinense de Letras e Artes, da
qual é fundador, imprimiu nova dimensão e estatura cultural ao município de
tantas tradições. Pedro a criou para Ceará-Mirim ascender, sempre, avançar um
percurso sem fim.
A
instituição transformou-se no seu legado, transferido às novas gerações, não
obstante, os contrastes e as heterogeinades da vida social e política. Ela se
consagra pelo homem e para o homem. Revela a humanidade ontem, hoje e sempre do
Ceará-Mirim. Pedro trazia dentro de si, vivo, a alma do seu tempo; os sonhos,
os encantos e desencantos, as paixões telúricas e atávicas, as crenças, os
valores e compromissos. Na sua literatura, entre a realidade e a ficção, muitas
vezes fazia-me lembrar Gustave Flaubert ante a estupefação da sociedade
francesa da sua época, com as aventuras e desventuras de Madame Bovary,
desvendou o mistério: “Madame Bovary sou eu”. Nos seus voos literários em busca
de decifrar enigmas, ele reafirmou a sua vocação literária com um estilo articulado,
conciso e moderno. O nome de Pedro Simões Neto está chantado na província
submersa do Ceará-Mirim, porque foi memória, presente e futuro.
(*) Escritor.
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