Geniberto Paiva Campos –
Brasília / DF (*)
I)
OS FATOS
NÃO ESTÁ FÁCIL ENTENDER OS
ACONTECIMENTOS, MUITO MENOS PREVER OS
RUMOS QUE O BRASIL IRÁ SEGUIR, APÓS O ABALO POLÍTICO PROVOCADO POR DUAS SEMANAS
DE MANIFESTAÇÕES POPULARES.
APARENTEMENTE ESPONTÂNEAS E INCONTROLÁVEIS.
INDEPENDENTE DO POSICIONAMENTO
POLÍTICO DE QUEM ANALISA A ATUAL
SITUAÇÃO, A SENSAÇÃO GERAL É DE PERPLEXIDADE.
E A RÁPIDA EVOLUÇÃO DO PROCESSO EXIGE DOS
INTEGRANTES DO ESPECTRO IDEOLÓGICO/PARTIDÁRIO
QUE DOMINA HÁ ALGUNS ANOS A CENA
POLÍTICA BRASILEIRA UMA CAPACIDADE DE ANÁLISE DEFINIDORA DE CONDUTAS.
IMEDIATAS E A MÉDIO/LONGO PRAZO. CONFIGURANDO, TALVEZ, UM DOS MAIORES DESAFIOS
PARA OS DIRIGENTES DO PAÍS. EM TODOS OS
NÍVEIS DE RESPONSABILIDADE.
DESDE A CONSTITUINTE PÓS – REDEMOCRATIZAÇÃO, A CLASSE POLÍTICA QUE REPRESENTA A SOCIEDADE BRASILEIRA, HABITUOU-SE
A UMA PRÁTICA QUE ASSUME COMO NATURAL :A
FRAGMENTAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DOS PODERES EM INTERESSES DE GRUPOS E DE CLASSES,
CUJA CAPACIDADE DE VOCALIZAÇÃO IRÁ
REFLETIR A SUA FORÇA REIVINDICATÓRIA NO COMPLEXO JOGO DE INTERESSES, QUE SÃO ACOMODADOS PERMANENTEMENTE PELAS
LIDERANÇAS REPRESENTATIVAS DA SOCIEDADE.
NESSE SENTIDO, O CONGRESSO
NACIONAL, OS PARTIDOS POLÍTICOS, A COMPOSIÇÃO DO EXECUTIVO – OBSERVE-SE O
NÚMERO EXPRESSIVO DE MINISTÉRIOS – REPRESENTAM A ACOMODAÇÃO DESSES SEGMENTOS SOCIAIS. SITUAÇÃO DE APARENTE EQUILÍBRIO, QUE É
FACILITADA POR UMA PRÁTICA POLÍTICA BASEADA MAIS NO ACORDO E NA CONCILIAÇÃO DO QUE NO CONFRONTO E NO
EMBATE DAS IDEIAS. TAL CARACTERÍSTICA DE COMPORTAMENTO É ASSUMUMIDA, GERALMENTE
DE FORMA IMPLÍCITA, COMO VIRTUDE E SABEDORIA DA CLASSE DIRIGENTE.
NOVOS ATORES, ALGUNS COM GRANDE
CAPACIDADE DE MOBILIZAÇÃO E VOCALIZAÇÃO NA DEFESA DO SEU POSICIONAMENTO IDEOLÓGICO
OU RELIGIOSO, E DAS SUAS REIVINDICAÇÕES
CLASSISTAS, PASSARAM A OCUPAR ESPAÇO SIGNIFICATIVO NESSE OUTRORA RESTRITO
CENÁRIO POLÍTICO, QUE OS ACOLHE GENEROSAMENTE, E SEGUE COM AS SUAS PRÁTICAS DE
INFINITA ACOMODAÇÃO DO JOGO DE INTERESSES, NUM EQUILÍBRIO PRECÁRIO EM SUA APARÊNCIA, MAS QUE “FUNCIONA”. EMBORA FRAGMENTANDO E
FAZENDO UMA PERIGOSA SEGMENTAÇÃO DO JOGO
POLÍTICO, DESDE QUE OS INTERESSES DE “CLASSE” SEJAM ATENDIDOS, O JOGO CONTINUA,
COM APARENTE SATISFAÇÃO DE TODOS.
INCLUINDO ESSES NOVOS ATORES.
ESSA FORMA DE FAZER POLÍTICA VEM
SE MOSTRANDO COMO DEFINITIVA HÁ, PELO
MENOS, UM QUARTO DE SÉCULO. A ACOMODAÇÃO
E O ACORDO SUBSTITUEM O CONFRONTO, COMO PRÁTICA POLÍTICA CONSAGRADA ENTRE NÓS. RARAMENTE UM EMBATE MAIS
SÉRIO ESCAPA DESSA NÃO DECLARADA LEI DA
CONCILIAÇÃO.
O SURGIMENTO DESSES NOVOS E INQUIETOS ATORES, AGORA OCUPANDO AS
RUAS, INVADINDO SEM NENHUM PUDOR O ESPAÇO PÚBLICO, REPRESENTA UMA INOVAÇÃO E
UMA AMEAÇA A ESTE SÁBIO E CONVENIENTE JOGO, CUJO EQUILÍBRIO DEPENDE DE SABER
COLOCAR, E FAZER OS PARTICIPANTES RESPEITAREM, OS LIMITES NATURAIS PARA O
ATENDIMENTO DE SUAS REIVINDICAÇÕES E EXPECTATIVAS.
COMO ESSES VELHOS POLÍTICOS E
SUAS VELHAS PRÁTICAS IRÃO RESPONDER AO
ATREVIDO DESAFIO DOS MANIFESTANTES? CUJA
PAUTA, SEMPRE MUTÁVEL, ABRIGA OS MAIS DIVERSOS E SURPREENDENTES ITENS?
E, AO QUE PARECE, QUANDO ATENDIDOS, QUAL MEDUSA INSACIÁVEL, SE RENOVAM
EM INQUIETANTES EXIGÊNCIAS?
DEFINITIVAMENTE, OS CHAMADOS PODERES CONSTITUÍDOS NÃO ESTAVAM PREPARADOS
PARA ESTE DESAFIO. E, PIOR, NÃO DISPÕEM
DE INTERLOCUTORES QUE SEJAM CONFIÁVEIS AOS REPRESENTANTES DA JUVENTUDE QUE
OCUPA AS RUAS E DIZEM, DE FORMA BILÍNGUE, QUERER MUDAR O PAÍS: MUDA
BRASIL/CHANGE BRAZIL.
ALGUMAS RESPOSTAS “OFICIAIS”, CUJOS AGENTES ESTÃO SEMPRE NA
EXPECTATIVA DE UM REFLUXO DO MOVIMENTO E UMA VOLTA DA (VELHA) POLÍTICA AO SEU LEITO NATURAL, MERECEM
REGISTRO:
1. DA PARTE DO EXECUTIVO FEDERAL,
O CHAMAMENTO PARA O DIÁLOGO DE DIRIGENTES DE OUTROS PODERES; DOS EXECUTIVOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS, DIRIGENTES
PARTIDÁRIOS E, CLARO, DOS REPRESENTANTES DO MOVIMENTO QUE ESTÁ NAS RUAS. E MOVEU UMA PEÇA
IMPORTANTE DO JOGO: A PROPOSTA DE UM PLEBISCITO, OU SEJA, OUVIR TODO O POVO
SOBRE UMA REFORMA POLÍTICA QUE IRÁ MEXER, BASICAMENTE NAS REGRAS ELEITORAIS
VIGENTES, COLOCANDO NO FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS TODA A EXPECTATIVA DE
DEMOCRATIZAÇÃO EETIVA DO PROCESSO ELEITORAL;
2. O PODER JUDICIÁRIO SE MANTEVE
DISTANTE, INICIALMENTE. EMBORA ALGUNS MINISTROS DO STF, COMO DE HÁBITO, TENHAM
EMITIDO AS SUAS OPINIÕES SOBRE O PLEBISCITO, O REFERENDO E OUTRAS QUESTÕES QUE,
EVENTUALMENTE, TENHAM IMPLICAÇÕES CONSTITUCIONAIS. A RESPOSTA MAIS EVIDENTE, ENTRETANTO, FOI A
ORDEM DE PRISÃO, EMITIDA PELO STF, CONTRA UM DEPUTADO
FEDERAL DA REGIÃO NORTE, CONDENADO POR CORRUPÇÃO, JÁ HÁ ALGUM TEMPO. É
POSSÍVEL QUE ESSA DECISÃO SEJA CREDITADA
AO MOVIMENTO DAS RUAS, EMBORA
SEJAM CABÍVEIS OUTRAS INTERPRETAÇÕES;
3. O PODER LEGISLATIVO TAMBÉM
PROCUROU RESPOSTAS PARA FAZER FRENTE À CRISE TRAZIDA PELAS RUAS. PROMOVEU A
VOTAÇÃO DA PEC 37, DERRUBANDO-A EM VOTAÇÃO QUASE UNÂNIME; PROMULGOU UMA
DECISÃO, NO MÍNIMO DISCUTÍVEL, CONSIDERADA DEMAGÓGICA POR ALGUNS: A CORRUPÇÃO
NO ÂMBITO DO FUNCIONALISMO PÚBLICO SERÁ CONSIDERADA “CRIME HEDIONDO”. HÁ
QUEM ENTENDA QUE “A DEMAGOGIA, PARA ILUDIR O CLAMOR DAS RUAS, É QUE DEVERIA SER
CONSIDERADA CRIME HEDIONDO”;
4. FINALMENTE, A “GRANDE
IMPRENSA” OU A MÍDIA. CONSIDERADA, COM
ALGUM EXAGERO OU COM INTEIRA JUSTIÇA, DEPENDENDO DO OLHAR DO OBSERVADOR, O
“QUARTO PODER” ESTA TEVE UMA REAÇÃO INICIAL DE ESPANTO E IMEDIATA CONDENAÇÃO DO
MOVIMENTO. LOGO DEPOIS AJUSTADA PARA
DECLARADO APOIO. FAZENDO REPERCUTIR O MOVIMENTO, QUE INTERPRETOU COMO CONTRÁRIO
AO GOVERNO FEDERAL. E SEPARANDO, COM
DIDÁTICA CLAREZA, OS JOVENS QUE PEDEM MUDANÇA DOS “DESORDEIROS”, O QUE OBRIGOU
SEUS JORNALISTAS A, RAPIDAMENTE, AJUSTAREM A SUA MIRA. FATO QUE FOI MOTIVO DE GOZAÇÃO NA IMPRENSA
INTERNACIONAL.
(PARTE 2)
II)
AS
VERSÕES
1) O movimento é a mensagem. A mensagem é o
movimento.
O recado/mensagem que se
pretende transmitir é exatamente este. Há uma insatisfação geral. Uma recusa na
aceitação da forma como os dirigentes estão conduzindo os negócios do Estado brasileiro. Como estão
construindo as pautas públicas e definindo as prioridades do país.
Há uma brava gente exigindo participação.
Ainda de forma desorganizada. Por vezes truculenta. Impaciente. Sem focos bem
definidos ou prioritários. Apenas dizendo aos ouvidos surdos dos dirigentes: “-
estamos aqui, para participar do jogo político. E vocês terão de nos ouvir”.
Eles não aprovam a forma como esse jogo está sendo conduzido. E resolveram transformar
o futuro em presente. Chamam a atenção da opinião pública internacional para as
questões que colocam sobre a mesa – o espaço urbano – de negociações.
Esta, talvez, seja a versão mais singela. E, provavelmente, a mais
correta. Ou a menos correta. Novamente, dependendo do ponto de vista do
observador. Vejamos outras possibilidades.
2. O que, ou quem, teria colocado
a turma em movimento?
Há uma propaganda de uma rede de
supermercados que diz assim: “o que faz você feliz?” Fazendo um contraponto,
poder-se-ia perguntar: “o que fez essa
turma infeliz?” a ponto de se enfurecer e ocupar as ruas e praças de várias
cidades brasileiras, obstruir estradas e rodovias, quebrando, depredando,
ateando fogo em viaturas, saqueando lojas? Invadir prédios públicos, ocupar,
simbolicamente, o Congresso Nacional? Promover quebra-quebra no Itamaraty ?
Usando fogo e violência inauditas?
Talvez ainda seja muito cedo para
se obter respostas precisas. Mas é possível estabelecer comparações pertinentes
entre movimentos semelhantes, de
ocorrência recente, em alguns países. Onde as manifestações resultaram de
desemprego, sufocamento das liberdades
democráticas e de um previsível futuro sombrio na economia.
3. (O que intriga os observadores
de todas as tendências é a aparente incongruência entre a motivação e o ato.
Dito de outro modo: muita violência, muito fogo, excesso de truculência e
parcos motivos. Reivindicações tidas como prioritárias, se atendidas, logo eram
colocadas para a última fila da pauta. Novas e difusas exigências
apareciam. A marcha é a pauta. A pauta é
o movimento. Como se houvesse uma motivação recôndita, não declarada. Mas
pairando, latente, sobre a cabeça dos manifestantes. Movendo-os para alvos específicos. Movimento perceptível,
entretanto, aos observadores mais atentos).
4. Algumas indagações podem, e
devem, ser feitas. Desde que perfeitamente cabíveis, nas circunstâncias. E, se
respondidas acertadamente, poderiam explicar as razões e a conduta do movimento:
- teria a inflação atingido níveis insuportáveis, tornando mais difícil a
vida dos brasileiros?
- o desemprego, especificamente
entre os jovens, teria chegado a níveis alarmantes, comprometendo o futuro das
moças e rapazes, prontos a ingressar no mercado de trabalho?
- a liberdade de expressão, a
Democracia representativa, as instituições do país estariam sofrendo restrições
inaceitáveis?
Mesmo ao mais desatento observador da realidade do
país não ocorreria nenhuma resposta diferente de um NÃO! a
essas perguntas.
Então, teria sido a construção
dos estádios que colocou o movimento nas
ruas, praças e rodovias? Como, se não houve o menor protesto durante o período
de construção dos mesmos? Os estádios
somente se tornaram “coliseus” depois de prontos? E no
momento da sua inauguração? A alguém ocorreria a sua demolição? É lícito comparar construção
de estádios com oferta de serviços públicos de qualidade?
5. A busca pelas respostas deve,
consequentemente, escanear outras possibilidades. E entre as possíveis motivações, a que surge com maior
força de evidência, é a Política. Lembrando a frase do assessor do
presidente norte-americano Bill Clinton,
“é a economia, estúpido”, podemos inferir que, neste caso, trata-se da
motivação mais forte: a velha e
inarredável Política, tendo em vista as
consequências do Movimento para o governo central. Acuado entre as ruas, a
Oposição, a mídia, o Congresso e enfrentando as repercussões internacionais do
movimento, claramente um objetivo estratégico dos seus organizadores. É
possível concluir, então, que os manifestantes
tinham objetivos políticos bem definidos. E a melhor evidência: obtido o desgaste do governo central, (a
partir de certo momento, não se ouviu mais falar em prefeitos ou governadores),
houve um claro refluxo no Movimento. Que se quedou mudo, como se satisfeito com
os resultados e, aparentemente, esquecido das reivindicações iniciais. Em outras palavras, um importante objetivo da pauta do “Muda
Brasil/Change Brazil” foi atingido. Ou, de forma bilíngue: “DONE”. De imediato, as pesquisas de opinião mostraram
o início do “derretimento” do governo da presidente Dilma Roussef, cujo índice
de aprovação recuou à metade. Indicando um segundo turno para a próxima eleição
presidencial em 2014. Seria este o objetivo principal do movimento? Saúde,
Educação, Transporte/Mobilidade Urbana, Tarifa Zero, e outras pautas sociais
teriam perdido a prioridade?
6. Se esta análise, por certo
especulativa, estiver correta, estaremos
diante de um fenômeno nunca antes observado na história política da América
Latina. Um governo bem avaliado pela opinião pública, enfrentando de modo
satisfatório, segundo analistas imparciais, uma crise econômica internacional só comparável à de 1929, sofre
um súbito e importante desgaste
político, por conta de movimento articulado
pelas redes sociais de
comunicação eletrônica. Cujo início mostrava-se algo desorganizado e com pautas
erráticas e conseguiu direcionar suas
críticas difusas à “situação política”, concentrando, com êxito, a sua artilharia no governo central.
7.Finalmente, diante do que pode ser observado até o
momento, caberia uma pergunta - de resposta dificílima - sobre a real e efetiva
ESPONTANEIDADE DO MOVIMENTO. Face à coincidência do noticiário sobre a espionagem eletrônica exercida no Brasil,
pelo governo americano ficarão, sempre, algumas dúvidas pairando sobre este
tema. Como de hábito, poderão decorrer
algumas décadas para se obter a confirmação definitiva. Conforme ocorreu na Operação “Brother Sam”,
nos anos 1960. A ver.
8. Paranoia em excesso? Talvez.
Mas, como dizia um sábio humorista mineiro:- “o fato de você ser paranoico não
significa que não possa estar sendo seguido”. Ou espionado, acrescentamos.
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(*) Geniberto Campos é médico potiguar, radicado em Brasília.
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