UMA FAMILIA CHAMADA RIBEIRA VI
Ciro José Tavares
Mais uma vez, montado no meu Rocinante, retomo minhas andanças até chegar às margens do Rio Potengi e, como Siegfried no seu cavalo Grane, soprar minha trompa imaginária e despertar dos deuses e ninfas adormecidos no leito da corrente minhas lembranças da Ribeira. Não me incomoda que pensem alguns ser quixotesca esta luta, para devolver a vida ao bairro amado. Aqueles que assim raciocinam não a conheceram no seu fausto e os homens que ali nasceram, viveram e construíram o futuro da cidade. Este cheiro de saudade impregnado no me corpo é o que me empurra para frente como se eu estivesse sendo movido por impulsos elétricos permanentes.
Criança fui consumidor dos brinquedos da loja Quatro e Quatrocentos, na Rua Frei Miguelinho, até que um incêndio a destruiu impiedosamente. Minhas lágrimas derramadas com ódio do fogo infelizmente não puderam apagá-lo. O vento levou as cinzas e os brinquedos, como as pombas da infância do poeta Paulo Mendes Campos não voltaram nunca mais. O inesquecível pianista Oriano de Almeida falou-me muitas vezes da Ribeira carinhosamente e sua composição Canção para Natal, em parceria com Waldemar Henrique, termina poeticamente com o verso “coqueiros namoram as velas brancas no rio.” Oriano nasceu em Belém, capital do Pará, mas menino veio para Natal, foi batizado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação e fincou raízes. Seu primo, Waldemar de Almeida, recém-chegado da Alemanha, anteviu seu enorme potencial durante breve execução de algumas peças ao piano e decidiu conduzi-lo seriamente ao universo da música. Estudou na Ribeira, no Instituto de Música do Rio Grande do Norte e foi aluno do mestre Câmara Cascudo que lecionava História da Música. Tendo passado a maior parte de sua vida viajando para concertos nos países mais diferentes, nunca deixou de voltar à Natal,para visitar o padrinho, maestro Waldemar de Almeida, seu antigo mestre, o amigo Veríssimo de Melo e saber notícias do cirurgião José Tavares que o libertou de um grave problema no pé.
A pouca importância dada à Ribeira, que foi historicamente gênese social, política e empresarial do Rio Grande do norte, leva muitas pessoas ao desconhecimento dos fatos acontecidos, do valor dos habitantes, nascidos e criados e que dali saíram para conquistar seus espaços mundo afora. Tomaso Babinni, um violoncelista italiano que, ao lado do maestro Waldemar de Almeida e do mestre Câmara Cascudo, ensinava no Instituto de Música, chegou ao consultório do Dr. José Tavares com um relato preocupante. Casado com uma potiguar, seu enteado era brilhante aluno de violoncelo. Jovem imprevidente quis um dia fazer o que não era do seu feitio: Subir numa mangueira para colher as frutas maduras. O galho em que se apoiava não resistiu e ele despencou. Na queda, fratura no braço direito e uma carreira promissora de músico posta em risco. Coube ao Dr. Januário Cicco, que era o médico da família, a urgência. Redução feita, o moço ficou afastado do violoncelo. Quando voltou à atividade, queixava-se de dores, confessando a dificuldade de tocar seu instrumento. Foi então que o padrasto decidiu ouvir a opinião do outro médico e o diagnóstico alarmente. A fratura não fora bem reduzida. Fazia sentido, o Dr. Januário era otorrino. Tem solução? Sim, quebramos o braço uma segunda vez e colocamos o osso no lugar. A família concordou, o Dr. Januário ficou uma fera e o novo ato médico realizado.Curado, voltou aos estudos. Tendo aprendido no Instituto tudo quanto lhe podiam ensinar, deixou Natal e sua Ribeira. Assim como o amigo e colega Oriano de Almeida, Aldo Parisot conquistou com o violoncelo as plateias do mundo e tornou-se maestro consagrado em Nova York.
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