Carlos Roberto de Miranda Gomes, advogado e escritor
Sou um notívago contumaz e, por esta razão, aproveito a minha insônia com devaneios, sonhos românticos e construção de castelos.
Numa destas últimas noites mal dormidas tive um pesadelo - certamente influenciado pela estória do confinamento de pessoas na novela "Salve Jorge" e pelos depoimentos que tenho presidido na Comissão da Verdade da UFRN, onde vejo a realidade de uma história passada nos "anos de chumbo", por uma plêiade de jovens idealistas potiguares, que ansiavam melhores dias para o seu povo.
Nesse pesadelo, um "anjo" me apareceu e disse: é fácil ficar insone curtindo a liberdade! E quando a insônia decorre da sua falta?
Refleti e vi-me de repente confinado em uma sala, sem uma explicação lógica, sem permissão de contato com a família, enfim, jogado à própria sorte.
Pessoas que conhecia, de quando em vez, me avistavam e no meu desespero rogava - avisem que eu estou preso aqui, sem poder sair e sem saber os motivos desta restrição. Eles sorriam e nada providenciavam.
De outra feita, os responsáveis pelo meu confinamento faziam galhofa - você não está preso, tenha paciência!
No meu sonhar aflito meditava como fugir ou conseguir um contato com alguém que me socorresse naquela esdrúxula situação. Pedia, sem resultado; consegui passar um recado para uma velha tia, implorando que avisasse ao meu pai (vivo no meu sonho) e ela com um ar de indignação sem lucidez, ponderava: "preso?". Porém o que chegava aos seus ouvidos não encontrava abrigo na sua compreensão e tudo continuava no mesmo.
Gastava o tempo naquele espaço procurando a fiação telefônica, pensando uma forma de violá-la para obter acesso a um telefone. Consegui, mas o aparelho era daqueles que dependiam de pedir uma linha e tudo voltava à "estaca zero".
Foi então que outro "anjo" me acordou e eu senti um peso desmedido pressionando a minha cabeça. As badaladas do relógio cerebral marcavam 4 horas da madrugada e resolvi buscar papel e caneta para escrever alguma coisa, mesmo com o silêncio quebrado pelos "estalos" da geladeira, o miado de um dos meus gatos ou latido de um cão na rua.
Escrevi e escrevi. Mais que isso, meditei e meditei - onde estava o pensamento Kanteano de que a liberdade é o maior bem da vida!
O imperativo categórico da minha situação de insônia me colocou na cela com aqueles "meninos" que entrevistei - Geniberto Campos, Arruda Fialho, Gileno, Paulo Frassinetti, Iaperi, Rinaldo Barros, Juliano, Ives... ao lado de outros que não entrevistei - Ginani, Hélio Xavier, Maria Laly, Danilo Bessa, Berenice, Tereza Braga, Djalva Confessor ... e então pude sentir o que significa a insônia sem liberdade, sem opções imediatas, mentalizando o momento da soltura, do reencontro familiar, do retomar o caminho natural da vida. Foram amadurecidos com "carboreto", tirando do fruto o sabor de um amadurecimento natural, livre de pressão externa.
Desolado, lembrei do meu tempo de universitário, na mesma época e no mesmo palco daqueles personagens, onde por questões de sobrevivência de um prematuro casamento, com o peso da paternidade e a necessidade de garantir a subsistência, fui omisso no campo das lutas sociais, embora torcesse pelo sucesso daqueles jovens idealistas.
Hoje estou pagando o preço do meu silêncio, por compreender com integral lucidez a diferença da insônia com liberdade e a castração do sono no confinamento. Embora sem fazer juízo definitivo do valor das ações desenvolvidas, faço apenas a apologia do valor incondicional da liberdade.
De repente, não mais que de repente, o clarão do dia nascente e o gorjeio de dezenas de passarinhos me despertaram e uma única palavra me veio à mente - DESCULPEM!
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