HÁ
QUANTO TEMPO
De repente, em um momento pode crer, no shopping, ouvi alguém
dizer: arrodeie, Anquelau. Foi um
sinal, que destravou as amarras, liberando-me para um retorno à terra onde
nasci. Energias mobilizadas a serviço da retrofilia. No entanto, segurei firme.
Em casa, recordei aquela expressão – arrodeie – e relembrei
lugares, momentos, falas, todos com um
CEP ancorado a uma senha do passado: Areia Branca - RN. E me dei conta de que
outros elementos, ligados aos nossos sentidos, encontram-se adormecidos em nós,
em uma hibernação espaço-temporal com pequenos soluços ressuscitatórios. Aqui, eflúvios
remanescentes de nossa meninice pedem passagem, em uma Sapucaí privativa, sem
rainhas, porta-bandeiras ou comissões de frente.
Só então me dei conta de uma
realidade. Há quanto tempo não ouço o Santo Anjo do Senhor cantado em grupo, como prenúncio de sonhos de
menino, sob o empolgado comando de um maestro invisível, as redes em desalinho.
Há quanto tempo não ouço o barulho gostoso do revoar
dos massaricos travessos, com suas canelinhas de massarico, sem notícias de
seus primos urbanos – os quero-queros -, que se exibem nos estádios de futebol,
com pose e tempo para os flashes.
Há quanto tempo não escuto o
palavreado das pessoas do povo, quando, com seus lustrosos baldes de alumínio,
caminhavam pelo velho mercado público, ouvindo gritos de marchantes e
peixeiros, cada qual com seus odores e suores. Lá fora, um bom cuscuz feito no
pires, na boca da chaleira, ao custo de quinhentos réis, ladeado por tapiocas
branquinhas e pamonhas invejosas, exibindo sua capa que sabemos roubada da
espiga.
Há quanto tempo não vejo meninos
de chambre branquinho, tentando esconder seu penico de igual cor, segurança
para os xixis que certamente viriam ao longo de uma madrugada quente que se
anunciava, com seus barulhos de fantasma. É que o banheiro ficava fora da casa,
e o medo impediria o controle do tempo-bexiga.
Há quanto tempo não pego na mão uma
taioba, com sua cor branco-amarelada
especial, nacarada, tipo madrepérola, e não sinto o prazer quase sideral de
degustar esse belo marisco com um arroz branquinho, vendo a fumaça subir nos
cantinhos do prato.
Há quanto tempo não sinto o
cheiro gostoso espalhado pelo oró que servia de forro nos porões dos barcos e recobria
as frutas trazidas pelos beijus, para em
seguida alimentar cabras e cabritos da meninada.
Há quanto tempo não sinto a
emoção de passar – e acho que nunca mais sentirei – correndo descalço pela Rua
do Meio, no sentido do Cine Coronel Fausto, ou no contrafluxo dessa empreitada,
em busca de não sei o que, sabendo-o.
Há quanto tempo não sinto o
cheiro das primeiras chuvas, em um ano/meninice qualquer que, brincando de
escorregar pelas telhas ressecadas, com jeito de velhas e sabor de salitre,
escorriam por bicas disputadas pela molecada, com seu alarido no justo tom da
esperança. Lá longe, bem depois de Tibau, relâmpagos prepotentes berravam
desaforos que ribombavam no oitão da igreja.
Há quanto tempo não sinto na
pele o vento solto que vagueia pela prainha de Zé Filgueira, quando de passagem
para a praia do meio. Ao chegar, um banho na mais pura e cristalina água que o
mar pode produzir, com os siris exibindo suas patinhas com jeito de cortador de
palito.
Há quanto tempo, finalmente, não
assisto à apresentação de um pastoril de verdade, como os em que dançaram
Marinete e Dodora. Em alguns momentos, para matar a saudade, vemos algumas
quadrilhas de São João muito modernas, mais para a Marquês de Sapucaí que para o
mês de junho. Aqui, a lembrança de Chico de Boquinha que, com seu entusiasmo e
sua alegria, participava dos grupos que comandavam os pastoris de então, sempre
antenado com os eventos socioculturais da cidade.
E você, há quanto tempo não embarca
em uma canoa, na Rampa, sob a égide de um vento irresponsável, ladeado pelo
descompromisso, e toma o rumo de Barra e
Pernambuquinho?
Se der preguiça de falar, senta
e aponta com o dedo. É lá.
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Esta crônica está no Blog ERA UMA VEZ EM AREIA BRANCA
www.areiabranca.wordpress.com e eu resolvi enviar para você.
Que tenha bons momentos neste final de semana. Evaldo Oliveira.
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Que tenha bons momentos neste final de semana. Evaldo Oliveira.
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