sábado, 2 de fevereiro de 2013


HÁ QUANTO TEMPO
                De repente, em um momento pode crer, no shopping, ouvi alguém dizer: arrodeie, Anquelau. Foi um sinal, que destravou as amarras, liberando-me para um retorno à terra onde nasci. Energias mobilizadas a serviço da retrofilia. No entanto, segurei firme.
Em casa, recordei aquela expressão – arrodeie – e relembrei  lugares, momentos, falas, todos com um CEP ancorado a uma senha do passado: Areia Branca - RN. E me dei conta de que outros elementos, ligados aos nossos sentidos, encontram-se adormecidos em nós, em uma hibernação espaço-temporal com pequenos soluços ressuscitatórios. Aqui, eflúvios remanescentes de nossa meninice pedem passagem, em uma Sapucaí privativa, sem rainhas, porta-bandeiras ou comissões de frente.
                Só então me dei conta de uma realidade. Há quanto tempo não ouço o Santo Anjo do Senhor cantado em grupo, como prenúncio de sonhos de menino, sob o empolgado comando de um maestro invisível, as redes em desalinho.
Há quanto tempo não ouço o barulho gostoso do revoar dos massaricos travessos, com suas canelinhas de massarico, sem notícias de seus primos urbanos – os quero-queros -, que se exibem nos estádios de futebol, com pose e tempo para os flashes.
                Há quanto tempo não escuto o palavreado das pessoas do povo, quando, com seus lustrosos baldes de alumínio, caminhavam pelo velho mercado público, ouvindo gritos de marchantes e peixeiros, cada qual com seus odores e suores. Lá fora, um bom cuscuz feito no pires, na boca da chaleira, ao custo de quinhentos réis, ladeado por tapiocas branquinhas e pamonhas invejosas, exibindo sua capa que sabemos roubada da espiga.
                Há quanto tempo não vejo meninos de chambre branquinho, tentando esconder seu penico de igual cor, segurança para os xixis que certamente viriam ao longo de uma madrugada quente que se anunciava, com seus barulhos de fantasma. É que o banheiro ficava fora da casa, e o medo impediria o controle do tempo-bexiga.
                Há quanto tempo não pego na mão uma taioba,  com sua cor branco-amarelada especial, nacarada, tipo madrepérola, e não sinto o prazer quase sideral de degustar esse belo marisco com um arroz branquinho, vendo a fumaça subir nos cantinhos do prato.
                Há quanto tempo não sinto o cheiro gostoso espalhado pelo oró que servia de forro nos porões dos barcos e recobria as frutas trazidas pelos beijus,  para em seguida alimentar cabras e cabritos da meninada.
                Há quanto tempo não sinto a emoção de passar – e acho que nunca mais sentirei – correndo descalço pela Rua do Meio, no sentido do Cine Coronel Fausto, ou no contrafluxo dessa empreitada, em busca de não sei o que, sabendo-o.
                Há quanto tempo não sinto o cheiro das primeiras chuvas, em um ano/meninice qualquer que, brincando de escorregar pelas telhas ressecadas, com jeito de velhas e sabor de salitre, escorriam por bicas disputadas pela molecada, com seu alarido no justo tom da esperança. Lá longe, bem depois de Tibau, relâmpagos prepotentes berravam desaforos que ribombavam no oitão da igreja.   
                Há quanto tempo não sinto na pele o vento solto que vagueia pela prainha de Zé Filgueira, quando de passagem para a praia do meio. Ao chegar, um banho na mais pura e cristalina água que o mar pode produzir, com os siris exibindo suas patinhas com jeito de cortador de palito.
                Há quanto tempo, finalmente, não assisto à apresentação de um pastoril de verdade, como os em que dançaram Marinete e Dodora. Em alguns momentos, para matar a saudade, vemos algumas quadrilhas de São João muito modernas, mais para a Marquês de Sapucaí que para o mês de junho. Aqui, a lembrança de Chico de Boquinha que, com seu entusiasmo e sua alegria, participava dos grupos que comandavam os pastoris de então, sempre antenado com os eventos socioculturais da cidade.
                E você, há quanto tempo não embarca em uma canoa, na Rampa, sob a égide de um vento irresponsável, ladeado pelo descompromisso,  e toma o rumo de Barra e Pernambuquinho?
                Se der preguiça de falar, senta e aponta com o dedo. É lá.
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Esta crônica está no Blog ERA UMA VEZ EM AREIA BRANCA
www.areiabranca.wordpress.com e eu resolvi enviar para você.
Que tenha bons momentos neste final de semana. Evaldo Oliveira.

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