O velho catador de
lixo
Por Augusto Leal, engenheiro.
Estava sentado
no alpendre de minha casa, olhando o mar e o nascer do sol, sentido a orquestra
tocando a canção da vida, com os acordes do vento, das ondas do mar, o abanar
das folhas dos coqueiros. Quando procurava conversar com Deus, lembrando que
este ano perdi a convivência material de muitos amigos, espiritualmente eles
continuam comigo. Como estarão suas famílias, nesta época de festas – Natal e
Ano Novo- muitas, acho consoladas com a Paz de Cristo, outras talvez não. Senti
uma tristeza, mas procurei entender os passos da vida, todos nós seguiremos o
mesmo caminho.
Um
pouco distante, vejo um senhor velhinho,já com a sua coluna vertebral se
curvando, fazendo com que a sua aparência seja de uma pessoa que sempre olha para
o chão e com passos lentos revirando o lixo, procurando ali o seu sustendo e
provavelmente dos seus dependentes. Lembrei-me que aquele cidadão que é
brasileiro igual a mim, faz este triste percurso há mais de trinta e oito anos
e nada ou quase nada foi feito neste lugar para que as pessoas melhorem sua
posição social, para que se viva com um pouco mais de dignidade, que já é hora
para os políticos tomarem vergonha na cara e parar de ser hipócritas, para que
pelo menos as crianças que nasceram nas próximas décadas não vejam cenas
tristes como eu estou vendo.
O
velho homem passa por mim lento e triste, em um esforço físico procura levantar
o rosto e me dar bom dia, para minha
surpresa deseja-me Feliz Natal. Olhei para a minha consciência, os olhos
lacrimejaram. Como eu que venho há trinta e oito anos neste local, nunca dei um
grito de alerta para que me poupassem daquela cena, ao contrário, sempre
assisti calado. Eu uma pessoa que tive bem mais oportunidades na vida, eu uma
pessoa que pude estudar, não fiz nada e como a maioria dos veranistas da Praia
de Cotovelo, não fez nada por aquelas pessoas que tanto poderiam ter sido
ajudada por nós. Erramos sim, só olhamos do portão das nossas casas para
dentro, até para o lado, não olhamos, para dar um alô ao o vizinho. É difícil,
esta é a nossa sociedade consumista, “venha a nós o vosso reino.” Vivemos em
uma sociedade, que pensamos em ter um super carro, sem termos uma boa casa, que
temos uma boa casa, mas vendemos para comprar uma em um condomínio de luxo,
pois lá estão as pessoas ditas ricas. Não vamos aos hospitais fazer um pouco de
caridade, não passamos nos bairros humildes para levarmos um cobertor aos que
não tem roupas, não levamos uma ceia para os que mendigam nas ruas, para os que
tem fome, e ainda falamos que somos Cristãos.
De
longe no imaginário ouvi uma valsa que minha tia Cristina tocava muito em seu
piano na casa de meu avô, Fascinação – Os sonhos mais lindos sonhei /De
quimeras mil/Um castelo ergui. Pensei comigo, quais foram ou são os sonhos
deste velho homem, quais são os seus castelos? Será que foi ou é justo ele ter
passado a sua vida assim? Não sei, talvez se Charlie Chaplin tivesse visto este
senhor e esta cena, ele fosse um dos seus personagens nas suas tristes
comédias. Embora tenha aprendido cantando: “Que na vida a gente tem que
entender que um nasce pra sofrer, enquanto o outro ri,” não me sentia
confortável, para mim era triste.
Mas o ato
daquele simples homem mostrou-me que podemos viver cordialmente, aprender que
ao passar por outro devemos pelo menos dar um bom dia, uma boa noite, de sentir
a dor alheia, de falar com Deus e pedir perdão das nossas omissões, dos nossos
pecados, de procurar amar o próximo. Que mesmo tendo as adversidades da vida é
possível olhar para o seu semelhante e desejar pelo menos um Feliz Natal.
“Este
ano quero paz no meu coração, quem quiser ser meu amigo, me dê à mão.” Vamos
fazer um novo ano mais caridoso, vamos compartilhar amor e amizade, vamos
procurar amenizar a dor dos mais carentes, vamos procurar valorizar a família,
vamos não só ir aos cinemas, teatros, boates, restaurantes caros, vamos também
aos hospitais, as casas de caridades, aos lares mais carentes. Esses são meus
desejos de um Feliz Ano Novo.