sexta-feira, 3 de agosto de 2012


"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - (XXX) - Dra. Lúcia Capanema
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MEGAEVENTOS E SEGURANÇA PÚBLICA: O QUE HÁ DE NOVO?
O Rio de Janeiro não é tão virgem em megaeventos como muitas vezes se quer fazer crer. A mercadoria “Rio” é antiga e pelo menos o carnaval e o réveillon em Copacabana deveriam servir de referência quando se discute segurança pública em grandes eventos. O cerco policial e militar, com o consequente massacre no Complexo do Alemão, em junho de 2007, estiveram fortemente motivados pela “segurança” dos Jogos Pan-Americanos. É também conhecido o quanto mobilizações de milhões de pessoas na cidade não só não constituem qualquer novidade como também tem sido, ao longo de décadas, demonstração de baixíssimos índices de violência, aliás mesmo mais baixos que em dias prosaicos no cotidiano da cidade, quando não há nenhum megaevento.
Então, por que tanta preocupação com a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016? Haveria nesses megaeventos mais gente circulando na cidade do que no carnaval? Haveria maiores reuniões de gente num só lugar que o réveillon de Copa ou, mesmo, o Rock in Rio? Em que sentido a atual construção do “cinturão de segurança” das UPPs tem qualquer coisa a ver com os eventos programados na cidade para os próximos anos? Estão construindo também uma “central de videovigilância e segurança” que pretende vigiar e inspecionar, como nunca antes, as ruas, praças e estádios da cidade. Qual a justifi cativa?
Parece que há um argumento fantasmático, para o qual, inclusive, planeja-se treinamento especial das polícias: o terrorismo internacional! A lembrança das olimpíadas de Munich recobre, mesmo que anacronicamente, o espectro de medo e pânico moral que justifi cariam todas essas medidas.
Evidentemente são necessários preparativos específicos sempre que muita gente se reúne. Quando astros – do showbiz ou dos esportes – movimentam-se juntos em um grande evento, medidas de segurança são geralmente tomadas e não variam muito em relação àquelas que cercam a presença de chefes de estado estrangeiros em uma cúpula na cidade. No entanto, todos devem lembrar-se do exagero que foi a ocupação da cidade pelo exército (uma força que nada tem a ver, nem preparo para isso obteve, com o controle de populações e segurança pública) durante a Rio-92, a cúpula do meio-ambiente. As estatísticas de crimes na cidade, no período, nem aumentaram nem diminuíram substancialmente, continuaram apresentando-se normalmente altas.
Quem ganha com a indústria do controle que está sendo montada na cidade com vistas a garantir a segurança dos megaeventos? Se a população da cidade for benefi ciada com uma queda das taxas de crimes violentos que persista depois dos megaeventos, então não haverá dúvidas em se avaliar positivamente as medidas tomadas. O futuro dirá se o benefício não será exclusivo da indústria da segurança, que se alimenta da sensação de insegurança e do pânico com o terrorismo – essa criatura que se defi ne exatamente por enganar os melhores serviços de segurança do mundo.
O fato de o projeto de segurança a ser implementado inspirar-se na experiência das últimas Copas sugere olhar para o que aconteceu na Alemanha e África do Sul e inferir de que forma práticas semelhantes poderão ser reproduzidas no Brasil. Um exemplo é a questão das greves. Como já apresentado, as diversas violações aos direitos dos trabalhadores têm provocado uma série de greves em todo o território nacional e o governo se manifestou no sentido de haver um plano de contingência em caso de paralisação dos trabalhadores do evento.84
Na África do Sul, trabalhadores envolvidos em uma disputa quanto a pagamentos foram violentamente reprimidos. Em um protesto contra os baixos salários, os manifestantes foram recebidos com gás lacrimogênio e balas de borracha.85
7.2. Exemplos Locais
No Distrito Federal, durante um protesto pacífi co em audiência pública sobre o legado da Copa do Mundo, realizada no Senado Federal, em setembro de 2011, dois membros do Comitê Popular foram detidos. O ato que provocou a detenção foi a abertura de uma faixa dizendo: “Sr. Ministro Legado Social não é igual a lucro pra multinacional.”
A abertura da faixa nem mesmo interrompeu a sessão e nenhuma reclamação foi
feita pelos participantes da audiência. Mesmo assim, a polícia legislativa solicitou a retirada dos manifestantes e do lado de fora – longe das câmeras – coagiu os membros do Comitê e exigiu a entrega da faixa. Frente à recusa, os policiais ainda tentaram levar um dos manifestantes para a delegacia localizada no subsolo do prédio, o que não aconteceu apenas graças à intervenção de dois senadores e uma senadora, sob a alegação de que não faziam nada de errado. Os manifestantes foram liberados sob ameaça de resultado diverso caso repetissem o mesmo ato no Senado.
Ainda no Distrito Federal, a Comemoração da “Contagem dos Mil Dias para a Copa do
Mundo” foi palco de uma megaoperação policial. Uma espécie de ensaio do que ocorrerá durante os jogos. A atuação da polícia foi seletiva. Em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília entre as três com maior concentração de população negra no Distrito Federal, foram mobilizadas trinta viaturas e a população foi duramente reprimida. No total, mais de três mil pessoas foram abordadas pela polícia em um raio de trinta quilômetros do local da Comemoração. 86
Nesse quadro, a criação de unidades especializadas de policiamento voltadas especialmente para a realização dos megaeventos no Distrito Federal, conforme prevê o programa do governo87, e a realização de debates locais para montar planos localizados de atuação, como em São Paulo88, é algo que deve ser mantido sob vigilância da sociedade civil para que os abusos já praticados não se tornem a regra durante os megaeventos.
84
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Natal – a Arena das Dunas é o estádio mais atrasado. 
Manaus – a Arena da Amazônia será um dos 4 elefantes brancos segundo TCU. 
No Rio de Janeiro, uma prática recente do Poder Público vem sendo associada à realização dos megaeventos: a instalação das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora em comunidades do entorno do Maracanã, da Zona Sul carioca e nos corredores de trânsito que ligam os aeroportos principais a esses locais. Em torno do Maracanã, que sediará a final da Copa do Mundo, o Governo do Estado fechou o que seria um cinturão de segurança com a implementação da UPP da Mangueira no dia 2 de novembro de 2011.89
Investimentos na ordem dos R$3 bilhões serão aplicados para garantir a segurança dos megaeventos na cidade do Rio de Janeiro e as UPPs representam uma das principais iniciativas nesse sentido,90 indicando que a presente política de segurança do Rio de Janeiro está sendo equacionada com vistas aos megaeventos.
As ações realizadas nas favelas do Complexo do Alemão no final de 2010 pelas polícias militar e civil, Exército e Marinha e a permanência da ocupação militar do local são parte do plano maior de segurança que também coloca em risco os direitos dos moradores das comunidades afetadas, com práticas como a busca e apreensão no interior das residências sem mandado judicial, revistas vexatórias91 de pessoas sem indicação de delito, toque de recolher92 e imposição de “regras especiais”, como a necessidade de aviso e permissão prévia para realização de quaisquer reuniões privadas com número de convidados além de um certo limite. Apesar do elo nem sempre ser expresso na mídia e na fala dos representantes do Poder Público, em recente entrevista o diretor de Produtos e Destinos da Embratur defendeu as ações como parte da construção de uma imagem positiva do Brasil no exterior de modo a alcançar o pleno aproveitamento do potencial turístico megaeventos.93
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