4.3 Autoritarismo, Sonegação de Informações e Vedação à Participação Popular. Em sua maioria, as decisões sobre destinação orçamentária, prioridades eleitas e projetos previstos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 não foram, em nenhum momento, submetidas ao escrutínio e ao debate públicos, sendo não raro implementadas através de medidas administrativas que passam ao largo tanto dos espaços consolidados de participação da sociedade civil, tais como os Conselhos da Cidade e Conselhos de Política Urbana, ou da apreciação dos próprios sujeitos afetados, primeiros interessados em manifestar-se. Os representantes dos movimentos sociais no Conselho Nacional das Cidades conseguiram aprovar a criação de um Grupo de Trabalho específico sobre a Copa do Mundo de 2014, o qual, no entanto, encontra-se praticamente inoperante. Na cidade de Recife, foram seguidas as solicitações de apresentação e discussão dos projetos com a população, sem sucesso. Por sua vez, nos poucos casos em que se verificou a realização de audiências públicas e estudos de impacto, argumentos tecnocráticos e a falta de vontade política dos estores tornaram inócuas as tentativas populares de problematização dos projetos, desprezando denúncias de irregularidades e alternativas indicadas. Exemplo disso é o caso do Mercado Distrital do Cruzeiro, em Belo Horizonte, alvo de projeto apoiado pelo Município, que pretende sua demolição para a construção de um shopping center, hotéis e estacionamento para dois mil carros. Moradores do entorno e comerciantes são contrários ao projeto e organizaram, em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil, um concurso de projetos arquitetônicos para revitalização do mercado, como alternativa ao empreendimento. O resultado do concurso seria apresentado no dia 2 de setembro de 2011 ao prefeito que se recusou a comparecer na data56. Tal postura é adotada pelos três entes federativos (União, Estados e Municípios) como também no âmbito dos três Poderes. No que diz respeito ao Legislativo, o discurso da “urgência” tem inviabilizado o debate sobre as inúmeras normas legais de exceção aprovadas por exigência da FIFA, do COI, de seus parceiros comerciais e de interesses corporativos de vários tipos – empreiteiras, associações empresariais, proprietários de terra, etc. Mesmo com forte resistência dos moradores da região, a Câmara de Vereadores de Belo Horizonte aprovou em maio de 2011 a privatização de parte da Rua Musas, no bairro Santa Lúcia. A venda do espaço público e dos lotes no entorno deverá servir à construção de um luxuoso complexo hoteleiro pelas empresas Mais Investe/Verga/Tenco57. Em Curitiba, a Lei Municipal n.13.620/201058 concedeu, sem qualquer contrapartida justifi cável, R$90 milhões em “potencial construtivo especial” para a obra particular do Estádio João Américo Guimarães, que receberá os jogos do Mundial de Futebol, apesar da oposição unânime de cidadãos, entidades e movimentos sociais em duas audiências públicas. Tampouco as demais reivindicações de informação e participação popular então formuladas foram atendidas59. 56 Vide notícias veiculadas no Jornal O Estado de Minas: http://www.em.com.br/app/noticia/ gerais/2011/09/04/interna_gerais,248721/discussao-sobre-o-mercado-distrital-do-cruzeiro-nao-avancana-prefeitura.shtml 57 Mais informações sobre o caso em: http://www.salveamusas.com.br/ 58 Art. 1º Fica instituído o potencial construtivo especial relativo ao Programa Especial da Copa do Mundo FIFA 2014. Art. 2º O Programa autoriza a concessão de potencial construtivo de, no máximo, R$ 90 milhões de reais, referentes ao valor previsto para execução das obras exigidas para adequação do Estádio selecionado para sediar a Copa do Mundo 2014. 59 As reivindicações apresentadas em audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba encontram-se sistematizadas no Documento de Providências. Disponível em: http://terradedireitos.org.br/wp-content/ uploads/2010/09/DOCUMENTO-DE-PROVIDENCIAS-AUD-COPA-DO-MUNDO.pdf Quanto aos conflitos judiciais, a tendência predominante é de desconsideração dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV), com processos de tramitação sumária e decisões liminares que minam as possibilidades de intervenção das partes hipossufi cientes, deixando-as à mercê da arbitrariedade dos gestores públicos. Nesse sentido, relatos das 65 famílias despejadas por decisão judicial da Vila Recanto UFMG, em Belo Horizonte, indicam que foram tensas e infrutíferas as negociações com a prefeitura, estendendo-se por vários anos, sem diálogo nem transparência por parte desta. O município desapropriou a área por utilidade pública, não para atender à função social da habitação como prevê a legislação, mas para obras das Avenidas Presidente Antônio Carlos e Abraão Caram, principais vias de acesso ao estádio Mineirão60. 60 O caso foi objeto de análise sociológica em “A Copa, a Cidade e a Vila”, disponível em: http://www.fafi ch. ufmg.br/gesta/BARBOSA,_Th iago_A_Copa,_a_%20Cidade_e_a_Vila_-_um_estudo_de_caso_sobre_a_ Vila_Recanto_UFMG.pdf
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