LNRCC 60 – ANOS “A onda do coração não espumaria tão bela se o velho rochedo mudo do destino não se lhe opusesse”, escreve Hölderlin no seu clássico Hyperion. Há quase um século isso terá acontecido nas vidas dos dois principais atores da história da liga Norte –Rio -Grandense Contra o Câncer. Por volta de 1912 ou 1913, Luiz Antônio Ferreira Souto dos Santos lima migra do Assu para Natal e instala sua modesta escola na rua da Palha. Ali. Pelas mãos de dona Marquelina Tavares, recepciona José que vem para continuar seus estudos, iniciados no ambiente do lar sob os cuidados da irmã, Josefa, que falecera. Não obstante as dificuldades familiares, ambos olhavam o futuro cobertos de esperança. E foram os sonhos os elementos catalisadores do entrelaçamento, no misterioso tabuleiro de xadrez onde as Parcas movimentam as peças das nossas frágeis trajetórias. Abandonando o cenário da juventude reencontram-se no Rio de Janeiro, o mestre e o discípulo, agora colegas na Faculdade de Medicina, onde concluíram o curso em 1926. Convites para permanecer na Capital da República não faltaram. Mas, seus espíritos estavam povoados do sentimento cristão da caridade e amor pelos humildes excluídos e estigmatizados por doenças. Conheciam as necessidades do Estado e optaram pelo regresso. Luiz Antônio é o primeiro e aqui conhece e se aproxima de Januário Cicco, na sua incansável luta no centenário hospital de Petrópolis. Ao regressar, José Tavares é apresentado ao diretor que o convida a fazer parte da reduzida equipe. Os primeiros dias foram terrivelmente difíceis, reclamações de parte a parte. José Tavares e Luiz Antonio significavam a modernidade oposta aos métodos defendidos pelos antigos colegas e conterrâneos. Januário não estava habituado às intervenções clínicas rápidas, aos métodos terapêuticos inovadores. Assim temeroso de possíveis desastres externava inconformismo. O que é certo é que, guardadas as devidas proporções, a época vivida, José Tavares e Luiz Antônio superaram as resistências realizando a grande revolução na Medicina do rio Grande do Norte. Através da capacidade investigadora e atenta de Luiz Antônio a clínica médica dá respeitável salto de qualidade. Pelas mãos de José Tavares, onde Asclépio depositou o caduceu de Hermes, mensageiro dos deuses e protetor das almas, a cirurgia atinge fronteiras não alcançadas até então. Arrastados pelas paixões políticas dos anos 30 afastaram-se do hospital, porque suas posições políticas colidiam com as de Januário, adepto do Interventor Mario Câmara. A decisão custou amargo arrependimento. Repetidas vezes ouvi as lamentações de José Tavares acerca do acontecido e pelo tempo gasto com a política em prejuízo de sua bela profissão. O reconhecimento de Januário aos dois colegas aconteceu em 1945, quando da criação do Serviço de Pronto Socorro de Natal, ao convidar José Tavares para diretor. Luiz Antônio, alegando o peso dos anos, declinou de sua participação. Ao assumir sua nova função. José Tavares procurou modelar a unidade dentro dos padrões aprendidos com Godoy Moreira, no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo, e nos serviços de medicina de urgência de Finochietto e Ottolenghi, em Buenos Aires. Ainda que possuidores de temperamentos tão distintos nada abalou a amizade ao longo de todo tempo. Isso só é possível aos seres humanos incomuns. Quando Luiz Antônio, sem consultar e caixa zero, adquiriu, nas Quintas, o acanhado espaço para construir o hospital que hoje leva seu nome, perplexo José Tavares apenas perguntou: Como fazer? Dividir preocupações e não medir sacrifícios. Luiz Antônio ficou com a mobilização da sociedade local que seria chamada a colaborar na magna iniciativa e José Tavares a tarefa de alavancar recursos federais com o apoio dos amigos com enorme trânsito nos gabinetes governamentais: Raimundo Brito, Deolindo Couto. Mariano de Andrade, Souza Aguiar, Fernando Paulino, Jorge Marsilac, entre tantos outros. A liga Norte-Rio-Grandense de combate ao Câncer, cujos 60 anos comemoramos,teve sua semente plantada num terreno de grandes dificuldades e incertezas. Luiz Antônio foi uma espécie de Paulo, o apóstolo que diuturnamente pregava o evangelho da solidariedade e José Tavares o Lucas da mendicância, discípulo pedinte, porta após porta, dia após dia. Se vencemos, se continuamos nossa escalada vitoriosa é porque a fortaleza de hoje representa a bravura do passado. Emociona-me reencontrar os colaboradores homenageados presentes à confraternização. Sei que gostariam de vir aqui agradecer. Peço-lhes permissão para fazê-lo, mãos entrelaçadas às religiosas da Ordem de Santana e às das infatigáveis voluntárias da Rede Feminina, Finalmente, volto meu pensamento, minhas saudades para os inesquecíveis criadores e construtores desse edifício. Profundamente adormecidos, permanecem vivos na aurora do tempo. Confesso-lhes que sinto seus vultos, estrelas inapagáveis emergindo para nos acompanhar nesta solenidade. Inclinemo-nos diante da memória dos nossos mortos queridos que não envelheceram , oferecendo-lhes o mesmo galardão pedido por Leônidas e seus espartanos nas Termópilas: ”Lembrem-se de nós”.
terça-feira, 17 de julho de 2012
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