quinta-feira, 9 de junho de 2011


Parai, coveiros apressados!___________________

Roberto Guedes

Quando picaretas a soldo governamental começaram nesta segunda-feira, 6, anteontem, a quebrar o concreto armado do ginásio de esportes Humberto Nesi, muitos natalenses se deixaram invadir por uma sensação estranha. Ocorreu-lhes que, de repente, está chegando para Natal a 25ª hora em relação a destruir seu patrimônio sem certeza de estar fazendo a coisa certa.

A mim o episódio lembrou o início de um dos mais famosos discursos pronunciados em sepultamentos de políticos brasileiros:

“Parai, coveiros apressados”, proclamou o médico gaúcho Batista Luzardo, em oração que virou disco com grandes pronunciamentos brasileiros nos anos cinqüenta.

Como apregoam as autoridades determinadas a destruir, logo depois virá o início da demolição do estádio João Machado. Alguns desportistas suspeitam até de que esta destruição venha a ser impactada na calada da noite, a fim de que muitos conterrâneos sintam somente a dor do fato consumado, sem se render à sensação de haver assistido aos golpes sem nada fazer para evitá-los, contribuindo para o insucesso com o cruzar omisso de braços.

Graças a um planejamento exógeno, ginásio e estádio precisam ceder espaço a uma mirabolante criação arquitetônica de estranhos a Natal para que esta capital se habilite e se consolide como uma das catorze sub-sedes da Copa do Mundo de Futebol de 2.014.

Exigidas apenas em função de um evento que se prenuncia portentoso, demolição e construção implicam num investimento muito acima de tudo o que os poderes públicos envolvidos com este projeto ousaram aplicar em missões comezinhas de Estado, da erradicação de doenças, da fome e da ignorância à oferta de um mínimo de segurança às famílias aqui residentes.

Os golpes contra o ginásio se chocam com informações que recomendam muita cautela antes de começarem a dilapidar o patrimônio potiguar. Poucos dias antes de a picaretagem se impor no canteiro de obras de Lagoa Nova, um “ranking” divulgado pelo ministério do Esporte mostrou que Natal permanece na condição de lanterninha entre todas as catorze sub-sedes no tocante ao calendário dos investimentos demandados pela atração da Copa do Mundo.

Poucos dias depois de ser afastada do cenário da Copa das Nações, a cidade viu o governo federal inserir no cenário deste certame outras capitais estaduais que haviam sobrado na montagem do cenário dos sonhos para a Copa do Mundo. Belém e Goiânia ganharam aí uma quase certeza de que disputam algo certo, a substituição de Natal no tabuleiro da Copa do Mundo.

Neste cenário, ocorreram dois episódios locais que deveriam merecer muita reflexão.

Na semana passada um dos mais conhecidos desportistas de Natal, o deputado estadual Gustavo Carvalho (PSB), ex-presidente do América Futebol Clube, pediu a palavra para pedir aos conterrâneos algo que talvez só coubesse aos que desde o início pugnam pela preservação do João Machado e do Humberto Nesi.

Defensor sistemático de todos os esforços visando garantir a presença da Copa em Natal, o parlamentar pediu que a cidade só implodisse as duas praças de esportes depois de adquirir toda certeza de que no lugar delas se erguerá no tempo previsto para o certame a “Arena das Dunas” que tinha virado canto de sereia para muitos outros potiguares. Infelizmente para as duas construções, também este alerta ecoou pouco em Natal, onde uma mistura de interesses estranhos lesionou a capacidade de percepção de muita gente, criando uma onda de Maria-vai-com-as-outras incapaz não de decidir pela preservação do Humberto Nesi e do João Machado, mas pelo menos de colocar racionalidade no enfrentamento da questão. Até hoje, a implosão dessas praças de esportes trai interesses econômicos e políticos, em detrimento da saudável necessidade de conferir o que temos e podemos perder.

Autoridades governamentais mostraram anteontem, durante audiência pública na câmara municipal de Natal, que o executivo estadual não tem a menor condição de recuperar o estádio Juvenal Lamartine, que vinha sendo considerado o cenário de jogos de futebol na capital potiguar entre o fim do João Machado e a inauguração da Arena das Dunas.

Por todos os critérios tecnicamente levantados, da necessidade de oferecer segurança aos freqüentadores à indispensabilidade de se estudar o impacto do empreendimento no trânsito de Tirol e Petrópolis, é melhor, aos olhos da secretaria estadual de Infra-estrutura, deixar como está a velha praça de esportes. O diagnóstico, aliás, abre outra questão: é preciso dar uma nova destinação para o terreno do Juvenal Lamartine. Doado pelo governo do Estado, o imóvel só deveria permanecer nas mãos de instituição desportiva enquanto servisse ao esporte. Sua aposentadoria há alguns anos e a necessidade de grandes investimentos para sua reabilitação, argumentada nos últimos meses pela posseira do imóvel, a Federação Norte-rio-grandense de Futebol, demonstram que o terreno já deve ser devolvido ao legítimo dono, a fim de cumprir missão de efetivo interesse público.

Sem o investimento no Juvenal Lamartine, Natal volta a se ver sem um estádio comum a todos os times locais para sediar jogos de campeonatos estadual e de outras origens, receber visitantes e continuar figurando em certames nacionais, a não ser que paguem, em todos os sentidos, pedágio ao ABC pelo uso do Maria Lamas Farache, que lastimavelmente a crônica esportiva prefere mencionar como “Machadão”.

Paradoxalmente, esta perspectiva dói em muitos torcedores de América e Alecrim, os clubes que não gostariam de cantar suas loas na casa abecedista, fazendo honras com o chapéu do maior rival local, e só encontram alternativa a cem quilômetros de distância, caso passem a levar seus atletas a enfrentar os adversários em Goianinha.

Nenhum deles parou para refletir sobre o quanto esta dor pode se alongar por muito mais tempo, indefinidamente. É certo que sofrem ao pensar em usar o Maria Lamas Farache até à inauguração do Arena das Dunas. Masoquistamente, porém, esta sensação também se lhes configura um alívio. Parece lhes garantir que a partir de 2.014 Natal contará com o estádio maravilhoso do qual, até hoje, só tomou conhecimento através de uma criação virtual em computador, sem nenhum adereço técnico que lhe dê a sustentação de projeto arquitetônico e estrutural.

Ou seja: sofrem pensando numa dor passageira, imaginando que a perda de um braço humano será compensado por uma criação artificial de neurocientista. Ficar sem estádio comum a todos os clubes locais por dois anos? A inauguração do “Arena das Dunas” compensará este sofrimento. E se não houver “Arena das Dunas”, sem que nenhum Nicolelis possa compensar a falta do João Machado e do Humberto Nesi, quem e como amenizará a dor desta amputação?

Natal está prestes a se colocar no papel daquele policial que abre “Um corpo que cai”, um dos melhores filmes do extraordinário Alfred Hitchcok. Ele pula do alto de um edifício, que poderia ser chamado de João Machado, para outro, que aqui mereceria o nome de Arena das Dunas, e, não alcançando este, cai entre os dois prédios, perdendo a vida ao chocar-se com o chão duro da realidade.

(Publicado originalmente na edição desta quarta-feira, 8, hoje, do “Jornal de Roberto Guedes”, veiculado nas quartas-feiras pelo matutino natalense “Novo Jornal”).

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