A POESIA DA MULHER POTIGUAR
Súplica
Auta de Souza
Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;
Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;
Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos...
Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
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Ai, flores de meu verde prado…
Myrian Coeli (Potiguar de coração)
Ai,flores de meu verde prado,
Fazei acordo comigo.
Que das manhas do amor sentido
Vistes vós o desalmado.
Ai, flores, procurai o amado,
Ao rouxinol perguntai.
Bem asinha logo aprazai
Tempo de estar ao meu lado.
Ai, flores de meu verde prado,
Tanta ausência jaz comigo
sem grito de esperança, ázigo
canto da amante e do amado.
Desse amor que descaminha
por quem só vivendo ama,
Ai, flores de verde rama,
triste sina estar sozinha.
( cantigas de amigo / 1980)
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Banho (rural)
Zila Mamede
De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando
um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio
com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio
onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba
e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali perdia-se, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava
por longo capinzal, cantarolando:
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes
velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.
Moldava-se em sabão, estremecida,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio d'água era carícia antiga.
Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.
Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.
Então era a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural.
segunda-feira, 14 de março de 2011
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