terça-feira, 17 de janeiro de 2023

 

O vandalismo, as suas origens e formas

Padre João Medeiros Filho

A humanidade progride célere em muitos aspectos, notadamente tecnológicos. Entretanto, o homem evoluiu pouco interiormente. Comporta-se em certas circunstâncias como os vândalos medievais. Estes, segundo alguns historiadores, dentre os quais, Procópio de Cesareia, procedem de uma tribo germânica, sediada em Cartago (cidade da Tunísia, na África do Norte). O termo origina-se provavelmente de “wandalen” (os que vagam, em alemão antigo). Em 455, invadiram o Império Romano, saquearam a sua sede e arruinaram importantes obras de arte. Surgiu então a palavra vandalismo, definindo ações irracionais de depredação de bens públicos e privados. Segundo etimólogos, o termo foi usado pela primeira vez em 1794 pelo bispo Henri Grégoire, em Blois (França), para denunciar a destruição de objetos culturais, durante a Revolução Francesa. O étimo foi dicionarizado, a partir da derrubada da Coluna de Vendôme (Paris), símbolo do poder napoleônico. Com o tempo, a palavra adquiriu a conotação de destruir, destroçar etc. A origem de tais ações deletérias está no radicalismo ideológico, político, cultural ou religioso. Na Antiguidade, as diferenças teológicas entre arianos e católicos foram uma constante fonte de tensões e batalhas.  

Tal fenômeno resiste às civilizações. Na Segunda Guerra Mundial, obras históricas e artísticas foram saqueadas nos museus da Europa. Em 2001, assistiu-se à demolição da estátua de Buda, do século IV.  Em 2015, a parte antiga de Palmira, cidade síria fundada no período neolítico, foi devastada. Vândalos continuam ativos, inclusive no Brasil hodierno. Ao passar por várias cidades, encontram-se monumentos históricos pichados ou parcialmente arrasados, sob o olhar complacente de alguns. A impunidade torna-se um incentivo aos novos bárbaros, sedentos de sórdidas vanglórias. Propriedades privadas não ficam imunes a esses predadores. Lugar algum está a salvo dessas agressões. É deplorável verificar que nem sempre seus autores são pessoas de nível socioeconômico ou intelectual elementar. Ao adentrar em certos prédios universitários, escolas e logradouros públicos depara-se com barbáries.

Repudiamos veementemente todo e qualquer tipo de vandalismo. Um erro não justifica outro. É uma estultícia, porque os bens materiais não são culpados pelos atos reprováveis de autoridades ou proprietários. No entanto, como cristãos, caberia refletir sobre algumas realidades, denominadas pelo Papa Francisco como vandalismos invisíveis. “Estes, apesar de silenciosos e aparentemente não violentos, podem deixar sequelas físicas, psíquicas, morais, e econômicas irreversíveis.” Há dificuldade em tipificar como ações de vandalismo desmandos e improbidades administrativas, deteriorando o ente público, ética e economicamente. Isso poderá desencadear movimentos de protesto e revolta. Pessoas reagem contra abusos que consideram graves. Não há controle. Portanto, inescrupulosos se misturam, extravasando sua violência. Têm atitudes danosas, como fizeram os vândalos, em Roma e alhures, noutros momentos da História. Em determinados lugares e ocasiões, alguns movimentos organizados tentam disseminar o medo ou ampliar o caos. 

O vandalismo não tem limites, pátria ou lado. Ele não é apenas material. Lamentavelmente, o patrimônio público é irresponsavelmente o mais atingido por aqueles que deveriam conservá-lo. Afinal, vivem-se tempos do “é proibido proibir”, da cômoda presunção de inocência, da retórica dos defensores de “direitos humanos”. Os malefícios do vandalismo invisível, afirma o atual Sumo Pontífice, “fazem estragos e vítimas, não obstante sua forma sutil e sorrateira, entretanto não menos perniciosa.” Perguntemo-nos: saquear o erário, à sorrelfa, não se configura em um tipo de vandalismo? Não o será também deixar por desídia hospitais, estradas e escolas públicas funcionando precariamente? Como classificar a eventual sede institucional de revanche? Cientistas políticos e sociais indagam: aprovar leis levianamente, desprezando a transparência, em detrimento do bem-estar do povo, não se enquadraria nessa espécie de destruição? Linguistas interpelam: impor sem convencimento e diálogo a linguagem neutra não é aviltar o idioma pátrio e sua norma culta? À luz da Ética, atitudes vandálicas são injustificáveis. Lê-se no Livro dos Salmos: “Muitos têm boca, mas não falam; olhos, mas não veem; ouvidos, mas não ouvem” (Sl 115/113-B, 5-6). Nos dias atuais, quem terá a coragem e a dignidade de bater no peito e fazer o “mea culpa”?  Diz ainda o salmista: “Até quando, Senhor Deus, os ímpios triunfarão?” (Sl 94/93, 3).

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