RELEMBRANDO TIA SOFIA DE ANDRADE DUARTE
Valério Mesquita
Mesquita.valerio@gmail.com
Rua Voluntários da Pátria 722, Cidade
Alta, Natal. Telefone: 2901. Era o endereço do casal Temístocles Duarte e Sofia
de Andrade Duarte. Corria o ano de 1954. Eu chegara de Macaíba aos 12 anos para
estudar no Colégio Marista e neste lar me hospedei, trazido pelos meus pais.
Sofiinha, assim chamada carinhosamente por todos, era a filha caçula de Dario
Jordão de Andrade e Sofia Curcio de Andrade, filha de imigrantes italianos.
Mas, em minha tia, pontificavam os traços ineludíveis dos ancestrais europeus,
cuja juventude em Macaíba e Natal chamava a atenção pela beleza. Herdou, ainda,
de sua mãe a coragem espartana, quando enfrentou a viuvez – ainda muito jovem –
genitora de uma prole de seis filhos: Clóvis, Nair (minha mãe), Dario,
Floriano, Nilda e a própria Sofiinha.
Clóvis Jordão de Andrade foi
funcionário federal da Alfândega em Recife, além de escritor e poeta com vários
livros publicados. E Dario Jordão de Andrade destacou-se na magistratura como
juiz de Direito e jurista de reconhecido valor no Rio Grande do Norte. Do
casamento com Temístocles, funcionário concursado do Fisco Estadual, nasceram
Sililde e Ticiano Duarte. Emerge, agora, como uma saga da memória, a primeira
residência à rua 13 de Maio, hoje Princesa Isabel. Ali próxima, a modesta
mercearia de minha avó, pois, a família Andrade sempre foi unida e pacífica sob
o comando seguro da sua matriarca. Mas, Sofiinha, era a líder inconteste dos
irmãos. A sua palavra soava como a última em qualquer assunto, fosse familiar,
político, religioso, comercial, etc.
Recordo o seu desempenho pragmático e
ostensivo quando saía às compras com a mana mais velha Nair. Na “Nova Paris” de
Nivaldo Bonifácio, avenida Rio Branco, após a sessão de prova de perfumes,
minha mãe, antes de escolher, por hábito consuetudinário, consultava a irmã:
“Sofia, esse perfume parece o melhor. O que acha?”. Sofiinha, envolvente e
itálica, gesticula e convence: “Nair, minha mana, é porque você não provou
este”. Sob o olhar curioso de Nivaldo, a obediente Nair assentia docilmente.
Relembro Sofiinha, católica
apostólica romana e sua fé fervorosa na Virgem Maria. Acompanhava-a no terço
semanal do Patronato da Medalha Milagrosa, na Praça André de Albuquerque. Ela
se destacava pelo espírito nato de liderar, opinar e persuadir. Sililde,
Ticiano e eu não escapávamos de suas repreensões domésticas. Ali perto, na
Voluntários da Pátria, a vizinhança amiga, a Padaria União de Avelino Teixeira
Filho, e seu marketing aliciante: “Impera pelo estoque, domina pelo trato e
convence pelo preço”.
Por outro lado, testemunhei sua
altiva disposição de luta e coragem espiritual na superação de obstáculos que
ficaram em mim como radiosas manifestações do seu temperamento peninsular. A
propósito dessa imagem recorrente, foi singular sua atitude de socorrer em
Recife o irmão Clóvis, gravemente enfermo, tal qual uma rosa mística. O
primogênito faleceu segurando as suas mãos samaritanas num momento trágico e
emocional. Sofiinha me impressionava pela visão beatificadamente lírica da fé
cristã, no exercício diuturno da recitação do terço e da condição humanitária
de ser.
Outra postura de sua incomparável
beleza de procederb era a dramática e quase teatral exibição de se confessar
macaibense, como se quisesse provar uma verdade científica, universal e
superior de sua cidadania. Isso, comovia a todos. Ela foi, apenas, uma mulher
simples, do lar, da gente, despretensiosa, mas líder e responsável pela
integração democrática da família que irradiava luz rara e personalíssima.
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