ESTADOS UNIDOS: O EFEITO BUMERANGUE
Geniberto Paiva Campos (*) –
Brasília, 08 de janeiro, 2017
(...) “os Estados Unidos, onde se instituiu a primeira e a mais avançada
democracia liberal, sofre o problema do declínio político de uma forma mais
aguda do que em outros sistemas políticos democráticos” (Fukuyama,2014)
“Um fraco rei faz fraca a forte gente” – (Luis de Camões)
1. A VULNERABILIDADE DE UMA GRANDE POTÊNCIA
Ao final da II Guerra
Mundial, em 1945, quando emergiu como potência atômica, os norte-americanos
resolveram usar seu poderio incontrastável do pós-guerra para intervir, direta
ou indiretamente, nos países sob a sua presumida esfera de influência. Sempre
na preservação dos interesses econômicos e geopolíticos da oligarquia
financeira que comanda o país. Usando como pretexto a “defesa e expansão da democracia”.
Assumindo o papel de “gendarme do mundo”. O qual foi consolidado
e expandido nas últimas décadas.
É bastante provável que tenham
usado neste processo expansionista o mesmo critério aplicado na sua marcha
interna em direção ao Oeste do seu território, subjugando ou eliminando nações
indígenas nativas. E quando se apropriaram, em definitivo, de valiosas terras
do vizinho México, incorporando-as de forma abusiva, ao seu território. A esse
tipo de intervenção denominam “Destino
Manifesto”. O que esse estranho conceito possa significar.
Os embates da Guerra Fria
somente fizeram agravar a fúria intervencionista americana. Sempre com o pretexto de exportar a sua “democracia” para todo o Mundo.
Submetendo governos e nações aos seus interesses. Ditaduras cruéis foram apoiadas pela Pax Americana, desde que fossem convenientes aos seus interesses
econômicos e geopolíticos. Claro, sempre em defesa da “democracia”.
Desde a segunda metade do
século XX as intervenções na política interna de povos e nações, em todos os
quadrantes do Mundo, ocorreram num crescendo incontrolável. Tornando-se algo previsível
e natural. Até o tempo presente.
Irã, Coréia, Guatemala, Paraguai,
Cuba, Vietnam, Chile, Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai. Até a queda do “Muro de Berlim”, seguida do
esfacelamento da União Soviética em 1989, foram estes, entre outros, os países
vítimas da “expansão democrática” dos
americanos.
2. PROVANDO DO PRÓPRIO VENENO
O século XXI trouxe a
diversificação do método intervencionista e a ampliação do leque de “inimigos”
a serem neutralizados/eliminados.
O atentado às
“Torres Gêmeas”, de 11 de setembro de
2001, introduziu um componente inesperado na aparentemente tranquila democracia
interna americana. E mostrou a vulnerabilidade do outrora inexpugnável
território dos Estados Unidos em períodos de guerra ou a ataques de grupos
“terroristas”.
O “11 de setembro” deu início, portanto, a uma nova era na política
externa americana. E a conveniente inclusão dos novos inimigos da democracia em
sua lista: o Estado Islâmico, ou o “Eixo
do Mal”, como o ex-presidente Bush Júnior o batizou.
Como se os Estados Unidos
tivessem assimilado todos os equívocos que disseminou pelo Mundo, a outrora
admirada democracia americana vem sendo gradativamente solapada por
intervenções autoritárias, originadas dos poderes constitucionais.
(Vale lembrar por sua
importância histórica, o “Comitê de
Atividades Antiamericanas”, originário do Congresso Americano, iniciativa
do senador Joseph McCarthy, na década de 1950. Talvez um dos subprodutos mais
significativos da Guerra Fria. Esta fase
da vida política iria ficar conhecida como Macartismo.
Um dos períodos mais estranhos e obscuros da política interna dos Estados
Unidos.Um sinal do que estava para acontecer em tempos futuros).
Para os observadores
atentos, o declínio mais acentuado da democracia americana tem início na década
de 1980 com a eleição, de certa forma inesperada, de Ronald Reagan. A qual
marcaria a hegemonia do Neoliberalismo como doutrina adotada internamente, e que
passaria a ser exportada pelos americanos: estado mínimo e lucros sem limites
para o capital especulativo.
A eleição de Reagan, antigo astro
de Hollywood, causou espanto e preocupação em muitos setores, principalmente entre
os estrategistas e intelectuais americanos. O que levou o escritor Gore Vidal a
dizer, numa famosa entrevista, que- Reagan
não seria eleito. – “Por que? ” perguntam os jornalistas. – “Porque aqui não é o Paraguai”, explicou
Vidal. Eleito Reagan, os jornalistas voltaram a procurar Gore Vidal: - “Qual a sua explicação para a vitória do
Reagan? ” - Benvindos à Assunção...”
respondeu o escritor. Com indisfarçado preconceito, pesada ironia, mas como se
pode perceber, em tom profético.
É provável que a partir daí
a política doméstica norte americana tenha começado de uma forma mais evidente
a sofrer influências de sua errática política externa. No seu dia-a-dia e no
processo político eleitoral mais amplo. Por exemplo, na importante escolha dos
seus presidentes.
Reagan, Bush Júnior, e agora
Donald Trump seriam os mais prováveis e significativos modelos presidenciais de
países “subdesenvolvidos” no governo
norte americano. Pela estranheza das suas figuras de governantes e até pelos
métodos utilizados para ganhar eleições.
Os chineses costumam chamar
essa inversão de papéis, aquela situação na qual “as moscas capturam o papel mata-moscas...”
Para combater o extremista
“Estado Islâmico” seriam necessárias medidas extremas, mesmo tangenciando o
mais truculento e primitivo totalitarismo. E o mais grave, praticando atos
terroristas em diversos países, a pretexto de “combater o terrorismo”. E
trazendo de volta ao século XXI os campos de concentração nazistas. Com novos
inquilinos.
Daí a grotesca ideia de
Guantânamo, base americana localizada em território cubano. Nesta “unidade
especial” seriam permitidas sevícias e torturas contra os “inimigos islâmicos”.
E os direitos humanos poderiam ser convenientemente abstraídos pelos americanos.
Afinal, estava sendo travada uma guerra
santa contra o eixo do mal. Assim determinava a doutrina do presidente Bush
Júnior.
Guantânamo, curiosamente,
não ganhou nenhuma denominação midiática de marqueteiros políticos. Como
ocorreu à época de Guerra Fria: “muro da vergonha”; “cortina de ferro”; “mundo
livre”; a “ameaça vermelha”.
Guantânamo continuou
Guantânamo e ponto final. Ninguém ousou apelidar a base norte americana de “Nova Auschwitz”, por exemplo. Havia o
silêncio cúmplice da Mídia americana e dos países simpatizantes...
Internamente, a democracia
americana passou a sofrer sérios declínios, com restrições severas aos direitos
individuais. Dessa vez, por iniciativa do Executivo. E o apoio do Congresso. O então
presidente republicano Bush Júnior, como se fosse um tradicional caudilho
latino americano, passou a decretar “atos institucionais”, facilmente aprovados
pelo Congresso, restringindo outros direitos, em nome da “Segurança Nacional”.
Criando, na prática, um estado autoritário, apenas com aparência de democracia.
Com a justificativa – talvez mero pretexto – de combater o “Islamismo”, e outros inimigos.
Pela ordem, foram editados
no governo Bush, na primeira década do século XXI, as seguintes medidas ou
“atos institucionais” (Moniz Bandeira -1):
1. Suspensão
do direito de habeas corpus para “combatentes inimigos fora-da-lei” e para
aqueles que os ajudaram;
2. Os combatentes
fora-da-lei aprisionados no Afeganistão e levados para Guantânamo estavam
impedidos de recorrer, com base na Convenção de Genebra, às cortes americanas;
3. Deu
ao presidente o direito de deter, indefinidamente,
qualquer cidadão – americano ou estrangeiro – de posse de material de apoio
a hostilidades antiamericanas e de autorizar o emprego de tortura em prisões
militares secretas;
4. Bloqueio
de qualquer ação legal que prisioneiros, detidos como “combatente inimigo “
empreendessem, em virtude de danos e abusos sofridos durante a detenção;
5. Permissão
aos militares americanos e agentes da CIA o engajamento em práticas de torturas.
E autorização para o uso de depoimentos obtidos através de coerção;
6. Concedeu
aos militares americanos e agentes da CIA imunidade contra processos por
torturarem detidos capturados durante o ano de 2005.
Qualquer
semelhança com caudilhos latino-americanos terá sido mera coincidência.
3. A ELEIÇÃO DE DONALD TRUMP E O FUTURO DA
DEMOCRACIA AMERICANA .
A eleição recente de Donald
Trump, para muitos inesperada, tornou mais evidente e mostrou ao Mundo a
complicada situação interna da política americana. A qual vem causando grande
perplexidade em todos os quadrantes do planeta.
É bastante provável que os
eleitores americanos tenham se cansado de tantas intervenções pelo mundo. E
resolvido mudar o padrão.
É incrível o retrocesso da
Democracia e dos padrões civilizatórios na vida americana. Uma sociedade
outrora admirada em todo o mundo desenvolvido. Exemplo e modelo de convívio
civilizado.
A Política nem sempre acompanha as conquistas econômicas, científicas
e tecnológicas dos povos e nações. É provável que a longa duração do regime
escravocrata nos EUA tenha influenciado os seus futuros dirigentes.
Mesmo analistas mais
atilados, no caso americano, têm dificuldade em entender e interpretar para
seus seguidores o que é e para onde caminha a política externa americana. Seus
inúmeros equívocos e repetidas lambanças, nas quais os estrategistas de
Washington são mestres insuperáveis. Absolutamente incapazes de aprender as
lições da História.
Desnecessário, talvez, listar em detalhes, os inúmeros locais onde os
americanos se envolveram em “guerras” e intervenções nas últimas décadas. Onde
conseguiram provar insuperável capacidade destrutiva. Com mínimos êxitos estratégicos:
Iraque, Líbia, Afeganistão, Somália, Iêmen, Síria, no futuro, podem ser “apenas
fotografias na parede” do Pentágono. Mas quantas vidas inocentes ceifadas.
Quantas nações destruídas. Inutilmente. Quem sabe, apenas para atender os
interesses do “complexo industrial-militar”. Longe, muito longe, das prioridades
estratégicas e geopolíticas americanas.
Espera-se que alguns
ensinamentos possam ter sido assimilados.
Aguardemos. Mesmo com
mínimas esperanças em Donald Trump. Que não é, exatamente, um Estadista. Mas,
poderá surpreender.
(*) Instituto Lampião
(1) Moniz
Bandeira, in “A DESORDEM MUNDIAL” - O Espectro da Total Dominação - Ed. Civilização Brasileira , RJ - 2016
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