BRASIL:
PÁTRIA DISTRAÍDA?
Geniberto
Paiva Campos / Brasília
“Todos os dias indivíduos normalmente inteligentes e classes sociais
inteiras são feitos de tolos para que a reprodução de privilégios injustos seja
eternizada entre nós”. (Jessé Souza, “A tolice da Inteligência Brasileira”
– Ed. Leya, 2015)
1.
Há alguns anos, em um programa de TV, a atriz
Kate Lyra criou um inusitado bordão, rapidamente assimilado e repetido pelos
telespectadores: -“brasileiro é tão
bonzinho!” No qual ressaltava a bondade e, sobretudo, a ingenuidade inata
dos nossos patrícios.
Em
livro recentemente publicado, o sociólogo Jessé Souza, atual presidente do
IPEA, pesquisando as origens desse “jeitinho brasileiro”, relata, em sequência
histórica, a participação de Gilberto Freyre,
Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Roberto da Matta, os quais, agregando
ideias de Max Weber, teriam contribuído com respaldo teórico-acadêmico para a
confirmação da tese: os brasileiros são malemolentes, sensuais, cordiais,
decidem com o sentimento (e não com a razão). Portanto, fáceis de serem
enganados, levados na conversa. Não gostam do seu país. E nutrem uma admiração
profunda, perpétua, em relação Estados Unidos e ao seu povo. Aos quais atribuem
qualidades e capacidades sobre-humanas, excepcionais, na esfera moral, pessoal,
técnica e acadêmica. Seres muito próximos da perfeição.
Contornando,
propositadamente, o núcleo de justificativas “acadêmico/científicas”
da tese – muito bem explicitadas no livro do sociólogo Jessé Souza – apresentamos
algumas contribuições a esse debate, defendendo a provável ocorrência de um
viés “político/operacional” no caso.
Produzindo manipulações grosseiras, no intuito de criar na população uma assimilação
acrítica. Ingênua e tola, de conceitos políticos e ideológicos do interesse
externo, contrários aos interesses do seu país. A nosso ver, um fator muito significativo. Que
poderia contribuir para a explicar a permanência de comportamentos sociais e
políticos estranhos da elite e da classe média brasileiras (e da América
Latina), habilmente manipuladas pela Publicidade & Propaganda, de origem
interna e externa. Todas com o mesmo objetivo: fazer os seus habitantes perderem
a esperança no futuro do seu país, reduzindo a próximo de zero o seu orgulho
patriótico. Talvez possa ser atribuído um papel significativo a essa lavagem
cerebral permanente (e competente) dessas agências de Publicidade &
Propaganda na manutenção desse estado de inconsciência coletiva das populações,
vítimas, infelizmente, dessas ações deletérias.
2.
A partir da segunda metade do século 19, o
Capitalismo assumiu características hegemônicas incontestes, enquanto sistema
econômico, evoluindo nos anos seguintes para a esfera política, partindo em
busca do controle direto e indireto do Estado e apoiando sutilmente governos
favoráveis e/ou simpáticos ao sistema. O limiar do novo século mostrou que o
Mundo, na defesa dos seus interesses, estaria disposto a se enfrentar em
guerras totais. (Como afirmou Clausewitz, um reconhecido estadista da época: “a guerra é a política feita por outros meios”).
Na
busca da hegemonia e da sua expansão, países europeus, os Estados Unidos e o Japão, se enfrentaram em duas
Guerras Mundiais que eclodiram no século 20. Segundo argutos historiadores
(Hobsbawm, E.J - 1977), a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais constituem a
mesma guerra. E o que se seguiu, a cinzenta “Guerra Fria” seria apenas um
corolário – ou consequência - das duas grandes guerras. Tais conflitos marcaram
todo o século passado, e como esperado, mostram seus desdobramentos nos dias
atuais.
Desses
sérios enfrentamentos, um país, os Estados Unidos da América, saiu praticamente
incólume em sua base territorial e em sua economia. O incremento das atividades
da indústria bélica americana nos dois conflitos, colocou o país em uma
situação de supremacia mundial no pós-guerra, nos planos econômico e político. E
tornou-se a única e incontrastável potência nuclear mundial. Diferentemente da
Europa, dilacerada, dividida e com a economia em frangalhos.
Após
garantir a sua expansão territorial e conquistar áreas preciosas de terras (e
do petróleo) do México, os norte-americanos confirmaram a tese do “destino manifesto”, um engenhoso e
permanente mecanismo auto atribuído e auto aplicado ao país, o qual passou a
justificar a apropriação de territórios e riquezas do interesse geopolítico ou
econômico do governo americano.
Durante
a Guerra Fria – para muitos estudiosos, ainda em plena vigência, (Moniz
Bandeira. L.A, 2013) - Washington
assumiu o papel, também auto atribuído, de “gendarme
da democracia mundial”, com o envolvimento direto e indireto em invasões
territoriais, golpes de estado e levantes internos em diversos países. Sempre
em nome da defesa da democracia, encobrindo interesses econômicos e
geopolíticos ilegítimos e injustificáveis.
(Retomando
um oportuno argumento do autor do livro, enfatizamos que não nos move nenhum
tipo de sentimento antiamericano ao fazer tais constatações. Estas devem ser
tomadas pelo que são: evidências históricas da formação e da evolução de um
país, com inegável vocação hegemônica, implantando a ferro e fogo o seu
peculiar conceito de “democracia”).
3.
Simultaneamente ao desenrolar da II Guerra
Mundial, ficou evidente para o governo americano, o imenso potencial da Indústria de Publicidade & Propaganda, uma
arma “bélica” às vezes mais poderosa do que os canhões. Com essa arma era
possível induzir comportamentos consumistas: Coca-Cola, ao invés de sucos
naturais; fazer as mulheres adotarem o cigarro como expressão da sua liberdade.
E, por que não? colocar “ideologias” disponíveis nas prateleiras dos
supermercados.
A partir desse ponto, foi montada uma máquina
de conquista de corações e mentes, de alcance mundial, dispondo de recursos financeiros
inesgotáveis, utilizando todos os meios de comunicação possíveis: rádios, tvs,
jornais, revistas (incluindo os “comics” ou revistas em quadrinhos). E ainda a
superpoderosa indústria do cinema, com o envolvimento dos
magnatas da meca cinematográfica de Los Angeles com interesses geopolíticos de
Washington, sendo criada o que ficou conhecida como a “Universidade de Hollywood”.
Perfeitamente apta a interpretar fatos e criar versões convincentes. Se
necessário, reinterpretar a própria História. Ações com a incrível propriedade
de iludir mentes ingênuas e suscetíveis, de todos os quadrantes e origens.
Diante
de tão formidável e bem articulado poderio no campo de Comunicação, tornou-se
difícil, quase impossível, qualquer tipo de discurso contraditório. E foi a
partir de tal conteúdo político/ ideológico do pós-guerra, norteador da Guerra
Fria, que o Mundo foi submetido a um ataque insidioso da indústria de
Publicidade & Propaganda, defendendo e divulgando valores, transcendentes
em sua roupagem externa, mas cujo objetivo essencial era o domínio de
territórios e países de interesse do novo Império. E claro, defendendo, por
todo sempre, o Mercado e a Livre Iniciativa.
São
múltiplos, incontáveis, os exemplos da aplicação dessa política neoimperial no
Mundo. Nos mais longínquos rincões do Planeta.
Em
meados do século 20, o império americano dispunha-se a lutar contra o Comunismo
e pela implantação universal do seu conceito de Democracia. E, no limiar do
novo século, após o ataque às Torres Gêmeas, essa pauta foi ampliada para o
combate ao “terrorismo islâmico”, ou “Eixo do Mal”, no qual os limites da
guerra convencional foram deixados de lado, passando a valer ações
“antiterroristas” que desrespeitariam os Direitos Humanos e regras elementares
de combate definidos na Convenção de Genebra. Talvez fazendo valer, mais uma
vez, os fundamentos do “Destino Manifesto”. O centro de torturas implantado na
base de Guantánamo, até hoje em funcionamento, seria o mais perfeito corolário
dessa constatação.
4.
“Palimpsesto” é um termo pouco usual. De
acordo com o dicionário Houaiss significa “o papiro ou o pergaminho cujo texto
primitivo foi raspado para dar lugar a um outro”.
A
lembrança do termo surge naturalmente, quando decorrido pouco mais de cem anos
do início do período das grandes guerras do século 20, a humanidade continua a reescrever
essa história. Cujo texto primitivo não esmaece. Por mais que se tente apagá-lo,
raspando-o até à medula, seu conteúdo teima em voltar, se fazendo presente nos
dias atuais. Os conflitos bélicos registrados no século passado, dividiram (talvez
de maneira inconciliável) a Humanidade entre correntes políticas e ideológicas
antagônicas.
Para
os que imaginavam que a morte sem glória de Adolf Hitler, numa Alemanha que
agonizava frente aos invasores russos, significou o fim do Nazismo, a História
mostrou que este apenas hibernava. E gradualmente, reassumia o seu lugar no
comportamento humano.
Manifestações
de abusos, intolerância, desrespeito aos direitos humanos, quebra da ordem
jurídica, tortura, atos de violência extrema contra populações indefesas,
submissão do setor judiciário ao totalitarismo, ao “clamor das ruas” ou às
pressões da mídia, extinção do estado democrático de direito. Enfim, o abandono
consentido de práticas civilizatórias, veio a evidenciar que o Nazismo,
redivivo, está sim presente nos mais diversos países. E que para assegurar o
lucro, mesmo indevido e garantir os interesses ilegítimos de Estados e Nações,
estaria permitida a prática de métodos persuasórios ilícitos ou da força
militar explícita para a consecução de tais objetivos.
Caberia,
portanto, à consciência crítica da Sociedade fazer a denúncia bem fundamentada
de tais métodos e manipulações. Como o fez – de maneira serena e corajosa – o
sociólogo Jessé Souza em “A Tolice da
Inteligência Brasileira”. Demonstrando seu elevado grau de ousadia
acadêmica, desde a escolha do título, o autor revisa conceitos estabelecidos
por acadêmicos consagrados, ícones inquestionáveis da Sociologia brasileira.
Submetendo-os ao escrutínio científico atual. Bem distante de uma iconoclastia
oportunista e superficial, procura demonstrar possíveis vieses e equívocos de
mestres do conhecimento sociológico. Num país em que estes reinam soberanos. Tranquilos,
intocáveis, absolutos no pensamento acadêmico. Que nunca ousou criticá-los.
E o
mais importante, denunciando, de maneira firme e inteligente, nos limites da
ortodoxia acadêmica, a forma insidiosa de dominação exercida pelos impérios
financeiros. Fazendo cidadãos adultos - crédulos e atilados- de países
aparentemente livres e soberanos, assimilarem conceitos equivocados e
manipuladores, que servem, tão somente, aos interesses escusos desses Impérios.
Este,
talvez, o mérito maior do corajoso livro do sociólogo Jessé Souza: mostrar que
o Brasil não é uma pátria assim tão distraída.
Ainda
há vida inteligente na nação tupiniquim.
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