N O T A S E X I S T E N C I A I S
POR: GILENO GUANABARA, do IHGRN
Tenho
recebido manifestações de leitores acerca das matérias que público nas
quartas-feiras no JH. Certo dia, uma delas revelou-se grata com a informação de
que D. Pedro II fora favorável à abolição da escravatura, no Brasil. Os fatos
da nossa historiografia são intencionalmente mal difundidos, com prejuízo da
memória nacional.
Com
frequência encontramos em nossa História fatos e personagens que em nada são diferentes
na História da Humanidade. Guardadas as proporções de tempo e de latitude, o
mundo é uma aldeia, cujos habitantes interagem em torno de si e à distância,
desenvoltos, às vezes com traumas, com aventuras e negócios. Se para uns a
História não se repete, para outros a repetição é uma tragédia, só passível de
ser remediada pela lógica da cultura acumulada. Acredito que as pessoas têm a clarividência
instintiva para se rebelarem contra fórmulas arcaicas, repetidas e já superadas
algures e alhures. Enquanto isso, a vida continua.
A ciência econômica
do século XVIII, pela intensificação dos estudos inovadores da economia, revelou
um modus novo, segundo o qual a realidade
se antepõe a práxis do meramente penso,
logo existo. Assim, a ideia em si se submeteria à determinação prévia e
natural das necessidades sentidas e satisfeitas através do trabalho,
decorrência da carência que é motivadora e a razão de ser da sobrevivência da
espécie humana. Tal dicotomia especulativa é também pragmática e não se esgota automaticamente,
nem é excludente entre si.
À determinada
verdade um dos postulados se sobrepõe ao outro, cabendo à intervenção investigativa
definir qual deles é temporal ou permanente. Brotam as teorias, ora contra, ora
a favor de um dos conteúdos divergentes, independente das certezas ou
incertezas que se revelem, ou que se esgotam no estágio vestibular.
Ás vezes, semelhantemente
a duas linhas paralelas vistas a partir de um mesmo ponto, casos ocorrem em que
os conteúdos diferenciados, embora tenham a aparência divergente, quando postos
ao rigor do exame, convergem e se revelam, ao final, como se uma unidade. Assim,
não havendo propriamente uma exclusão, observa-se com facilidade a confusão de conceitos
que eram só divergentes na aparência, pois se tratam de versões assemelhadas,
servindo apenas de pretexto para confundir a realidade.
Ocorrem mudanças significativas de
definições ou de comportamentos, em face de novas especulações, de novas
influências, ou de novos utensílios tecnológicos. O progresso que daí se verifica
contribui para a revolução dos conceitos. É fatível que surjam experimentos
novos, fórmulas experimentais diferenciadas, capazes de se insurgirem contra as
verdades até então estabelecidas. Nada se descarta. Dá-se um acúmulo permanente
de conhecimento, cujo acervo se torna um fato cultural a mais que se armazena e
é disponibilizado em DNA futuro.
Sem muito
esforço, é possível admitir-se uma estreita ligação, mesmo que cartesiana, das
conclusões a que chegou Adams Smith, acerca do valor e da acumulação
capitalista, até chegar-se às formulações de Carl Marx; ou dos postulados filosóficos
individualistas de Emmanuel Kant até as formulações sociológicas de Engels. A partir
do século XVIII as concepções do pensamento aristotélico foram alvo de profundas
reviravoltas, com repercussão na vida, na arte, na política e sua representatividade.
A era dos governos despóticos, teatralizados no centralismo aristocrático, deu
lugar aos embates parlamentares próprios da múltipla representação republicano/burguesa,
no que se consolidou o ente nacional, consequência da Revolução Francesa.
Portanto ciência, política, religião e economia andam juntas, a par de
contradições inerentes.
Eis a Era das Revoluções - 1789/1848, no dizer
de Eric Hobsbawn, um período da História, de conflitos contundentes entre o modus econômico novo a se insurgir
contra o velho modelo, com reflexo na ciência, na religião, na literatura, nas
artes e na gerência da representação política. Mudanças que se deram não pelo
triunfo da liberdade e igualdade em si, uma utopia, mas pela emergência do que
se chamou “middle class”, a classe intermediária, e, por isso, a contradição, espremida
entre, de um lado, a monarquia, a nobreza e a igreja; e, de outro, os
camponeses, os artífices, os burgueses e os pequenos/burgueses. O idealismo, como
fórmula que promoveu a ação produtiva, submeteu-se à produção para satisfazer o
mercado, a “indústria capitalista”, a sociedade burguesa e liberal, mais
precisamente com sede na Grã-Bretanha e França, Estados de onde o modus se consolidou e se disseminou pelo
mundo.
Portanto, a
sociedade burguesa individualista destacou o aparecimento de forças sociais
novas, sua estratificação, complexidade e necessidades. O nascimento do parque
fabril de Lancashire, os princípios da revolução burguesa, as primeiras
ferrovias e a publicação do Manifesto Comunista, foram o sintoma das verdadeiras
contradições que o mundo pariu e assistiu a partir daquele momento. O mundo
continuou a crescer.
Afinal, agora
torço para que os recursos infinitos da internet, a mídia
e os eventos a que se propõem, não se destinem a alienar, como ocorreu a partir
das fábricas ou das igrejas. Temo que, no vazio da ópera, a intolerância desnature
a dialética da realidade: o trabalho, a solidariedade, a propriedade, a ética e
as instituições políticas não sejam descaracterizados. O altar musicalizado dos
hinos e letras grandiloquentes, em louvor de conquistas de menor significado, difundidos
a cabo e a cores, podem contaminar o bom senso. A gravidade estará na difusão de
contradições menores, que subutiliza o pensamento e subestima a inteligência.
Adams Smith e Carl Marx sonharam diferentemente. Pode até o comitê dos negócios e o poder político reprimirem
para não se falar em o ópio do povo.
Mas a verdade nos espera na esquina mais próxima.
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