segunda-feira, 23 de junho de 2014

Marcelo Alves
 


Artigo publicado hoje no jornal Tribuna do Norte:

O legado
 
 
No comecinho da semana, na cigarreira do Ateneu, encontrei, totalmente por acaso, com o grande “Benito”, velho amigo de muitas copas do mundo. “Benito”, aliás, não é o nome de batismo desse conhecido bacharel em direito. É apenas como nós, os das “antigas”, chamamos carinhosamente essa figura que, como na música do outro Benito, “só pensa em rios de dinheiro. Mas, quando chega a hora de fazer o que ele quer, é com a mesada da mulher” (a seríssima Márcia).

Mostrava-se revoltado, quase revolucionário, com a Copa no Brasil e em Natal, especialmente. Falava mal de todos: da Presidenta, do Presidente, da FIFA, do aeroporto, do gordo Ronaldo e até de um tal de Cirus, que eu nem sei quem é. Falava e, em seguida, cuspia, segundo ele fazendo uso de uma técnica moderníssima que ajuda na reflexão.

Confesso que fiquei espantado com o rompante - quase terrorista - do Benito. Nem nos anos do curso de direito, que foram muitos, quase nove, ele havia flertado com a esquerda, nem mesmo com a boa e divertida esquerda festiva. É verdade que, por uns três ou quatros meses, lá pelo meio do curso, ele andou usando uma surrada camisa com a foto de “Che”. Mas isso foi apenas parte de um plano para conquistar o carinho (e outras coisitas mais) de Maria Denise, líder estudantil que, por incrível que pareça, era uma formosura. Teve sucesso, alguns dizem. No mais, por aquele tempo, apenas sobrevivia, biologicamente falando, única condição verdadeiramente necessária para se tornar bacharel em “ciências jurídicas”.

O Benito sempre foi um amante da praia, da cerveja e do futebol. E de belas pernas. Não necessariamente nessa ordem. Na verdade, tudo junto e misturado, se vocês me entendem. Por isso, de espantado passei a desconfiado e, depois de uns 15 minutos de conversa mole, a incrédulo. E disse, já curioso para saber onde ia dar aquela presepada: “Para cima de mim, Benito? Quer enganar a quem?”.

Falando baixo, como se aquilo fosse um segredo de estado (vai ver porque o vice-presidente do EUA estava por Natal estes dias), o Benito confessou: era um teatro. Falava assim com todos nos últimos dias. Tudo era parte de um “plano”. Certamente, “infalível”, pensei eu na hora.

A coisa, segundo ele, era bem simples. Estava de chamego com a Laisinha, “estagiária em um escritório de advocacia famosíssimo na cidade, lá para as bandas do Tirol. Ela sabe que eu sou casado. Mas prometi divórcio. Perninhas lindas”, disse ele. A mulher, a seríssima Márcia do primeiro parágrafo, estava desconfiada, marcando “homem a homem” e por “zona”. Mas era Copa do Mundo e ele, o Benito, não ia ver o “jogo da arquibancada”. Queria curtir a festa com a Laisinha. Ia entrar de “sola” e não ia “deixar furo”. Para tanto, havia se “infiltrado” em uma organização clandestina, de alguns amigos “das antigas”, uma turma da “esquerda” (festiva?), para participar de um protesto. Tinha lugar e hora. Pertinho da Arena, a tarde toda, entrando pela noite, impedindo o jogo agendado para às 19 e, quem sabe, sequestrando o vice-presidente dos EUA ou algum outro dirigente capitalista alinhando ao “Império do Mal”. Para a mulher, ele estaria nesse protesto. Já tinha até umas fotos preparadas para mandar por “whatsapp”. Mas, na verdade, estaria com a Laisinha, curtindo a Copa do Mundo. “E suas lindas perninhas”, completou ele.

Na horinha mesmo, disse: “Homi, isso não dá certo. Como sempre, você vai dar mancada!”. Mas o Benito nunca perde a esperança. Usando o bordão do momento, apenas retrucou: “Sabe de nada, inocente!”. E partiu, para as bandas do Shock Bar, achando-se “um tremendo gavião”.

Quem não conhece bem o Benito, pensa que ele “sabe tudo”. Mas, no fundo, “ele não sabe nada”. Sempre foi “cheio de armação”, mas, no final, só cria é “muita confusão”. E ontem eu soube, por intermédio do Zé de Paula, que, como eu havia previsto, deu tudo errado. O protesto foi cancelado de última hora. Alguns dizem que foi a chuva. Outros, infiltrados nos bastidores na política de alto nível, dizem que protestantes e FIFA fizeram um acordo. Um “acordão”, como está na moda dizer. E todos se deram bem. Alguns com apenas pão e circo. No caso, entradas para o jogo e cerveja gelada. Outros, como sempre, se deram muito melhor. A Márcia, sempre antenada, apesar das fotos recebidas por “whatsapp”, soube do cancelamento por intermédio de um blog de mal traçadas linhas, embora famoso, da terrinha. Deu batida em vários bares da cidade. Por fim, encontrou o Benito e a Laisinha, chamegados, dividindo um copo de budweiser e alguns carinhos a mais. E o bicho pegou...

Bom, e qual o legado dessa confusão toda? Falo da Copa, do Protesto e do plano “infalível” do Benito. Um colossal estádio (chamado de “Arena”) e três ou quatro viadutos. Também uma certa mudança, pelo menos por enquanto, na relação do Benito com a mulher, me disseram. Tentei falar com ele para saber dos detalhes, mas o celular, a mesada e outros instrumentos de trabalho foram cortados, ferozmente, pela seríssima Márcia.

Apenas a Laisinha continua na mesma. Incluindo as perninhas lindas, que conheço apenas de fama.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
 

 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário