sexta-feira, 16 de maio de 2014

Delírio do Gigante
(*) Rinaldo Barros

“Lutar contra tudo o que ofenda a dignidade humana é obrigação de todos nós. Sem sonhar, nada acontece”. (Oscar Niemayer)

Quando eu era jovem acreditava que os sonhos se tornavam realidade. Agora, continuo procurando a Estrela da Manhã, mas o céu está carregado de nuvens escuras, como se estivéssemos numa viagem sem destino e sem mapa. Parece que a realidade está invertida, como se fora fantasia ou imaginação.  
            Após queimar parte da massa cinzenta, creio que estou quase encontrando a trilha para tentar entender o teatro político atual, cujo elenco principal encontra-se em Brasília.
            É possível encontrar subsídios para entender esse fenômeno no livro “O Pós-Modernismo” de Ana Mae Barbosa e Jacó Guinsburg, publicado pela Editora Perspectiva. Talvez encontremos ali luzes para compreender o mensalão, processo disparado por Roberto Jefferson, há sete anos. 
A cartilha pós-modernista afirma que tudo é permitido, nada é proibido, inclusive chafurdar na realidade, seja ela política, social, econômica ou cultural, individual ou coletiva, praticando todo o tipo de mestiçagem libertina ou libertária. “Tudo é descartável e inútil”, afirmam os pós-modernos.
            Pois bem, simbolicamente, o detonador da crise política do PT, ex-líder da tropa de choque do Collor, ex-inimigo e agora aliado do Lula; assumiu teatralmente o papel de Santo Guerreiro e, com transmissão ao vivo para todo o país pelas principais cadeias de rádio e televisão, desconstruiu o PT governo, eletrizando milhões de espectadores. Até porque quem governa não está no poder, e o poder real não está no governo.
O “bandido” desconstruiu o “herói sem caráter”, num espetáculo extraordinário. Assistimos à verdade da mentira. Em outras palavras, por motivos escusos, acabou-se revelando a verdade.
            Nessa realidade fantástica, em ninguém existe a preocupação se é verdadeiro ou falso o que se afirma. Trabalha-se com a verossimilhança (de verossímil), aquilo que parece ou pode ser verdade, ou ser plausível.
            Verdades ou mentiras já não significam mais nada, nem interessa ao telespectador nem ao internauta. O que importa e hipnotiza é o espetáculo em si, não a verdade.
Percebo um certo descolamento da realidade que não se confunde com o cultivo de utopias, o qual fazia parte da atividade política, quando ainda “ardia em mim o fogo ingênuo da paixão”.
Hoje, restou apenas um imenso delírio coletivo, no qual o consumismo e o endividamento das famílias é considerado como o surgimento de uma “nova classe média”. Sem qualquer contestação.
            Ou seja, encena-se o tempo todo e, assim como na arte pós-moderna, só interessa o que chega à mídia ou ao Facebook. Para completar o entendimento, o valor dominante hoje no patropi, na sociedade sob a hegemonia do deus-mercado, pode ser traduzido por uma palavra: dinheiro.
            Por ele, pode-se tudo: negociar a Dignidade, o corpo, a mente, a Liberdade. Em nome do dinheiro, tudo se transforma em mercadoria: os ideais, as crenças, as esperanças, o futuro das novas gerações.
            Tempo da corrupção generalizada, da venalidade, da banalização da vida, da lassidão moral; o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, é levada ao mercado para ser apreciado por seu valor ou preço, reforçando o individualismo do “salve-se quem puder”. É a Lei do “deve-se levar vantagem em tudo”.
            A mídia, igualmente, também trabalha com a verossimilhança. Daí, as notícias ligadas ao espetáculo correrem como rastilho de pólvora. Aumentam a audiência e a venda de anúncios. E são esquecidas na mesma velocidade.
Pergunto: será que já não está mais do que na hora de quebrar o silêncio e fazer escolhas; de mostrar que o rei e a rainha estão nus, de resgatar a ética na política, atuar claramente em defesa dos trabalhadores, das crianças, dos jovens, das mulheres, dos negros, dos excluídos, dos oprimidos em geral e das instituições republicanas, sem as quais não há perspectivas de desenvolvimento civilizatório?
Será que não é preciso e urgente desarquivar as “velhas” ideias que animaram o Iluminismo?
Liberdade, Igualdade e Fraternidade foram lemas do nascimento da sociedade moderna. Onde estão?
Oxalá, e esse é o maior dos oxalás, esta crise seja sinônimo de oportunidade.
Ou, em seu delírio, o Gigante saltará de vez, de guarda-sol aberto, no pátio da barbárie...

(*) Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com

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