Delírio do Gigante
(*) Rinaldo Barros
“Lutar contra tudo o que
ofenda a dignidade humana é obrigação de todos nós. Sem sonhar, nada acontece”.
(Oscar
Niemayer)
Quando
eu era jovem acreditava que os sonhos se tornavam realidade. Agora, continuo
procurando a Estrela da Manhã, mas o céu está carregado de nuvens escuras, como
se estivéssemos numa viagem sem destino e sem mapa. Parece que a realidade está
invertida, como se fora fantasia ou imaginação.
Após queimar parte da massa
cinzenta, creio que estou quase encontrando a trilha para tentar entender o
teatro político atual, cujo elenco principal encontra-se em Brasília.
É possível encontrar subsídios para entender esse
fenômeno no livro “O Pós-Modernismo” de Ana Mae Barbosa e Jacó Guinsburg,
publicado pela Editora Perspectiva. Talvez encontremos ali luzes para
compreender o mensalão, processo disparado por Roberto Jefferson, há sete anos.
A
cartilha pós-modernista afirma que tudo é permitido, nada é proibido, inclusive
chafurdar na realidade, seja ela política, social, econômica ou cultural,
individual ou coletiva, praticando todo o tipo de mestiçagem libertina ou
libertária. “Tudo é descartável e inútil”, afirmam os pós-modernos.
Pois bem, simbolicamente, o detonador da crise política
do PT, ex-líder da tropa de choque do Collor, ex-inimigo e agora aliado do
Lula; assumiu teatralmente o papel de Santo Guerreiro e, com transmissão ao
vivo para todo o país pelas principais cadeias de rádio e televisão,
desconstruiu o PT governo, eletrizando milhões de espectadores. Até porque quem
governa não está no poder, e o poder real não está no governo.
O
“bandido” desconstruiu o “herói sem caráter”, num espetáculo extraordinário.
Assistimos à verdade da mentira. Em outras palavras, por motivos escusos,
acabou-se revelando a verdade.
Nessa realidade fantástica, em ninguém existe a preocupação
se é verdadeiro ou falso o que se afirma. Trabalha-se com a verossimilhança (de
verossímil), aquilo que parece ou pode ser verdade, ou ser plausível.
Verdades ou mentiras já não significam mais nada, nem
interessa ao telespectador nem ao internauta. O que importa e hipnotiza é o
espetáculo em si, não a verdade.
Percebo
um certo descolamento da realidade que não se confunde com o cultivo de
utopias, o qual fazia parte da atividade política, quando ainda “ardia em mim o
fogo ingênuo da paixão”.
Hoje,
restou apenas um imenso delírio coletivo, no qual o consumismo e o
endividamento das famílias é considerado como o surgimento de uma “nova classe
média”. Sem qualquer contestação.
Ou seja, encena-se o tempo todo e, assim como na arte
pós-moderna, só interessa o que chega à mídia ou ao Facebook. Para completar o
entendimento, o valor dominante hoje no patropi, na sociedade sob a hegemonia
do deus-mercado, pode ser traduzido por uma palavra: dinheiro.
Por ele, pode-se tudo: negociar a Dignidade, o corpo, a
mente, a Liberdade. Em nome do dinheiro, tudo se transforma em mercadoria: os
ideais, as crenças, as esperanças, o futuro das novas gerações.
Tempo da corrupção generalizada, da venalidade, da
banalização da vida, da lassidão moral; o tempo em que qualquer coisa, moral ou
física, é levada ao mercado para ser apreciado por seu valor ou preço, reforçando
o individualismo do “salve-se quem puder”. É a Lei do “deve-se levar vantagem
em tudo”.
A mídia, igualmente, também trabalha com a
verossimilhança. Daí, as notícias ligadas ao espetáculo correrem como rastilho
de pólvora. Aumentam a audiência e a venda de anúncios. E são esquecidas na
mesma velocidade.
Pergunto:
será que já não está mais do que na hora de quebrar o silêncio e fazer
escolhas; de mostrar que o rei e a rainha estão nus, de resgatar a ética na
política, atuar claramente em defesa dos trabalhadores, das crianças, dos
jovens, das mulheres, dos negros, dos excluídos, dos oprimidos em geral e das
instituições republicanas, sem as quais não há perspectivas de desenvolvimento
civilizatório?
Será
que não é preciso e urgente desarquivar as “velhas” ideias que animaram o
Iluminismo?
Liberdade,
Igualdade e Fraternidade foram lemas do nascimento da sociedade moderna. Onde
estão?
Oxalá,
e esse é o maior dos oxalás, esta crise seja sinônimo de oportunidade.
Ou,
em seu delírio, o Gigante saltará de vez, de guarda-sol aberto, no pátio da
barbárie...
(*) Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
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