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Compartilho um desabafo, que a generosidade de vocês certamente há de perdoar... Enviada em: domingo, 11 de maio de 2014 18:11
FLAVIO GOULART
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BRASIL DE MARCHA A RÉ
FLAVIO GOULART
Sinceramente,
quando constato, horrorizado, estas cenas que o cotidiano nacional nos
oferece, por exemplo, de gente amarrada em postes, de mulheres sendo
apedrejadas por suspeita de bruxaria ou, para “pensar grande”, na
rendição incondicional do país aos ditames do lucrobol (padrão FIFA),
tenho um desânimo danado com este país. Mais do que nunca, vejo a ironia
de Nelson Rodrigues, a respeito de nosso “complexo de vira lata”, se
mostrar com tal força no presente ao ponto de tornar-se profecia, não só
dita e como realizada.
Fico
procurando a antítese de tudo isso, mas a realidade se impõe de maneira
nada sutil, verdadeira locomotiva em marcha a ré, entrando na curva da
história, sem apitar...
E
por falar em locomotiva, me vêm à memória cenas que vi há pouco tempo
em Ribeirão Vermelho, no Sul de Minas, que poderiam ser apenas
pitorescas, se não fossem trágicas... Ali, às margens do rio Grande, a
poucos quilômetros da rodovia Fernão Dias, jazem, ao Deus dará, prédios e
equipamentos ferroviários que em outros países ainda estariam prestando
enorme serviço à economia. Mas no Brasil, não – nem tiveram o consolo
de se verem transformados em museu.
Uma
enorme rotunda, ou oficina para locomotivas, totalmente em área coberta
(ou quase, não fosse o destelhamento imposto pelas intempéries e pela
simples pilhagem humana), apodrece abandonada. Seus esteios de ferro
fundidos em Glasgow, suas telhas e lajotas importadas de Marseille,
estão simplesmente à espera de que vândalos ou colecionadores de melhor
estirpe acabem de completar o serviço, para serem varridos para sempre
do lugar.
Em
eras não tão antigas, até os anos 50 do século XX, ali figurava coisa
de respeito, de causar inveja ao país que temos hoje. Mercadorias
trazidas do Rio de Janeiro por trem de ferro passavam por trasbordo a
batelões fluviais que desciam por duzentos ou mais quilômetros o rio
Grande para somente então serem distribuídas por caminhões, por todo o
oeste de Minas e Triângulo.
Em
outras palavras, jogamos na lata de lixo toda uma estrutura de
transporte que conjugava vias férreas, fluviais e rodoviárias, deixando
para estas últimas apenas a finalização do percurso, já na fase de
consumo –vejam só!
Ainda
com estas imagens na retina, ganhei de presente um livro que retrata a
fantasia de Henry Ford, a Fordlândia, no Pará, realizada aos trancos e
barrancos entre os anos 20 e 40, depois sepultada como indigente. O
autor é Greg Grandin, um pesquisador da história latinoamericana, da
Universidade de Nova Iorque. Era de fato um projeto maluco aquele, saído
da mente controversa de um empreendedor messiânico e neurastênico (para
dizer pouco, pois entre suas simpatias estava até o nazismo...).
Mas
o que importa aqui é outra coisa: o relato surpreendente revelado pela
entrevista com dona América (vejam que ironia o nome de tal cidadã), de
80 anos ou mais, uma das raríssimas sobreviventes do apogeu do
empreendimento, antiga babá na casa de um funcionário da Ford Motor Corporation,
atualmente residente em Salvaterra, nas proximidades da antiga cidade
de Mr. Ford. América narra de forma simples e direta seu dilema: operada
de apendicite nos anos trinta por um médico da empresa, apenas poucas
horas após ter adoecido, teve sua vida salva e recuperou-se sem
seqüelas. Hoje, pra conseguir uma simples consulta para suas varizes,
tem que viajar boas oito horas de barco até Santarém e ali passar vários
dias, até conseguir tal benefício do SUS – e já teve vez em que acabou
voltando para Salvaterra de mãos abanando e com as varizes destituídas
de qualquer cuidado.
Moral
da história: deu para trás o empreendimento fordista, tão inviável que
era, mas pelo menos uma coisa pode ser considerada como herança positiva
do mesmo. Ficou marcada, certamente, na mente daquela anciã e talvez de
outras pessoas, uma era em que pelo menos havia assistência médica,
escola e comunicação com o mundo. Faliu Mr. Ford, sem dúvida, mas faliu
também (se é que já não nasceu falido...) o Estado brasileiro, incapaz
de oferecer um mínimo de proteção social a muitos de seus cidadãos.
Um
terceiro caso, rapidinho este... Tive a honra de estudar em escola
pública por toda a minha vida. No Colégio Estadual de Minas Gerais, nos
anos 50, apesar de tanto eu como a maioria de meus colegas sermos
membros de uma “média classe media”, tivemos como colegas a filha do
governador de Estado, o filho do assessor mais próximo de JK (que depois
se deu mal como autor e promotor do chamado mensalão mineiro...). Até a
Dilma passou por lá, mas naquela ocasião creio que ela sonhasse apenas
com as baladas, ditas “horas dançantes”, nos finais de semana...
Vestibular era coisa que quem passava por ali tirava de letra, como foi o
meu caso e de tantos outros. Era uma escola sem portões, entrava e saia
quem quisesse. Mas mesmo assim ali formos apresentados à melhor
literatura (li mais antes dos meus dezoito anos do que em todo o resto
de minha vida), à discussão social, à cultura, às ciências, às
matemáticas, à filosofia, à política. Aprendíamos a escrever com gente
que também escrevia. Bons tempos! Não preciso dizer mais nada a respeito
da escola pública de hoje em dia, preciso?
Pois
é meus amigos... Quem é que me ajuda a superar a triste impressão que
somos um país em marcha a ré? Ou na contra mão da história? Não é
consolo saber que andando para trás, talvez, não se caia em nenhum
abismo, pois se caminha apenas por onde já se passou, sem surpresas. Mas
para o futuro, o que nos aguarda? Eita pergunta faladeira...
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Geniberto Campos
Para 'FLAVIO GOULART'' Eugênio Goulart'' Eduardo Pinheiro Guerra" e 10 Mais...
Mai 11 em 8:58 PM
É um sentimento, Flávio. Isso passa.
Estamos sendo bombardeados diuturnamente por notícias – nem sempre com os pés no mundo real – visando criar essa onda negativista , esse pessimismo ruim, inútil, tão ao gosto de certos segmentos sociais brasileiros.
O país está á beira do abismo; a inflação vai voltar com toda força; o PIB não vai crescer; a produção industrial está no porão, a corrupção nas alturas e por aí vai. Nesse país que acontece na grande imprensa, manter o otimismo torna-se uma heresia. Coisa imperdoável. Coisa de cegos que não querem enxergar. Vamos continuar, repetindo o poeta lusitano, seguindo em frente, como um cego teimoso. Este o desafio. Fazer a grande Política.
Isso me lembra a velha história do Zorro e de Tonto, seu fiel escudeiro, descendente de Apaches;. Zorro : - TONTO, NÓS ESTAMOS CERCADOS PELOS ÍNDIOS! E o Tonto: - NÓS QUEM, CARA-PÁLIDA???”
Esse pessimismo foi capa da revista CARTA CAPITAL , desta semana, que está nas bancas. Recomendo. Eis o título: “O FATOR PESSIMISMO” . e o sub-titulo: “ a diferença entre o mau humor justificável e a tática eleitoral do quanto pior, melhor”.
Acho que tudo isso é a tradução midiática da luta política entre o neoliberalismo e as forças progressistas. Dos que querem um país mais justo e mais igual, com bons salários e inclusão social e o pessoal que tem Miami como a sua capital in pectore e que odeia os pobres. Só pensam em luxo e riqueza, ao contrário da Amélia do Ataulfo, mineiro de Miraí. Pode ser até uma simplificação simplória, com perdão pela redundância, mas é uma explicação possível.
Recomendo também, com alguma insistência, a leitura da revista PIAUI, feita por tucanos, inteligentíssima , também nas bancas – nº 92, de maio/2014 -e que tem como uma das matérias de capa: “O NIOME DA DESIGUALDADE” - a descoberta e a obra de Thomas Piketty em textos de Emily Eakin e Marcelo Medeiros “. É bom guardar esse nome: THOMAS PIKETTY. Ele deverá agitar os debates daqui para frente. Olha só o que este francês tem a coragem de dizer: “ os mais ricos ficam de 6 a 7% mais ricos a cada ano, numa velocidade que três a quatro vezes maior que a da economia mundial”. E ele fala numa fórmula que é de uma simplicidade enganosa:
R > G, em que R representa a taxa anual de retorno obtido pelo capital (ou seja, lucro, dividendos, juros e renda de imóveis e G a taxa de crescimento econômico. E ele foi pesquisar isso, nos últimos duzentos anos, imagine. O livro onde expõe tudo isso se chama : “ O CAPITAL NO SÉCULO 21” e coloca algumas verdades sobre o sistema capitalista. Repito: vai dar o que falar. E o livro tem 700 páginas... E tem mais, o Piketty não reza pela cartilha do alemão Karl. É de outro departamento.
Ouso lhe receitar a fórmula do Chico Buarque em PARATODOS: “contra fel, moléstia e crime/ use Dorival Caymmi/vá de Jackson do Pandeiro/ para um coração mesquinho/ contra a solidão agreste/Luiz Gonzaga é tiro certo/ Pixinguinha é inconteste”. Não deixe o samba cair, meu caro Flávio. Como diz o sambista : “desesperar jamais(...) afinal de contas não tem cabimento/ entregar o jogo no segundo tempo” . Garanto: esse problema é passageiro. Mas não é “le mal du siécle” que tomou conta de Paris da Belle Èpoque e que induzia ao suicídio os leitores do JOVEM WERTHER, de Goethe. Em frente, pois, pela reinvenção do SUS.
Afetuoso abraço,
Geniberto
Antes que me esqueça: para quem quer saber mais sobre o Brasil vale uma passada no LE MONDE DIPLOMATIQUE. Diplô, para os íntimos. Chiquérrimo. A edição é em português.
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