“Nós sufocamos os homens”
As mulheres ganharam. Ou, pelo menos,
a maneira feminina de encarar o mundo vem levando a melhor- e isso não é
necessariamente bom, diz Camille Paglia. Para ela, a valorização das
características associadas às mulheres emparedou os homens e fez certa virtudes
masculinas caíssem perigosamente em desuso.
Em entrevista a VEJA, a autora de Personas Sexuais mostra que, aos 66
anos, continua sendo uma fervorosa dissidente de feminismo ortodoxo dos anos
60. Segundo ela, ao priorizarem o sucesso profissional, as mulheres de sua
geração deram “de cara com a parede”- e em breve verão que as felizes de
verdade não são as ricas e bem-sucedidas, mas as que em vez de correr atrás do
sucesso, se dedicaram a construir grandes famílias.
As mulheres venceram? Nosso mundo políticos e econômico
certamente não é regido pelas mulheres. Os homens ainda são maiorias, talvez
porque seja mais fácil para trabalhar harmoniosamente em equipe. As mulheres,
porém, reinam nos domínios emocionais e psicológicos. Valores feminino como
cooperação, sensibilidade e compromisso hoje são promovidos em todas as escolas
publicas dos Estados Unidos. Fico preocupada com isso. Não é responsabilidade
escolar moldar ou influenciar o caráter dos alunos. Então, sim, há uma vitória
feminina no sistema de educação, e é por isso que tantos meninos se sentem
sufocados ou presos nesse ambiente governado por mulheres.
Essa constatação veio da sua experiência
de ser mãe de uma menino?
(Camille
adotou Lucien, hoje com 11 anos.) A maternidade apensa confirmou minhas
opiniões. Nos meus trabalhos sempre partir de uma observação social, e não
teorias criadas a priori. Ser mãe me
permitiu outras descobertas, entre elas a existência de uma rede de mulheres
com enormo poder de organização de capacidade de administrar o próprio tempo.
Mas os homens estão frágeis? A masculinidade tradicional está numa
encruzilhada. O que os homens podem ser?
Como eles podem se diferenciar das mulheres? Alguns não veem problemas em
receber ordens delas. Mas, para outros, é como se a masculinidade tivesse sido
apagada, como se eles tivessem perdido sua posição dentro da família. Sentem-se
sufocados e precisam estar com outros homens. Aí entram a pornografia, os
clubes de strip- tease, os esportes: é quando os homens escapam para o mundo
deles. Chutar uma bola no meio do campo é muito revigorante e bom para escapar
das mulheres.
Em outras palavras, elas fazem com
que eles se sintam errados o tempo todo? Sim! Em uma palavra: sim! Houve um tempo em que homens
faziam coisas que as mulheres não podiam fazer. Então, ninguém questionava se
eles “eram homens” ou não. Eu lembro que, em casa, depois do jantar, os homens
ficavam na sala, falavam de carros assistiam a algum esporte na TV. Enquanto
isso, as mulheres conversavam arrumando a cozinha. Hoje, elas querem homem que
sejam igual a mulher. Querem falar com ele do mesmo jeito que conversam com as
amigas. Isso é com os gays!
Os gays conversam por horas, fofocam, falam
sobre a vida pessoal... Os héteros não. Ele
não querem aprofundar-se nos
sentimentos. Há um grande desentendimento no casamento modernos porque mulheres
e homens não têm tanto em comum assim. Quando nasce uma criança, então o homem
é marginalizado. Pode escolher entre escapar de casa e ser mais um dos planetas
orbitando ao redor do “SOL”. Famílias de classe média são basicamente ambientes
femininos. Tudo é bom e gentil, e os homens têm de mudar seu comportamento para
se encaixar nelas. As mulheres pedem a eles que sejam o que não são e, quando
eles se tornam o que não são, elas não os querem mais. “Ah meu marido é meu
terceiro filho, é meu bebê.” Ouvimos isso o tempo todo. O problema numero 1 é
que as mulheres não estão receptivas aos homens. Elas precisam ouvi-los. O
femininsmo é duro demais com eles.
Ao longo do tempo, as mulheres incorporam alguns atributos masculinos.
Diz-se frequentemente que agora é hora de eles incorporarem atributos
femininos. A senhora não concorda?
Não. No que
diz respeitos aos governos ocidentais, por exemplo, a tendência é agirem no
estilo “estado- babá”, cheios de complacência e cuidados, atributos associados
ao universo feminino. Só que isso está incapacitando as nações de ficar
seriamente em alerta contra as ameaças do terrorismo, por exemplo. As
sociedades ocidentais são ingênuas e complacentes ao imaginar que todo mundo é
naturalmente benevolente. Várias grandes civilizações entraram em colapso por
se apresentares vulneráveis. A compaixão e a sensibilidade femininas são
virtudes positivas, mas as maiores conquistas nas áreas de cultura e tecnologia
ainda requerem certos traços masculinos, bem como planejar a defesa de umasociedade
sob ameaça de ataque.
Essa “lacuna” explicaria o fato de
existirempoucas mulheres no poder?
O líder de
uma nação tem de ter diferentes atributos. Precisa saber compor, comandar,
controlar os nervos- precisa combinar qualidades masculinas e femininas. Falta
às mulheres uma educação voltada a desenvolver visões de longo prazo,
capacidade de decisão, pensamento militar . Essa história de ser carinhosa e de
ter compaixão já esta resolvida- vamos parar de falar disso. O que não é
valorizado como deveria é a capacidade de decisão. E, do jeito que as mulheres
são educadas, não vejo como essa mudança pode acontecer. Por exemplo: liderar
uma nação significa cuidar também de suas questões militares. Isso requer um
tipo de personalidade de firme e assertiva. Por isso, em vez de estudarem
questões de gênero, as mulheres que querem ascender politicamente deveriam
estudar histórias militar e econômica. Não é fixando proporções-“as mulheres
tem que apresentar 50% dos legisladores. O Brasil não tem a mesma obsessão pela
questão militar que os Estados Unidos, por isso vocês têm uma mulher presidente.
Como a senhora avalia uma eventual
candidatura de Hillary Clinton à Presidência em 2016?
Hillary
Clinton é completamente incompetente. Em tudo o que fez, não obteve êxito. Seu
currículo segue em branco, sem nenhuma grande conquista, exeto ter casado com
Bill Clinton. É incrível como temos poucas candidatas. Sempre achei que a
senadora democrata Dianne Feinstein, da Califórnia, deveria ter tentado
concorrer à Presidência, e não Hillary Clinton. O que precisamos aprender é
como exercer a liderança e nos comunicar com as pessoas sem que nos sintamos
diminuídas, da maneira como Hillary Clinton faz. Ela é estridente, irritante,
sempre sorrindo, sorrindo. E é mal- humorada, tola- oposto do que querem de um
líder. Continuar a impulsioná-la vai atrasar a evolução feminina em décadas.
Quais as perspectivas femininas para
as próximas décadas?
Eu vejo um
mundo muito instável à frente, tanto política como economicamente. Acho que
essa maneira de encarar as coisas baseadas em gêneros está errada. É como se as
mulheres tivessem respostas para tudo. E, se não estão felizes, a culpa é dos
homens. Temos de olhar para a natureza de vida moderna, para o nosso isolamento
psicológico, para essa quebra da família tradicional, transformada em pequenos
núcleos. Tudo isso resulta em ansiedade. As mulheres sentem que têm de ser
pessoas bem- sucedidas, tudo na vida delas tem de estar relacionado com o poder
feminino, com “encarar obstáculos”. É um modo de vida muito estressante.
E ainda há a questão não resolvida de
como conciliar carreira e vida pessoal. Por que isso continua a ser sofrimento?
O feminismo
cometeu o engano de tentar reduzir a vida feminina às conquistas profissionais.
Uma coisa é exigir que se retirem as barreiras para o avanço social das
mulheres e que se oferecem a elas oportunidades, promoções, salário etc. Outra
é suportar que essas conquistas suprirão as demandas de vida pessoas- não
suprirão. Questões pessoais são de uma natureza diferentes das profissionais:
têm a ver com sexo, procriação e viver a vida. Essas feministas anglo-
americanas dos anos 60 têm uma visão mecânica do que é viver. Há ainda um
grande problema com o sistema de carreira moderno. O modo de progredir
profissionalmente faz com que seja
difícil para elas lidar com os homens em pé de igualdade. A mulher precisa ter
vida dupla: ser ambiciosa e dominadora no escritório, mas adaptar-se em casa
para ser sexualmente desejada e emocionalmente carinhosa. Minha prioridade
sempre foi esta: temos de parar de culpar os homens e começar a olhar o sistema
e as mudanças ocorridas no trabalho e nos últimos séculos.
Quais seriam as transformações mais
significativas?
Uma das que
mais merecem atenção é o isolamento feminino. As pessoas amam ter privacidade,
ter sua própria casa. O resultado disso é uma quantidade tremenda de trabalhos
domésticos que recai sobre as mulheres e do qual ela têm de dar conta sem ajuda
de outras mulheres. Não muito tempo atrás, as pessoas viviam em uma espécie de
tribo, em que umas olhavam pelas outras. Minha mãe se lembra disso em sua
infância na Itália. As mulheres reuniam-se, pegavam suas crianças e iam lavar
roupa nas pedras. Havia uma comunidade de mulheres, uma vida social construída
a partir dessas atividades. Hoje estamos muito felizes com as nossas máquinas
de lavar e secar, mas o que isso significa? Isolamento total! A mulher está
isolada, desconectada do mundo feminino. Quando você é parte de um grupo, você
sabe quem você é, não precisa ir descobrir.
Recentemente, a senhora foi criticada
por declarar que as mulheres deveriam pensar melhor no que vestem para não
ficar vulneráveis. O que quis dizer?
Eu apoio totalmente
as mulheres que se vestem de maneira sexy. Mas quem faz isso tem de compreender
que sinais está enviando. Quando disse isso, estava me referindo às garotas
americanas brancas de classe alta, que frequentaram as melhores universidades e
terão os melhores empregos. Elas usam roupas sexy, mas seu corpo está morto,
sua mente está morta. Elas entendem o que estão vestindo.
Por que esse diagnóstico se
restringe?
Mulheres na Itália,
França, Espanha, Brasil e outros países da América do Sul comunicam melhor sua
sexualidade, estão mais confortáveis com seu corpo. Afro- americanas também
sabem fazer isso. Mas as mulheres americanas brancas que estão cursando as
melhores universidades...oh! Bom, você deve se lembrar de Sex and the City. Elas são espertas e ambiciosas, mas vivem em
situação em que fazem sexo com uma
incrível quantidade de homens e de repente é o homem quem escolhe com que vai
ficar e quando é hora de casara. E, quando resolvem casar, querem as de 20 anos.
É muito difícil. Antigamente não se fazia sexo antes de casar. Mas hoje... as
mulheres são tediosas.
Tediosas?
Quando eu
vou a Nova York vejo essas mulheres das ruas: bem cuidadas, lindas, bem-
sucedidas, graduadas em Harvard, Yale e...tediosas! Te- di- o- sas. Não têm
nenhuma mística erótica. Acho que o numero de homens gays vem aumentando porque
os homens são mais interessantes que as mulheres.
Onde elas deveriam buscar a
felicidade?
Bem, achar que as
mulheres profissionalmente bem- sucedidas são o ponto máximo da raça humana é
ridículo. Vejo tantas delas sem filhos porque acreditam que podiam ter tudo:
sem bem- sucedidas e mães aos 40 anos. Minha geração inteira deu de cara cm a
parede. Quando chegarmos aos 70, 80 anos, acredito que a felicidade não estará
com as ricas e poderosas de classe média que conseguiram produzir grandes
famílias.
“Entrevista
da escritora americana Camille Paglia,
a
revista VEJA, edição 05 de março 2014.”
__________________________________Colaboração do leitor Álvaro Moura
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