A
HERANÇA ESPIRITUAL DE BENTO XVI
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
(pe.medeiros@hotmail.com)
Bento XVI, um dos grandes teólogos de
nosso século, em oito anos de pontificado legou aos cristãos e crentes de
outras religiões, uma herança espiritual importante: o convite permanente de
buscar Deus. Fez-se nosso companheiro na viagem ao encontro de Cristo,
chefiando a Igreja chamada a uma profunda renovação, a fim de ser mais pura e
fiel à própria missão, como sacramento temporal do Filho de Deus. Antes de
renunciar, chegou a confessar com lucidez e humildade: “Faltaram-me a doçura e a ternura de Jesus. A razão é importante, mas
não é tudo”. Cristo também demonstrou que não são apenas os argumentos
lógicos que traduzem o Evangelho.
Em seus inúmeros escritos e
pronunciamentos, pregações e entrevistas, o Papa emérito sempre insistiu que Deus
se faz conhecer a quem O procura. “Ele
mostra o seu rosto e o seu coração de Pai, que não deseja saber quem somos nem
de onde viemos, pois a única coisa que importa é a reciprocidade de um amor
filial”. Parece que estamos ouvindo outro doutor da Igreja, Santo
Agostinho, ao afirmar: “Deus é muito mais
íntimo a mim de quanto eu possa ser a mim mesmo” (cf. Confissões III, 6,
11). E continua o bispo de Hipona: “Não
vás fora de ti, reentra em ti mesmo. No interior do ser humano habita a Verdade”.
O destino do homem é Deus. Esta foi a lembrança do Pontífice, válida para a
humanidade e todas as religiões, pois daí provêm a ética, o direito, a
liturgia, a vida social, a economia, a ciência e sobretudo a espiritualidade.
A iniciativa divina precede a qualquer
iniciativa humana. Na caminhada para o Eterno é sempre Ele o primeiro que nos
ilumina e orienta, em constante respeito a nossa liberdade. É Deus que nos faz
entrar em sua intimidade, revelando-se e dando-nos a graça de poder acolher sua
revelação pela fé. Jamais podemos esquecer a experiência de Santo Agostinho: “Não somos nós que possuímos a Verdade, após
tê-la procurado, mas é a Verdade que nos procura e possui” (Sermão 240).
Bento XVI lembrou-nos que o homem
carrega consigo uma sede de infinito, uma saudade da eternidade. Há nele uma
busca de beleza, um desejo de amor e uma necessidade de luz, verdade e justiça,
que o empurram na direção do Absoluto. Em suma, o homem carrega consigo o
desejo de Deus e possui uma fome insaciável do Transcendente, pois é semelhança
do Divino. A imagem do Criador está impressa em seu coração.
O pontificado do sucessor de João Paulo
II foi espiritualizante e teologal. Muitos, mesmo da Igreja, talvez não tenham
percebido as sendas filosóficas e místicas que apontava. Ao materialismo,
mostrou a fé. Fez-nos refleti-la, com o seu documento “Porta Fidei”. Ao mundo do egoísmo e dos interesses, ensinou que
Deus é Amor (“Deus Caritas est”). Aos
desesperados e desanimados, com a encíclica “Spe Salvi”, disse que somos salvos pela esperança vinda de Cristo.
Diante dos erros de sua Igreja, afirmou que devemos amar na verdade, tema de sua
terceira carta encíclica “Caritas in
Veritate”.
O Papa emérito convidou-nos a aprender e
saborear as coisas essenciais, que são exatamente as de Deus. Sua aparente
sisudez foi um alerta a nos dizer que Deus está tão próximo de nós e não O
reconhecemos. Parece uma repetição do episódio dos discípulos de Emaús. Bento
XVI deixou-nos ainda uma herança espiritual, materializada em sua coletânea Jesus de Nazaré, onde recorda que Cristo
é o único Pão dos Homens. Hoje, ao Papa Francisco, no seu despojamento e
humildade, é pedido e esperado que revele a alegria de estar com Deus, pois
nada se compara a isto e por essa razão deverá abdicar e esquecer a pompa, o
poder e a glória. “Só Deus nos basta”,
afirmou Teresa d´Ávila.
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