sábado, 23 de novembro de 2013


A HERANÇA ESPIRITUAL DE BENTO XVI

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO (pe.medeiros@hotmail.com)

Bento XVI, um dos grandes teólogos de nosso século, em oito anos de pontificado legou aos cristãos e crentes de outras religiões, uma herança espiritual importante: o convite permanente de buscar Deus. Fez-se nosso companheiro na viagem ao encontro de Cristo, chefiando a Igreja chamada a uma profunda renovação, a fim de ser mais pura e fiel à própria missão, como sacramento temporal do Filho de Deus. Antes de renunciar, chegou a confessar com lucidez e humildade: “Faltaram-me a doçura e a ternura de Jesus. A razão é importante, mas não é tudo”. Cristo também demonstrou que não são apenas os argumentos lógicos que traduzem o Evangelho.

Em seus inúmeros escritos e pronunciamentos, pregações e entrevistas, o Papa emérito sempre insistiu que Deus se faz conhecer a quem O procura. “Ele mostra o seu rosto e o seu coração de Pai, que não deseja saber quem somos nem de onde viemos, pois a única coisa que importa é a reciprocidade de um amor filial”. Parece que estamos ouvindo outro doutor da Igreja, Santo Agostinho, ao afirmar: “Deus é muito mais íntimo a mim de quanto eu possa ser a mim mesmo” (cf. Confissões III, 6, 11). E continua o bispo de Hipona: “Não vás fora de ti, reentra em ti mesmo. No interior do ser humano habita a Verdade”. O destino do homem é Deus. Esta foi a lembrança do Pontífice, válida para a humanidade e todas as religiões, pois daí provêm a ética, o direito, a liturgia, a vida social, a economia, a ciência e sobretudo a espiritualidade.

A iniciativa divina precede a qualquer iniciativa humana. Na caminhada para o Eterno é sempre Ele o primeiro que nos ilumina e orienta, em constante respeito a nossa liberdade. É Deus que nos faz entrar em sua intimidade, revelando-se e dando-nos a graça de poder acolher sua revelação pela fé. Jamais podemos esquecer a experiência de Santo Agostinho: “Não somos nós que possuímos a Verdade, após tê-la procurado, mas é a Verdade que nos procura e possui” (Sermão 240).

Bento XVI lembrou-nos que o homem carrega consigo uma sede de infinito, uma saudade da eternidade. Há nele uma busca de beleza, um desejo de amor e uma necessidade de luz, verdade e justiça, que o empurram na direção do Absoluto. Em suma, o homem carrega consigo o desejo de Deus e possui uma fome insaciável do Transcendente, pois é semelhança do Divino. A imagem do Criador está impressa em seu coração.

O pontificado do sucessor de João Paulo II foi espiritualizante e teologal. Muitos, mesmo da Igreja, talvez não tenham percebido as sendas filosóficas e místicas que apontava. Ao materialismo, mostrou a fé. Fez-nos refleti-la, com o seu documento “Porta Fidei”. Ao mundo do egoísmo e dos interesses, ensinou que Deus é Amor (“Deus Caritas est”). Aos desesperados e desanimados, com a encíclica “Spe Salvi”, disse que somos salvos pela esperança vinda de Cristo. Diante dos erros de sua Igreja, afirmou que devemos amar na verdade, tema de sua terceira carta encíclica “Caritas in Veritate”.

O Papa emérito convidou-nos a aprender e saborear as coisas essenciais, que são exatamente as de Deus. Sua aparente sisudez foi um alerta a nos dizer que Deus está tão próximo de nós e não O reconhecemos. Parece uma repetição do episódio dos discípulos de Emaús. Bento XVI deixou-nos ainda uma herança espiritual, materializada em sua coletânea Jesus de Nazaré, onde recorda que Cristo é o único Pão dos Homens. Hoje, ao Papa Francisco, no seu despojamento e humildade, é pedido e esperado que revele a alegria de estar com Deus, pois nada se compara a isto e por essa razão deverá abdicar e esquecer a pompa, o poder e a glória. “Só Deus nos basta”, afirmou Teresa d´Ávila.

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