domingo, 16 de junho de 2013


Paixões
Publicação: 14 de Junho de 2013 às 00:00
Nei Leandro de Castro - escritor

Na minha adolescência, as namoradas – muito recatadas – não correspondiam às nossas paixões.  Um beijo na boca era mais difícil do que acertar na loteria. Pegar na mão, só depois de meses de namoro, assim mesmo não podia ficar de mãozinha dada por muito tempo. O jeito era sair do namoro e correr para os braços das mulheres de vida difícil, nos baixos da Ribeira. Certa vez, uma dessas mulheres se apaixonou por mim. Creusa, esse era o nome dela, me enchia de roupas, sapatos, dinheiro. Mas, no primeiro dia de namoro, foi logo dizendo: “Não quero você na zona, onde só tem mulher que não presta. Nossos encontros vão ser na minha casa, nas Rocas.”

A paixão dos adolescentes pelo futebol era imensa. Desde criança, fui apaixonado pelo América. Nada mais empolgante do que assistir a um ABC x América. De um lado do campo, uma turma gritava: “Fala, frasqueira da geral!” Do outro, a maioria abecedista gritava todos os palavrões possíveis. Logo, não era aconselhável mulher ir ao Juvenal Lamartine.

Sou do tempo em que o América tinha como zagueiro Barbosa Burro Preto, bruto e brabo da gota serena. Num jogo entre o América e um time do Ceará, o juiz marcou uma falta dele e Burro Preto mandou o juiz para o hospital. No ataque, havia Gilvan, Gilvandro, Dieb, Saquinho. Grandes jogadores. Mas o ABC tinha o maior craque: Jorginho. Baixinho, no máximo 1,60m de altura, Jorginho infernizava a defesa do meu time do coração. Ele e seu irmão Tidão eram os carrascos do meu time. Eu, como um bom americano, tinha horror ao ABC.

Joguei no infanto-juvenil do América, que tinha Lelé Galvão como técnico. Eu poderia ir adiante como jogador, mas outra paixão surgiu na minha vida e me afastou do futebol. Foi a paixão pela literatura.  Aos 16 anos, Luís Maranhão, meu professor do Atheneu, publicou uma redação minha no “Jornal de Natal”.  Dias depois, Newton Navarro escrevia uma crônica, na “Tribuna do Norte”, com o título: “Nasce um escritor”.  Emocionado, fui à casa de Newton, na esquina da Potengi com a Afonso Pena, e o poeta me recebeu com muita simpatia. Numa noite, ele me convidou, juntamente com Sanderson Negreiros e Lula Guimarães, para um jantar no restaurante do Natal Clube, onde eu jamais havia pisado, por falta de dinheiro. Sanderson gosta de repetir essa história: a certa altura, Newton perguntou se eu bebia e eu, muito tímido, respondi: “Não. Mas se o senhor quiser, eu bebo.”

Só voltei  a jogar futebol pelo time da Faculdade de Direito, que tinha  craques como Zé de Ribamar, Toinho Câmara, Francisco de Assis Câmara e Zezinho Azevedo.  Joguei também pelo Décimo Quarto Regimento de Obuses, quando servi ao Exército. Fui campeão por esse regimento, mas não ganhei nenhuma regalia. Certo sábado, no intervalo de um plantão, fui à biblioteca do quartel. Escolhi um livro e comecei a ler. Um certo capitão Castro,que estava na biblioteca, me disse aos gritos: “Saia daqui, biblioteca não é lugar de soldado!”   

Pensamento da semana: “O homem é um homem, o gato é um bicho.” (Rosalba de Souza)

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