sábado, 4 de maio de 2013


LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO
Por Ney Lopes de Souza

Foi feliz  o Ministro Marco Aurélio do STF,
ao negar crise entre o Judiciário
e o Legislativo, considerando-a apenas
“um descompasso no plano das ideias”.
Realmente, os questionamentos “no plano
das ideias” sobre as relações entre os poderes
do Estado têm origem remota nas revoluções
americana e francesa, quando nasceram
os “direitos políticos”, sedimentados
nos textos constitucionais. Na doutrina há
quem denomine o direito constitucional
de “direito político”, por serem as Constituições
o resultado de decisões políticas
tomadas pela sociedade livre.
Não são privilégios do Brasil as tentativas
de ampliação de competências dos poderes
e a consequente redução do poder do
outro. O barão francês Montesquieu, no
século XVIII, imaginou uma sociedade
de liberdade entre diferentes e admitiu os
riscos de “descompassos” (usando a expressão
do Ministro Marco Aurélio), que
fatalmente resultariam em prejuízos irreparáveis
às liberdades públicas.
Na verdade, Montesquieu não teve o objetivo
de separar os poderes, mas sim de
proteger a liberdade.
O atual “descompasso” entre legislativo e
judiciário se origina na proposta de emenda
constitucional dispondo sobre “cláusula
pétrea”, erroneamente “admitida” na Comissão
de Constituição e Justiça da Câmara
dos Deputados, visando conferir ao Congresso
a competência de derrubar decisões
do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre
alterações constitucionais, com a palavra
final dada a um plebiscito popular.
A emenda estabelece que para o STF declarar
a inconstitucionalidade de lei seriam
necessários nove votos dos 11 ministros.
Atualmente, são seis votos.
Outra mudança se refere à exigência de
quatro quintos dos membros do tribunal
para a aprovação das súmulas vinculantes.
Atualmente, são dois terços.
O autor deste artigo, na condição de deputado
federal, foi o relator do parecer
aprovado na CCJ no ano de 2003, sobre a
implantação da súmula vinculante no Brasil.
Trata-se de um mecanismo útil e que
agiliza o processo judiciário. Adotado em
vários países, permite que juízes sigam o
entendimento do Supremo, acerca de de
terminada
jurisprudência pacificada. Sem
dúvida, grande avanço.
Outro ponto que ampliou as labaredas do
“descompasso” entre o Legislativo e o Judiciário
foi a decisão do ministro Gilmar
Mendes, suspendendo a tramitação no
Congresso do projeto de lei que fere cláusulas
pétreas da Constituição ao prejudicar
a criação de novos partidos. O sistema jurídico
brasileiro assegurou ao STF a função
de “guardião” da Constituição e ao STJ o
papel de preservar o direito federal.
Como guardião da Constituição, não é a
primeira vez em que o STF analisa questões
internas do legislativo, nas hipóteses
de evidente lesão grave ao processo legislativo,
ou a cláusulas pétreas vinculadas a
direitos e garantias fundamentais. Recentemente,
a ministra Carmen Lúcia concedeu
liminar, suspendendo parte da nova Lei
dos Royalties do petróleo, alegando desequilíbrio
do sistema federativo.
Os fatos ocorridos realmente demonstram
“descompassos de ideias”, como sugere o
ministro Marco Aurélio. Todavia, não podem
ser jogados para debaixo do tapete do
tempo. A estabilidade democrática depende
da harmonia e independência dos poderes.
Para que isto se consolide no Brasil,
nada melhor do que recordar as próprias
palavras de Montesquieu, que afirmou:
“Em suma, o poder só pode ser controlado pelo
poder: controles recíprocos. Quando, na mesma
pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder
legislativo está reunido ao poder executivo, não
existe liberdade. Tampouco existe liberdade se o
poder de julgar não for separado do poder legislativo
e do executivo.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo
corpo dos princípios, exercesse os três poderes:
o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas
e o de julgar os crimes ou as querelas entre
os particulares”.
O “descompasso” caminha para uma saída
honrosa, em razão da habilidade política
dos presidentes do Senado e da Câmara.
Entretanto, por cautela, é bom não deixar
de meditar sobre as palavras transcritas de
Montesquieu.

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